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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


País

JMJ é mais complexa que Copa, diz autoridade de segurança

Rodrigo Serpellone - Do Portal

09/07/2013

 Arte: Marianna Fernandes

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) será “mais complexa do que a Copa do Mundo”, avalia o subsecretário extraordinário de Grandes Eventos do Estado do Rio, Roberto Alzir, também delegado da Polícia Federal. Ele destaca que a concentração de 2,5 milhões de participantes na cidade entre 22 e 29 de julho é um desafio para os agentes de segurança. Outro é garantir que quem virá vá embora ao fim da Jornada: diante da recessão econômica mundial, pode soar tentador permanecer no Brasil após o encontro, aproveitando o bom momento econômico nacional, de boa empregabilidade e estímulos à internacionalização.

Há registros de problemas do tipo nas últimas quatro Jornadas. Em 2002, no Canadá, estima-se que mais de 2 mil peregrinos permaneceram no país após a celebração. Três anos depois, jornais de Filipinas, Togo e Camarões estamparam anúncios de que a Jornada seria “uma chance de aproveitar o evento para ficar na Alemanha”, então país sede da JMJ. Em Madri, em 2011, houve fortes restrições para peregrinos do Oriente Médio. O maior alvo espanhol foi o Paquistão, cujos jovens chegaram a ser proibidos de entrar no país e depois tiveram seus vistos analisados individualmente, para evitar a imigração ilegal.

No Brasil, a Polícia Federal e a organização da JMJ afirmam não temer o problema. “O peregrino oficial e o voluntário vêm chancelados por sua diocese. Assim, ninguém que necessite de visto poderá utilizar a JMJ para entrar no país”, explica o padre Ramon Nascimento, diretor do setor de voluntários da JMJ. Ainda de acordo com padre Ramon, a regulamentação da Jornada na Lei Geral da Copa – que facilita a chegada e o exercício do voluntariado por estrangeiros – também garante o controle neste grupo. Vão atuar na JMJ 60 mil voluntários, dos quais 7,5 mil estrangeiros.

Já a assessoria da seção carioca da Polícia Federal afirma que a PF não tem qualquer plano especial relacionado à imigração ilegal durante a Jornada, mas alega possuir o registro de todos que entram e saem do país: “Se forem encontrados imigrantes ilegais após o evento, eles terão prazo de oito dias para deixar o país”.

Em entrevista concedida ao Portal no início de junho, o subsecretário Roberto Alzir destaca que a dispersão das atividades da Jornada impede a definição prévia das ações da polícia. De acordo com o subsecretário, outro problema de grandes eventos é que geralmente apenas um terço dos participantes faz a inscrição formal. Até agora, 320 mil peregrinos se inscreveram pelo site oficial da Jornada. Destes, pelo menos 120 mil são estrangeiros. Estes fatores fazem da JMJ, segundo Alzir, a maior operação de segurança já realizada no Rio de Janeiro até então. A seguir, a entrevista.

Portal PUC-Rio Digital: Quais são as ações de segurança previstas para a JMJ?
Roberto Alzir: A Secretaria de Segurança Pública do Rio é responsável por parte das ações de segurança. A JMJ, como a Copa e as Olimpíadas, é um evento de repercussão internacional e de interesse nacional. Nesses eventos há a participação de estruturas de segurança pública federal, estadual e municipal. Há o engajamento da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Federal, da Agência Brasileira de Inteligência, da Infraero, da ANTT, das Forças Armadas, das polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros, da Defesa Civil e da Guarda Municipal. Ou seja, é um grupo grande de órgãos e profissionais que trabalham de forma integrada para entregar um ambiente seguro e organizado para a concepção do evento. Nós respondemos pela atuação da Polícia Civil e da Polícia Militar do Estado do Rio. No dia 22 (de julho), que é o inicio da semana principal, existe a semana missionária. Já vai haver uma série de eventos na Região Serrana, no interior do estado. Já estamos nos programando para isso. E, no período principal de 22 a 28 de julho, teremos as agendas principais, em grande parte com a presença do papa. Estamos nos preparando para cuidar dos locais de hospedagem, de eventos de catequese, rotas de circulação, terminais de transporte público, locais de interesse turístico e agendas e eventos protocolares do papa. Neste caso, haverá uma participação mais efetiva das Forças Armadas na segurança. Nós, por orientação do governador e do secretário (José Mariano Beltrame), repassamos à chefia das duas polícias que todo o efetivo disponível deverá ser aplicado nessa operação. Estamos suspendendo férias, licenças, afastamentos possíveis de serem suprimidos, trabalhando com regime adicional de serviços, policiais em seus horários de folga diminuindo suas escalas, tudo para portar todo homem disponível nessa operação.

