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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cidade

Teste à tolerância, falhas alertam para Copa e Olimpíada

Júlia Cople e Guilherme Simão - Do Portal

29/07/2013

 Júlia Cople

A Jornada Mundial da Juventude expôs falhas de infraestrutura urbana, no maior teste do Rio para receber a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O transporte público foi o principal alvo de críticas dos cerca de 2 milhões de visitantes que circularam pela cidade nos cinco dias da JMJ. Não fosse a tolerância dos peregrinos, deslizes como a longa espera no metrô e a quantidade insuficiente de ônibus e de banheiros químicos talvez tivessem consequências drásticas, opostas ao entusiasmo e à tranquilidade predominantes nas ruas de Copacabana. (Leia, no fim desta reportagem, uma crônica da Jornada na visão do morador do bairro).

Se serviços, especialmente de transporte público, desafiaram a paciência e a resistência dos visitantes de várias partes do país e do mundo, a acolhida dos cariocas confirmou-se um elogio unânime. Destacada pelo próprio papa Francisco, ao visitar a comunidade de Varginha, em Manguinhos, a vocação anfitriã compensou, até certo ponto, as gafes e deficiências observadas na primeira viagem oficial do pontíficie.

Vitor AfonsoApesar das falhas – algumas inusitadas, como o engarrafamento do papa na Presidente Vargas e o cancelamento da missa em Guaratiba; outras previsíveis, como as filas no metrô –, a Jornada caiu nas graças de cariocas e turistas. Impulsionada pelo carisma de Francisco, tornou-se o terceiro assunto mais comentado nas redes sociais.

O saldo econômico também manteve-se incólume aos problemas de infraestrutura e serviços. A Secretaria estadual de Turismo estima que a JMJ tenha movimentado R$ 1,8 bilhão, volume 17 vezes superior ao levantado pela Copa das Confederações. Resultado do expressivo fluxo de visitantes comemorado pelo Ministério do Turismo. Só na Missa de Envio, última cerimônia da Jornada, no domingo, mais de três milhões de fiéis coloriram a orla de Copacabana.

O enorme contingente – o segundo maior nos 29 anos da Jornada, atrás só de Filipinas, em 1995 – fez com que analistas como o professor da Uerj Christian Lynch questionassem a prioridade à preparação do Rio para as grandes competições: “Não é espantoso concluir que o verdadeiro grande evento a ser sediado no Rio era essa jornada católica, e não a Copa ou a Olimpíada. (...) Era para esse evento a cidade deveria ter sido preparada”, ponderou Lynch, via rede social.

 

Deslizes no transporte mudam programação de peregrinos

O cartão de visitas da falta de preparo a que se refere Lynch foi, na visão dos visitantes, a pane elétrica do metrô logo no primeiro dia de Jornada, na terça-feira passada. Diante das duas horas de paralisação e do fechamento das estações, tiveram de optar entre ônibus lotados e táxis escassos. Condutores de vans ainda aproveitaram para cobrar preços abusivos, segundo relataram os peregrinos.

Júlia CopleMuitos até desistiram de ir à missa de abertura, com medo de voltar aos alojamentos depois dos horários permitidos. Um receio profético: na volta para casa, o tempo de espera nas filas dos coletivos chegou a três horas. A missa, celebrada pelo arcebispo Dom Orani Tempesta, reuniu 500 mil e elevou a preocupação das autoridades sobre a logística dos programas de maior concentração popular da JMJ.

“Lugar nenhum no mundo tem estrutura para atender 1,5 milhão de pessoas ao mesmo tempo. Não há mobilidade que possa dar conta disso, e pedimos paciência”, resignava-se o prefeito Eduardo Paes na manhã seguinte. O apelo foi seguido e prevaleceu boa-vontade. Mas a vontade de participar da confraternização não apaga a má impressão sobre aspectos incompatíveis com uma sede olímpica:

– O Rio tem poucos quilômetros de metrô. Isso sem falar nas ferrovias. Essas duas opções, se bem administradas e organizadas, poderiam resolver grande parte do trânsito da cidade – avalia o estudante italiano Luca Lanfranch.

Já a jornalista venezuelana Maria Inês encontrou dificuldades com a sinalização das estações. Na opinião da estrangeira, faltam melhores informações sobre o respectivo bairro ou região.

Vitor AfonsoFalta de informações também foi uma reclamação recorrente dos visitantes em relação aos ônibus. Além da escassez de linhas em horários de escoamento do público, boa parle dos peregrinos ficou desorientada sobre linhas e trajetos mais adequados.

