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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


País

Especialistas: o próprio Estado sobrecarrega STF

Júlia Cople - aplicativo - Do Portal

10/09/2013

 Arquivo Portal

Erguido aos holofotes da mídia com o julgamento do mensalão, e os embates internos dele decorrentes, o Supremo Tribunal Federal carece de uma reforma para deixá-lo menos sobrecarregado. Assim avaliam os especialistas em Direito reunidos na PUC-Rio, em agosto, para o debate sobre a separação dos poderes. Organizado pelo Departamento de Direito, para celebrar os 25 anos de Constituição, o encontro mediado pela professora Regina Soares, da PUC-Rio, reuniu os professores de Direito Constitucional Joaquim Falcão, da FGV, e Luiz Moreira Júnior, da Faculdade de Direito de Contagem (FDCON), também membro do Conselho Nacional do Ministério Público.  

Embora sugerisse, em princípio, a abordagem dos três poderes, a discussão acabou centrada no Judiciário, cuja reforma patina, segundo os participantes, no "alto número de recursos processuais cabíveis" – agravado, ainda de acordo com os acadêmicos, pelas demandas do próprio Estado e dos juizados especiais, criados justamente para agilizar as decisões judiciais. Joaquim Falcão lembrou que levantamento do Conselho Nacional de Justiça, apurado de 1988 até 2009, conta 39.250 acumulados processos no STF. Um reflexo, segundo ele, de distorções na administração pública:

– A terceira fonte de acesso a recursos são os juizados especiais. Eles foram criados com o objetivo de uma "justiça rápida", uma solução imediata. Por causa das ações de massa e dos interesses das empresas reguladas de serviços públicos, demandam o Supremo. E quem são as principais partes do Judiciário? Até o sétimo posto, são instituições públicas. Quem mais usa o Supremo é o próprio Estado, não o direito civil, não o direito comercial.

Falcão reconhece, por outro lado, que as "mudanças de recursos extraordinários e os agravos estão funcionando". Ele acredita que a celeridade desejada depende também de ajustes das políticas de recursos adotadas por instituições públicas: "Não precisa fazer reforma, com alteração de lei ou emenda. As próprias instituições podem se organizar para não demandar qualquer coisa ao STF, como fez a Caixa", exemplifica. 

Já Moreira Júnior avalia que o acúmulo da processos na principal corte do país deva-se em parte ao que considera "a glamourização do Supremo":

– O Supremo ganhou status de oráculo da Grécia Antiga, para dar a última palavra sobre todos os assuntos, quando, na verdade, deveria ser só um serviço – opina.

O professor propõe também uma melhor articulação entre os poderes e a descentralização dos pareceres jurídicos em esferas estaduais. Para ele, a "tutela do Supremo, motivada pelo argumento de que vivemos uma democracia de direitos, é incompatível com a separação de poderes".

– Não se trata de simples separação do poder em esferas autônomas, conforme uma organização horizontal, mas de estabelecer uma verticalidade com a qual o exercício funcional do poder se submete à soberania popular. A questão democrática se insere na medida em que esse poder se subordina aos cidadãos, e não a cortes funcionais. O Judiciário deveria ser um serviço – reforça.

Na visão de Joaquim Falcão, a voz das ruas deve ser ouvida sob outra perspectiva:

– Um funcionário público tem 26 vezes mais chance de chegar ao Supremo que um trabalhador e carteira assinada. Se acesso ao Supremo é poder, e é, vocês têm dois estamentos que representam mais ou menos o que o povo sente: uma aliança da burocracia e determinadas empresas monopolistas que coordenam o serviço público de demanda de massa. Os protestos nas ruas estão muito vinculados a essa junção – destacou, dirigindo-se ao público. 

 

"É um drama pensar em reforma sem fortalecer o político", afirma professor

Para ilustrar a diferença entre o Estado Democrático e o Estado de Direito, Moreira Júnior recordou que Olga Benario (militante comunista deportada no governo Vargas para a Alemanha, onde acabou executada pelos nazistas) havia deixado o país por ordem judicial. Um estudante na plateia reagiu com outra remissão: a deposição de João Goulart com apoio do Legislativo. O jovem esquentou o debate ao afirmar que o Parlamento acolhe "numerosos escandânlos de corrupção e abuso de poder". O acadêmico argumentou que não se deve confundir a necessidade de avanços institucionais para aperfeiçoar a democracia representativa com uma generalização perigosa dos mal-feitos:

– Parlamento tem bandido, mas onde não tem? É um drama querer reforma sem fortalecer o político. Não é criminalizando e se distanciando do sistema que a representação vai melhorar. Precisamos ter cuidado, sobretudo a juventude, com esse tipo de acusação de que "todos são corruptos". Não se trata de ser favorável ou não à corrupção, ninguém em sã consciência é. É importante essa ligação entre a população com o serviço que é prestado a ela pelos eleitos.