 Arquivo Portal Portal: Quais são as maiores dificuldades em um evento do tamanho da Jornada Mundial da Juventude?
Alzir:
Por ser um evento muito fragmentado, as definições acabam ocorrendo muito próximo da sua realização. Até hoje não temos – e não é por culpa de ninguém, é uma característica do evento – definição clara de quantas pessoas ficarão onde, e onde elas se deslocarão, para poder encaixar um plano operacional. Muitos desses romeiros não se inscreverão. A tradição, nesses eventos, é de só cerca de um terço se inscrever, os outros vêm sem inscrição. Sem inscrição, o controle sobre eles é bem menor. Então falta muita informação, e só vamos ter efetivamente um quadro do que vai acontecer às vésperas ou durante a própria operação. Se esse cenário de 2 milhões vai ser realidade ou não, só saberemos durante o evento. Estamos nos preparando para o pior cenário possível, mas essa indefinição dificulta muito as ações de planejamento. Temos que trabalhar com hipóteses. Na Copa do Mundo, por exemplo, são tantas seleções que vão treinar em tais locais, vão chegar no dia tal, vão ficar em tal hotel; enxergam-se todas as suas características de maneira clara. A Jornada, por si só, apresenta um grande grau de indefinição, e a mudança do papa muda todo o cenário. Estamos nos preparando da melhor forma possível, mas só durante a operação saberemos se todas as medidas implantadas foram eficazes ou se deveríamos ter tido atenção a um ou outro aspecto.

Portal: Seria a JMJ mais complicada que a Copa e as Olimpíadas, até pela presença do papa Francisco?
Alzir:
Sem dúvida nenhuma é mais complexo que a Copa. Se não é mais complexo, é tão complexo quanto os Jogos Olímpicos. Claro que com menos visibilidade internacional que os outros dois, mas, sem dúvida alguma, extremamente complexo e fragmentado, pois vamos ter peregrinos espalhados por toda a Região Metropolitana onde haverá locais de eventos culturais, de catequese. Eles estarão hospedados, circulando, indo para os eventos principais. O esforço de policiamento é muito grande, por ter que permear praticamente toda a Região Metropolitana em um período relativamente extenso. Então é sim, em nossa ótica, a maior operação de segurança já realizada no Rio de Janeiro até então.

Portal: Maior que a Rio+20, por exemplo?
Alzir:
A Rio+20 era localizada em alguns locais. A área de impacto era bem mais reduzida, entre aeroporto, orla e Riocentro. A JMJ tem uma fragmentação para toda a região urbana e estamos falando de 2 milhões de pessoas. Sem duvida é mais complexa e vai requerer mais engajamento e planejamento nosso.

Portal: Há um padrão de ações para grandes eventos como este, ou cada um tem suas peculiaridades?
Alzir: O grande evento, de uma forma geral, passa por determinadas etapas, independente do seu formato: definições de coordenação, cronograma de atividades, eventos teste. Como é um evento gerenciado por uma instituição só, você precisa articular o planejamento de diversas instituições. Você tem que definir claramente quais são os serviços, de quem é a atribuição para liderar aquele serviço, quem vai atuar em apoio a essa entidade líder, análises de risco. Ou seja, são produzidas informações que orientam o planejamento. Isso tudo é comum a todo e qualquer grande evento. Esses espaços iniciais servem para ser implementados como base para todo grande evento. E a partir de determinado momento, você atende a uma ou outra necessidade, mas o conceito de gestão de planejamento é o mesmo para qualquer evento.