– Só não fiquei mais transtornado, porque em Brasília os ônibus também demoram muito a passar – compara o brasiliense Pedro Oliveira.

No caso da paranaense Suyane Dias, a paciência com o tempo de deslocamento nos coletivos foi quase uma prova de fé. Ele conta que demorou cinco horas para ir de Campo Grande, na Zona Oeste, onde estava hospedada, até a Zona Sul:

– Tive que madrugar em Campo Grande, para chegar a tempo nos eventos em Copacabana. Além disso, demorei umas três horas para pegar o kit da JMJ no hotel Glória.

Na tentativa de evitar a sobrecarga do metrô, peregrinos trocaram o vale-transporte por um bilhete com hora marcada, vendido antecipadamente aos moradores. Os gargalos observados no transporte público atingiram não só os visitantes. Na quinta-feira passada, o gari Anderson Souza, um dos escalados para a limpeza da praia de Copacabana, teve de descer do trem e cumprir a pé o restante do trajeto. Segundo a  SuperVia, a interrupção foi causada por defeito em cabos da rede aérea.

 

Serviços de alimentação também decepcionaram

Filas, atrasos e mudanças de percurso não se limitaram ao setor de transporte. Em Copacabana – epicentro da Jornada, sobretudo depois do cancelamento da vigília em Guaratiba –, os serviços de alimentação, ainda de acordo com os turistas, não deram conta da circulação extra de milhares de pessoas.

A distribuição do kit vigília, caixa de alimentos para os dois últimos dias de jornada, também foi acompanhada de grandes filas. Apesar de alguns peregrinos relatarem o bloqueio do cartão-alimentação, a maior parte aprovou o caráter prático do serviço. Já o kit lanche encalhou. “Olha o kit lanche, só dez reais, quem vai querer?”, gritavam os vendedores das tendas na Avenida Atlântica, lembrando os ambulantes.

O uso dos banheiros químicos dispostos pela Atlântica também desandou. A espera ultrapassava uma hora, às vezes chegava a impensáveis duas horas. “O número de banheiros é muito pequeno em relação à grande concentração de pessoas”, constatou o mexicano Samuel Hernandez, referindo-se ao maior aperto, literalmente, por que passou nos cinco dias na capital fluminense.

 

Cancelamento em Guaratiba: maior despreparo na opinião dos peregrinos

Apesar dos solavancos no transporte público, na alimentação e nos banheiros químicos, a opinião de grande parte dos visitantes sobre a principal falha de organização coincide com a dos jornais brasileiros: a transferência da vigília e da Missa de Envio, em Guabatiba, por causa do mau tempo. A chuva persistente transformou os mais de um milhão de metros quadrados do Campus Fidei num lamaçal, o que inviabilizou o pernoite dos peregrinos. (Paes promete agora transformá-lo em bairro de casas populares.) O Exército afirmou ter avisado às autoridades e os organizadores, há três meses, sobre a possibilidade – descartada pela fé nas estatísticas de baixo índice pluviométrico neste período.

Júlia CopleSe a troca impôs prejuízo ainda incalculável para os comerciantes de Guaratiba, por outro lado revigorou a esperança de mais lucro em Copacabana. Jorge Luís Santos, um dos ambulantes credenciados pela JMJ, tratou de renovar o estoque de bebidas para o fim de semana. “Fiquei triste pelos colegas, mas para mim foi ótimo”, celebrou.

Peregrinos alojados em Guaratiba também se mostraram desiludidos com a súbita transferência. Caso do paraguaio Rubem Martín, que já se dizia entristecido pela derrota do seu Olímpia para o Atlético-MG, na final da Libertadores.

 

Clima de paz e vocação anfitriã: pontos altos, para os estrangeiros

Já a segurança, cercada de receios decorrentes da onda de manifestações deflagradas no mês passado, algumas degeneradas em vandalismo, recebeu votos positivos dos visitantes. Apesar dos confrontos em Laranjeiras, logo após a saída do papa do Palácio Guanabara, no dia de sua chegada ao Rio, o clima de paz predominou durante a JMJ. Em Copacabana, a 12ª Delegacia de Polícia registrou uma ocorrência a cada três minutos, 90% delas por furto, volume relativamente pequeno considerando-se a aglomeração no bairro.

Para o estudante Ronan Silva, de Brasília, a atmosfera de segurança mostra-se restrita à Zona Sul. Hospedado na Penha, zona norte da cidade, ele observa um contraste entre as regiões:

 – Os  bairros do subúrbio têm pouca iluminação. Têm poucas viaturas policiais nas ruas também, se compararmos com a Zona Sul – compara.

