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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

"Diálogo entre católicos e evangélicos é decisivo"

João Pedroso de Campos - Do Portal

23/07/2013

 Arte: Nicolau Galvão

O resultado do último Censo Demográfico do IBGE, em 2010, mostrou uma redução de oito pontos percentuais no número de católicos no Brasil, dois pontos a menos em relação à queda no período entre 1990 e 2000. Os números desaceleraram, mas ainda indicam um movimento observado há 40 anos, o da redução da quantidade de católicos no país. O ritmo mais brando, apontado por analistas como principal novidade do Censo, não se restringe, entretanto, à diminuição no número de católicos. A parcela de evangélicos, sobretudo os pentecostais, que cresceu 17 pontos percentuais nas últimas quatro décadas, aumentou menos do que o esperado. Foram 13 pontos percentuais entre 2000 e 2010, dois a menos face à previsão baseada nas duas contagens anteriores: cinco pontos de 1980 a 1990 e dez pontos entre 1990 e 2000.

As variações do próximo Censo, segundo avalia o cientista político Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, dependerão das competências de católicos e evangélicos na administração das crescentes demandas por diálogo com as diversidades religiosa e comportamental. "Entramos na era do pluralismo religioso, não tem mais volta. Existe no mundo uma demanda por pluralidade, para a qual a Igreja Católica está mais preparada do que as evangélicas", avalia. Autor de livros que detalham a geografia das religiões no Brasil, como o recém-lançado Religião e Território no Brasil (Editora PUC), além de Religião e Sociedade em Capitais Brasileiras (2006, Editora PUC/Edições Loyola) e Atlas da Filiação Religiosa e Indicadores Sociais no Brasil (2003, Editora PUC/Edições Loyola), Cesar Romero observa na Igreja Católica mais capacidade para absorção do pluralismo. Nesta lógica, ele vê na Jornada Mundial da Juventude, de 22 a 28 deste mês, no Rio, uma boa oportunidade para a afinação entre a Igreja – cujo novo papa, Francisco, indica um discurso renovado – e o jovem.

Em entrevista ao Portal PUC-Rio, Cesar Romero também explica a influência dos programas de inclusão social no mapa religioso brasileiro, as variações no perfil de crescimento das igrejas pentecostais e as raízes das desacelerações nos ritmos de queda católica e de crescimento evangélico. "Por conta da inclusão, o combustível que permitiu a expansão do pentecostalismo começou a desaparecer. Os evangélicos cresceram, sobretudo, na segregação. Na próxima década, com a redução do caos social, penso que os números do próximo censo vão depender muito da competência dos católicos e dos evangélicos nas ações pastorais", projeta o especialista. "As competências determinarão o mapa religioso no Censo de 2020, e não mais as condições sociais favoráveis ao pentecostalismo, porque elas têm sido eliminadas pela redução da miséria e dos caos social no Brasil", justifica.

Portal PUC-Rio: A Igreja Católica viu seu número de fiéis cair 27 pontos percentuais nos últimos 40 anos, enquanto o número de evangélicos aumentava. O Censo de 2010, entretanto, mostra uma diminuição nos ritmos de queda do número de católicos e de aumento do número de evangélicos. Esta é a principal novidade?
Cesar Romero Jacob: Sim. Apesar de a Igreja Católica ter perdido muito em termos de fiéis nos últimos três censos, na última década o ritmo desta queda foi menor. Entre 1980 e 1990, foram perdidos seis pontos percentuais; entre 1990 e 2000, o número caiu dez pontos percentuais; e entre 2000 e 2010, a diminuição foi de oito pontos percentuais. Enquanto a queda católica desacelerou, o mesmo ocorreu com o crescimento dos pentecostais: cinco pontos percentuais entre 1980 e 1990; dez pontos percentuais entre 1990 e 2000; e aumento de treze pontos percentuais entre 2000 e 2010. Mas, ainda que em ritmo mais moderado, há perda da Igreja Católica. Ninguém gosta de perder fiéis. Há uma preocupação em relação a isso. A eleição de um papa latino-americano indica que, depois do Leste Europeu, com Bento XVI, chegou a hora de dar atenção à América Latina, onde há grandes focos de pobreza que permitiram um crescimento relativamente fácil do pentecostalismo.

