Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


País

No papel ou no tablet? As transformações no modo de ler

Igor Novello - Do Portal

11/09/2013

 Arte: Nicolau Galvão

Em um cenário em que a tecnologia se encontra cada vez mais presente no cotidiano, o mercado de livros digitais cresceu mais de 350% de 2011 para 2012, de acordo com pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). O avanço no uso de aparelhos como smartphones, tablets e e-readers vem acompanhado por discussões sobre as vantagens e as desvantagens da interpretação de textos em formatos virtuais. Especialistas entrevistados pelo Portal comentam os efeitos positivos e negativos da crescente leitura no formato digital. E avaliam que, se por um lado já se observam mudanças, os hábitos de leitura ainda são baseados no modelo tradicional, e portanto ainda estaríamos longe de uma revolução.

– Pesquisas ainda estão sendo feitas sobre as vantagens ou desvantagens que esse novo suporte pode trazer à leitura, mas alguns aspectos já podem ser mencionados. Posso citar como benefício o fato de que posso carregar 50 livros em um leitor digital, o que não faria nunca com os livros impressos. Posso ter acesso a um livro em qualquer lugar mesmo se tiver distante de uma loja física, assim como posso ler as notícias em um site a qualquer momento sem ter uma banca por perto. Por outro lado, também concordo com os que dizem que há um prejuízo na leitura mais densa. Com a leitura em um suporte que exige mais fluidez e rapidez, e menos texto, como os computadores, pode haver um estranhamento quando nos depararmos com um texto mais profundo, por falta de hábito com esse tipo de texto – pondera a assistente editorial da Editora PUC-Rio, Lívia Salles, professora da disciplina Leitura na era digital, do Departamento de Comunicação Social da PUC.

A educadora e pedagoga Mônica Araujo, professora de Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que não é a leitura do texto digital que pode ser considerada negativa, e sim o que o leitor faz ou como se faz a leitura:

– Não vejo que a leitura digital tenha pontos negativos, e sim que tem peculiaridades diferentes das da leitura impressa. O que pode ser negativo é o que o leitor faz com a leitura, como faz a leitura. Nesse sentido, podemos ter pontos negativos em qualquer suporte, a partir da intenção do leitor, e não propriamente da leitura do texto. Quanto aos pontos positivos, poderia listar vários, mas vou me ater à inserção dos recursos audiovisuais, como as imagens em movimento e os sons, que podem ampliar da construção dos sentidos do texto pelo leitor. Quanto mais recursos materiais o texto dispõe, mais chances dará ao leitor de acionar as diversas janelas cognitivas para a melhor compreensão do texto.

Outra questão levantada é sobre o modo como se lê um livro. De acordo com Mônica, não ocorreram transformações em relação ao cognitivismo, mas sim em gestos e comportamentos, além da questão da hipertextualidade:

– A forma de ler, no que tange às questões cognitivas, não mudou. O que mudou foram os gestos e os comportamentos de leitura. Hoje, o leitor toca na tela e passa a página, em vez da do livro. Liga e desliga o computador, tablet ou outro dispositivo digital para realizar a leitura, em lugar de abrir ou fechar o livro. Outra questão importante é a hipertextualidade do texto digital, que leva o leitor, por meio de links, a diversas possibilidades de construção do texto. Essa maleabilidade foi expandida com a cultura digital, pois também havia na cultura impressa os rudimentos desta hipertextualidade, como o sumário e as notas de rodapé dos livros impressos.

Já o neurolinguista e escritor Luiz Claudio Gomes acredita que vai haver uma revolução no universo da leitura, mas que as modificações devido aos novos modos de interação demorarão a acontecer.

– Acredito que o formato digital vai realmente revolucionar a maneira de ler, pois traz com ele uma interatividade mais presente nos dias de hoje. Com certeza haverá uma transformação, mas que ainda está distante.

O empresário Eduardo Melo, sócio da empresa Simplíssimo, especializada no mercado de livros digitais, concorda com Luiz Claudio e diz que a revolução acontecerá, porém não agora. A razão, para ele, é o próprio fato de que tablets, e-readers e smartphones ainda são baseados em suportes tradicionais:

– O formato digital como a gente conhece hoje, ainda baseado em um suporte físico palpável (hardware, ao invés de papel), vai manter muito dos hábitos e costumes dos leitores tradicionais. Por isso, acho exagerado falar em revolucionar a maneira de ler. Claro que em termos de acesso, distribuição e consumo, o digital está revolucionando. Mas, na maneira de ler, ainda está longe. O que vai revolucionar a maneira de ler vai ser algo parecido com os óculos do Google, ou algo que inventem mais adiante e seja realmente uma ruptura.