Vitor AfonsoA atmosfera predominantemente pacífica só esteve ameaçada, segundo peregrinos, em manifestações cujos temas se chocam com princípios católicos. Apesar dos ânimos exaltados na Marcha das Vadias, que cruzou o caminho dos fiéis para reivindicar a descriminalização do aborto e a diversidade sexual, nenhum incidente grave foi registrado. Vitória da tolerância pregada por Francisco.

A paz nas ruas refletiu uma das marcas tipo exportação do Rio: a simpatia, a vocação para bem receber. “Fiquei muito bem impressionado com a simpatia do brasileiro”, encanta-se Ronan. O bom humor e a acolhida do carioca foram, ainda de acordo com os peregrinos, fundamentais para superar os imprevistos e problemas de infraestrutura.

– O que não tivemos de organização tivemos de recepção. Isso fez toda a diferença. – resume o seminarista Felipe Castro, carioca radicado no Chile, responsável por um grupo de 20 jovens do Movimento de Vida Cristã de Santiago.

Pena, diz ele, que a acolhida dos moradores não corresponda a serviços básicos de turismo. O seminarista frustrou-se com a dificuldade de comprar os ingressos para o Cristo Redentor pela internet, mesmo com antecedência de um mês. Felipe conta que os bilhetes “demoraram a ser registrados após o depósito” e, assim, “precisou contatar a empresa Trem do Corcovado diversas vezes para cobrá-los”.

Embora insuficientes para prejudicar o balanço positivo da Jornada, os deslizes de serviços amargados pelos visitantes confirmam a necessidade de aperfeiçoamentos estruturais que, acima de grandes eventos, devem contemplar o dia a dia da cidade. Mas se tornam ainda mais prementes com a iminência da Copa do Mundo e da Olimpíada.

 

Clima de réveillon, hotel a céu aberto, canga improvisada de agasalho: a Copa de Francisco

Andar por Copacabana durante a semana da Jornada Mundial da Juventude transmitia uma sensação até certo ponto conhecida pelos habitantes do bairro: parecia réveillon. Ruas cheias, areias tomadas pela multidão, o som de diferentes línguas e sotaques em cada esquina. Uma babel que reuniu, segundo dados da organização, mais de 3 milhões na missa de domingo, entre peregrinos, turistas e moradores de Copa, da Zona Sul e de outros cantos do Rio. Porém a imagem mais comovente talvez venha da noite de sábado, quando barracas, cobertores e colchões formaram um hotel a céu aberto para os fiéis que rezavam nas areias de Copacabana durante a Vigília.

Apesar das belas cenas registradas durante a semana, o bairro tornou a viver momentos que ligam o sinal de alerta para um Rio perto de receber a Copa e, pouco depois, os Jogos Olímpicos. Visitantes e moradores conviveram com longas filas nas estações de metrô, falta de ônibus e dificuldade para entrar e sair da região. Quem queria voltar para casa precisava, além de muita sorte, ter um comprovante de residência. Quem se dirigia à estação Cantagalo após as 12h de domingo encontrava o seguinte aviso: “estação fechada”. Era preciso caminhar para a estação Siqueira Campos, e enfrentar a fila que chegou a ultrapassar uma hora de espera.

Se os moradores enfrentaram diferentes transtornos, os comerciantes, por outro lado, puderam comemorar as vendas. Passear pelo bairro durante a Jornada era a certeza de observar bares, restaurantes e lanchonetes abarrotados. Além disso, os tradicionais camelôs devotavam-se ao lucro. Vendiam desde lembranças da Cidade Maravilhosa,até bancos de plástico para aqueles que esperavam a passagem do papa Francisco pela orla. A chuva e o tempo atípico para o Rio – os termômetros de Copacabana marcavam 13 graus na quinta-feira – impulsionaram as vendas de capas e cangas, improvisadas como agasalho.

Terminada a semana de celebração, Copacabana e o Rio se despedem dos peregrinos, que já olham para Cracóvia, na Polônia, próxima sede da Jornada Mundial da Juventude, em 2016. Neste ano os brasileiros, e em especial os carocas, tornarão a abrir os braços para um enxame de visitantes. Esperamos que, até lá, as lições apontadas pela JMJ sejam aprendidas e a qualidade de serviços corresponda à indefectível, porém insuficiente, vocação para bem receber. (Vitor Afonso)