Portal: Na sua opinião, quais são as principais causas das respectivas desacelerações e em que medida os programas sociais, como o Bolsa Família, renda e escolaridade se refletem nesse mapa?
 Nicolau Galvão Cesar Romero: As desacelerações refletem um quadro geral que começou a mudar a partir da combinação entre a estabilização da economia de Fernando Henrique Cardoso e a inclusão social de Lula. Começou-se a diluir o caos criado na década de 1980. A estabilização permitiu que Lula promovesse a inclusão de 30 milhões na classe média. O ProUni, o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família diminuíram o caos, as migrações. Então, por conta da inclusão, o combustível que permitiu a expansão do pentecostalismo começou a desaparecer. Os evangélicos cresceram, sobretudo, na segregação. Na próxima década, com a redução do caos social, penso que os números do próximo censo vão depender muito da competência dos católicos e dos evangélicos nas ações pastorais.

Portal: O que o senhor quer dizer com “competências de cada um”?
Cesar Romero: Entramos na era do pluralismo religioso, não tem mais volta. Existe no mundo uma demanda por pluralidade, para a qual a Igreja Católica está mais preparada do que as evangélicas. Em toda essa confusão com o Marco Feliciano (presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara), por exemplo, a Igreja ficou de fora, não se desgastou. Há o movimento contra a intolerância religiosa, por exemplo, do qual participam padres, pastores de igrejas históricas, rabinos, xeques árabes, líderes espíritas e budistas e pais de santo. As igrejas pentecostais não participam desse movimento. A Igreja Católica consegue dialogar com outras religiões, como a umbanda e o candomblé, que são, de certa forma, demonizados pelas pentecostais. Isso é vantagem, e torna a agenda católica mais positiva.

Do mesmo modo, a Igreja Católica está mais preparada para lidar com a diversidade comportamental. Dentro dela existe um movimento chamado Diversidade Religiosa, que é contra a homofobia. A Igreja não tem entrado na bola dividida das demandas de diversidade sexual, cuja aceitação é maior nas camadas mais cultas e, geralmente, católicas da sociedade. A dificuldade dos católicos é que, mesmo mobilizando-se as Comunidades Eclesiásticas de Base nas periferias, trata-se de um espaço já tomado pelos evangélicos.

Portal: Além desses movimentos que o senhor citou, há algum outro fator que contribui para a maior capacidade de diálogo da Igreja Católica?
Cesar Romero: Essa competência de diálogo da Igreja Católica também vem da formação. Os padres são mais bem preparados para lidar com a diversidade que os pastores. Esta é a principal razão para as igrejas pentecostais não conseguirem penetrar em bairros de classes A e B. De modo geral, os pastores são autodidatas e fizeram curso de Teologia à distância. A formação tende a ser mais rasteira, e é o que leva o Marco Feliciano, por exemplo, a interpretar a Bíblia tão ao pé da letra. Falta consistência teológica. A Igreja Católica está enfrentando dificuldades para chegar à periferia, mas os evangélicos terão muita dificuldade com a opinião pública, que é onde surgem debates sobre diversidade, e as classes A e B, por conta da formação teológica insuficiente.
As competências vão determinar como estará o mapa religioso no Censo de 2020, e não mais as condições sociais favoráveis ao pentecostalismo, porque elas têm sido eliminadas pela redução da miséria e dos caos social no Brasil.

Portal: Em que regiões a Igreja Católica perdeu mais adeptos e o pentecostalismo ganhou mais?
Cesar Romero: O interior do Nordeste, o interior de Minas e o sul do Brasil são áreas fortemente católicas. Observa-se uma hegemonia do catolicismo: nessas áreas 80% das pessoas se declaram católicas, porque a Igreja está muito presente. Essa hegemonia diminuiu nas áreas onde aconteceram e acontecem movimentos migratórios. As pessoas saem do interior católico e perdem a ligação com o catolicismo. Há um desenraizamento religioso, que ocorre fundamentalmente na periferia metropolitana e na fronteira agrícola, regiões onde as ausências do Estado e da Igreja Católica permitem a ascensão de outros grupos religiosos.