  Também para a professora Lívia, revolução não é a palavra adequada para ser usada por enquanto. Para ela, no momento, estão ocorrendo apenas algumas modificações:

– Estamos nos acostumamos a ler textos mais rápidos e curtos, que nos levam de um link a outro. Permanecer em um mesmo texto por horas parece perda de tempo. O texto em formato digital oferece várias distrações ao leitor. A qualquer momento posso tocar em tal palavra e achar seu significado em algum site de busca. Nisso, já acho outro texto ou link interessante para ler. Pode reparar: quantas janelas de navegador costumamos abrir toda vez que acessamos a internet? Às vezes nem terminamos de ler uma e já abrimos outra. Talvez isso nos torne leitores mais distraídos ou inquietos.

Ao mesmo tempo, acrescenta Lívia, as interatividades oferecidas pelas plataformas digitais ainda vão conviver por muito tempo com a tecnologia do papel:

– O livro no formato como conhecemos vai continuar por aí por no mínimo uns 500 anos. O impresso ainda é uma ótima plataforma de leitura. Não acredito que algum dia só vamos ler com recursos de vídeo, áudio ou links. Isso não.

Quem dominará o mercado: o livro eletrônico ou o livro convencional?

Como tudo que é substituído por novas tecnologias eficientes corre o risco de perder espaço no mercado, o papel ainda está longe de ter seu posto ameaçado pelos suportes eletrônicos – que, apesar da enorme expansão, representam apenas 1% do faturamento do mercado editorial. Luiz Claudio acredita que, no futuro, o livro de papel surtirá o mesmo efeito de nostalgia que vinis (e CDs) provocam, justamente por se tratar de modelos ultrapassados.

Mônica, por outro lado, discorda da possibilidade do domínio do conteúdo digitalizado e crê que ainda haverá espaço para os dois modelos:

– A cultura digital é mais um suporte para o texto, permitindo ultrapassar os limites impostos pela cultura impressa, enriquecendo a leitura com sons e imagens em movimento. Portanto, não existe exclusão do texto impresso pelo digital, mas sim uma convivência profícua entre os dois suportes.

Em relação à leitura de textos, o psicólogo Marcio Amadeu, pesquisador do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC-SP, afirma que a motivação do leitor supera a qualidade oferecida pelas diferentes plataformas. Porém, ao falar de cada suporte, o pesquisador afirma que a tecnologia pode desgastar mais:

– O grande problema dos tablets, computadores e notebooks é que as telas emitem luzes na cara do leitor, o que não é nem um pouco confortável. Com isso, o cansaço ao ler textos que precisam de mais atenção vem mais rápido.

 Arquivo Pessoal A questão simbólica, para Luiz Claudio (foto), faz com que a leitura de textos mais densos esteja atrelada ao livro convencional. Contudo, isso pode mudar com o tempo:

– Creio que o simbolismo de um livro no formato tradicional ainda é a melhor forma de leitura, nos dias de hoje. Talvez as futuras gerações pensem ao contrário, pois estamos ainda bem embrionários quanto à aceitação da leitura digital.

Quem começa a ler livros digitais tende a ler mais”

Com tantas interatividades podendo ser apresentadas, os modelos virtuais com links, vídeos e áudios, de certa forma, podem tornar a leitura mais rica e atrativa. Além disso, na opinião da professora Lívia, essas novas plataformas também contribuem para um maior índice de leitura:

– Quem começa a ler livros digitais tende a ler mais: o acesso é muito fácil, em um clique você tem o livro em mãos; os e-books costumam ser mais baratos (no Brasil, 30% mais barato que os livros impressos). Tudo isso ajuda a criar um hábito de leitura. E leitura é hábito. Leitores de livros digitais passam a adquirir mais livros impressos também.

Para Mônica, a facilitação no acesso a diversos conteúdos escritos, causada pelos novos suportes, pode acarretar no aumento dos índices de leitura. Porém, a professora lembra que boa parte da população não tem acesso nem na antiga nem na nova plataforma:

 – A cultura digital, em especial a internet, possibilitou uma revolução no processo de democratização da leitura no Brasil. Estamos diante do acesso à leitura nunca antes imaginável. Assim, ampliar o acesso é uma das condições para que possamos no futuro termos maiores índices de leitura no país. No entanto, sabemos que estamos longe da democratização de livros e da internet no Brasil.