Portal: Os movimentos migratórios rumo às grandes cidades e à fronteira agrícola sempre se relacionam a este desenraizamento religioso?
Cesar Romero: Nem todo processo migratório influi desta maneira no mapa religioso. As migrações que ocorriam até a década de 1980 não faziam as pessoas deixarem de ser católicas. Durante esta década passou-se a observar o desenraizamento religioso.

Portal: O senhor pode dar um exemplo de migração que não tenha provocado o desenraizamento religioso?
Cesar Romero: A Zona Oeste do Rio é um exemplo. Houve um tempo em que Rio era Zona Sul, Zona Norte e os subúrbios da Central e da Leopoldina. O resto era zona rural, inclusive a Zona Oeste, a Barra da Tijuca. Houve então um enorme crescimento populacional em direção à Zona Oeste, ou seja, houve uma migração. Mas na Barra e no Recreio dos Bandeirantes, nessas regiões mais estruturadas, sem o caos, a população migrante continua católica. Já se você for para Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, que cresceram desordenadamente, o pentecostalismo é predominante.  

Portal: O senhor falou em caos social na década de 1980. Até que ponto este contexto determinou um desenraizamento religioso que culminou num ritmo de crescimento mais acelerado do pentecostalismo no Brasil?
Cesar Romero: Nos anos 1960, à época dos governos militares, o Estado tomou muitos empréstimos internacionais a uma taxa de juros variada, porque o dinheiro era barato. Contudo, entre 1974 e 1979, por conta dos choques do petróleo, o dinheiro ficou caro e o Brasil chegou a declarar uma moratória da dívida externa no governo José Sarney (primeiro presidente da chamada redeomocratização). Na década de 1980, portanto, há o caos, porque o Estado está falido, mas a população continua a migrar do campo para a cidade. Desta vez não por opção, mas por ser expulsa pela automatização da lavoura. Ao chegar às cidades, porém, não havia emprego, nem moradia. O Estado, quebrado, estava ausente, e essa população migrante foi para as periferias metropolitanas ou a fronteira agrícola. O pentecostalismo cresceu mais rapidamente nestas áreas, onde o caos social se instalou. 

Portal: O crescimento das igrejas pentecostais é tradicionalmente puxado pelas grandes igrejas, como a Universal do Reino de Deus, a Congregação Cristã no Brasil e a Assembleia de Deus. O ritmo menor de crescimento deve-se, em parte, a alguma mudança nesses motores pentecostais?
Cesar Romero: As grandes igrejas sempre foram o motor do crescimento. Mas a última década não foi assim, algumas delas recuaram. A Universal diminuiu o número de fiéis, assim como a Congregação Cristã no Brasil. Um setor que cresceu, e não se sabe direito o motivo, porque o Censo não dá conta, remete ao evangélico não determinado. É um elemento novo. A principal tese que eu levanto é a de que faça parte de um crescimento por fragmentação. Quando o pesquisador vai a campo, ele tem lista de igrejas, que precisam de um registro no Ministério da Fazenda, uma espécie de CNPJ, para serem isentas de impostos. O IBGE constrói a lista de igrejas com base nestes dados, mas há o surgimento de muitas delas. Às vezes as pessoas nem sabem direito a que igreja epertencem. É possível, entretanto, que haja outros elementos nessa história, a exemplo do que se observa em relação ao evangélico nominal, o não praticante, que frequenta várias igrejas. Ele pode frequentar uma igreja porque é mais perto do trabalho ou de casa, mesmo que não seja propriamente a igreja dele.

Portal: O que contribuiu para a presença tão reduzida da Igreja Católica na fronteira agrícola e nas periferias metropolitanas?
Cesar Romero: A Igreja Católica tem uma presença muito reduzida em meio ao caos social porque houve, nos anos 1960, uma politização excessiva das Comunidades Eclesiásticas de Base (CEBs), um ativismo político que causou a interrupção do processo de ocupação da periferia. Os padres e freiras saíam da zona de conforto, da PUC, do Santo Inácio, do São Vicente, do São Bento, de todos os colégios católicos, e iam para as regiões mais pobres. Nesse processo, diante do caos, houve uma enorme politização. É daí que vem a Teologia da Libertação, que vai lutar contra as injustiças sociais. Esta politização, inclusive, deu origem ao Partido dos Trabalhadores (PT). Agora a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) está dizendo que é preciso ir à periferia, reativar as CEBs. A Igreja entendeu que tem de "ir a onde o povo está", como diz a música do Milton Nascimento. O papa também disse que é preciso cuidar dos mais pobres.

Portal: As comunidades pobres têm perfis religiosos parecidos? Ou comunidades pobres inseridas em regiões com mais presença católica e bem estruturadas, como favelas da Zona Sul do Rio, têm um perfil religioso diferente das comunidades das Zonas Norte e Oeste da cidade?
Cesar Romero: Não, os perfis não são sempre parecidos, porque os católicos são maioria no Centro estruturado e os evangélicos, na periferia metropolitana e na fronteira agrícola. O problema dos grandes centros está ligado à segregação. O Rio é um bom exemplo. A Zona Sul é uma área de ocupação tradicional, onde há mais presença do Estado e das instituições da Igreja Católica: escolas, universidades, paróquias, hospitais católicos. As favelas da Zona Sul continuam católicas, elas não estão segregadas. Os moradores de Pavão Pavãozinho, Chapéu Mangueira, Rocinha têm escolas, sistema público de saúde, têm a praia. A segregação é menor. O Complexo da Maré, por sua vez, é uma das áreas com maior percentual de pentecostais na cidade. Tem a Avenida Brasil de um lado e a Linha Vermelha do outro. Ali é um espaço de segregação, favorável ao crescimento do pentecostalismo, pela ausência do Estado e a presença insuficiente da Igreja Católica. As pessoas demandam apoio religioso. É nesse caos, onde predominam o tráfico de drogas e as milícias, que o pentecostalismo cresce.

Portal: Então a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas comunidades das Zonas Oeste e Norte ainda não pacificadas poderia influenciar o mapa religioso destas comunidades em longo prazo?
Cesar Romero: A UPP é um caso do Rio. O governo federal busca a inclusão através de programas que beneficiem os pobres do país, como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e ProUni. Mas, ao lado disso, existem as outras esferas de governo: os estados com a segurança pública e as prefeituras com os serviços básicos. O Rio talvez seja um ensaio desse novo momento que o Brasil está vivendo. Na área da UPP o tráfico foi combatido, mas ainda faltam as regiões dominadas pela milícia, que estão na Zona Oeste popular. Enquanto isso, a prefeitura leva os serviços básicos de água, esgoto e moradia, e elimina o fator social que permitiu a expansão do pentecostalismo rapidamente no Brasil. A facilidade com que o pentecostalismo cresceu tende a desaparecer, o que não quer dizer que não irá crescer. O pentecostalismo não entra na Zona Sul. O Leblon continua católico, ou Ipanema, ou Copacabana, ou Tijuca. O pentecostalismo é muito grande nas áreas populares.

Portal: A escolha do papa Francisco é atribuída a uma renovação da Igreja Católica, e o senhor afirma que é um olhar mais estratégico para a América Latina. Às vésperas da Jornada Mundial da Juventude, o que se pode esperar do futuro da relação entre o jovem e a Igreja Católica?
Cesar Romero: O papa deu uma aula de comunicação, porque assumiu uma posição menos imperial, central, e mais acolhedora, parecida com a de João Paulo II e mais distante da austeridade de Bento XVI. Esse papa busca uma aproximação maior, ele tende a ser uma pessoa mais afetiva. É claro que isso pode ajudar a Igreja Católica neste processo de recuperação. Há, inclusive, a informação de que, depois da escolha do papa Francisco, o número de fiéis que frequentam as missas aos domingos aumentou. Quem estava incomodado com determinado comportamento da Igreja, volta-se para ela porque sente que há um processo de renovação, de mudança. Os jovens também podem voltar-se à Igreja Católica, ainda mais em ano de Jornada Mundial da Juventude. Eu acho que é fundamental a Igreja entender o jovem. É o que tentamos aqui na PUC, com a feira JVTD é apenas uma palavra. Expomos, por exemplo, o texto do Nizan Guanaes dizendo que o papa deu uma aula de comunicação ao lado de uma pista de skate. Deve-se buscar falar a linguagem do jovem para dialogar com o "ser jovem".