Portal: Há precauções para possíveis atentados como o da Maratona de Boston, por exemplo?
Alzir: A análise de risco mapeia quais são as principais ameaças para o evento, a partir das suas características e natureza, as medidas e o impacto de uma eventual contingência. Se for uma questão da atuação da criminalidade comum, um evento terrorista, um grupo antagônico. Qual o impacto disso no evento? Isso tudo é ponderado em uma grande matriz de análise de risco e ameaças, e o planejamento se molda nisso, ou seja, se há uma grande possibilidade de ataque terrorista, você tem que intensificar suas ações para antecipar ou prevenir uma eventual ação terrorista e, ocorrendo o ato, mitigar os seus resultados. Se essa não é a maior preocupação, seu nível de alocação de recursos e medidas fica um pouco diminuído e você fica mais preocupado com a atuação da criminalidade comum, por exemplo. Então cada evento em cada local, com cada característica, tem uma análise, e isso leva a um conjunto de medidas. Mas de uma forma geral, a ameaça terrorista sempre é considerada e sempre há um conjunto de medidas para prevenir que isso ocorra: revista, utilização de detectores, de dispositivos de raios-x, de varredura. Isso tudo são medidas de prevenção de um ato terrorista. Então em todo evento há maiores ou menores medidas voltadas para as diversas ameaças que são possíveis. E sem dúvida nenhuma, o Brasil não é um destino rotineiro de ações terroristas, mas os grandes eventos podem importar para o Brasil estas ameaças em virtude da presença, em solo brasileiro, de delegações estrangeiras ou da visibilidade que o evento daria a uma eventual ação criminosa.

Portal: Quais são os investimentos em inteligência, a fim de antever o que poderia acontecer?
Alzir:
As análises de risco e a coordenação de inteligência para a Copa das Confederações, por exemplo, já está funcionando. Então há ações de inteligência antes, durante e depois do evento. O planejamento tem que estar intimamente ligado com a inteligência. Um planejamento qualificado trabalha passo a passo com as informações. Todos esses grandes eventos terão, além dos centros de comando de controle de segurança, um centro de controle de inteligência. Este centro já está operando para a Copa das Confederações e vai operar para a JMJ.

 Reprodução Portal: A polícia recebe a ficha de todos os voluntários e peregrinos cadastrados no site da JMJ?
Alzir: Há toda uma análise feita pela coordenação geral de segurança do evento, não necessariamente por nós. Nós apoiamos, mas o protagonismo dessa ação não é do Estado, de checagem de todas as credenciais que estão sendo solicitadas. Todos aqueles que terão acesso ao papa passarão por um processo rígido de credenciamento pessoal. E obviamente as bases de dados nacionais e internacionais são checadas para se asseverar se aquela pessoa pode ou não ostentar uma credencial que permita um acesso aproximado ao papa. É necessária uma inscrição, uma varredura de dados, de antecedentes, de perfil. Só é liberada a credencial se a pessoa não tiver nenhuma informação que desabone esse policiamento.

Portal: Há um plano para evitar que imigrantes ilegais se aproveitem do evento para ficar no país?
Alzir: Uma das ações da Secretaria de Grandes Eventos é integrar as diversas bases de dados, seja de imigração, seja de procurados internacionalmente na base de dados da Interpol,  disponibilizando para todo o sistema de segurança pública. Então um policial que se deparar com um suspeito na rua, se for estrangeiro, ele tem condições de acionar o centro, checar na base de dados da PF se é um imigrante ilegal ou um procurado internacional para poder adotar as medidas necessárias. A PF faz essa interlocução internacional. Há a previsão de contar inclusive com apoio de pessoal de algumas polícias estrangeiras em demandas específicas, mas essa é uma articulação que está mais no nível de governo federal.

Fé mobiliza os voluntários estrangeiros

 Carlos Serra A jornalista espanhola María José Aguilar Mateos, que participou da Jornada em seu país, em 2011, lamenta que a Espanha, assim como boa parte da Europa, esteja mergulhada numa crise financeira. No entanto, a jornalista de 26 anos afirma que a motivação para ser voluntária na JMJ como assessora de imprensa foi somente religiosa:

– É certo que a América Latina em geral é uma zona com boas perspectivas econômicas, mas se o evento fosse realizado em outros lugares do mundo eu também teria interesse em participar. Minha motivação foi exclusivamente pela fé.

Já o designer português Filipe Teixeira, 29 anos, que participa da sua quinta Jornada, na equipe de criação gráfica, ressalta que o momento econômico de um país e o evento em si são coisas passageiras, ao contrário da eternidade do que ele busca:

– O que nós cristãos buscamos é eterno. Estou certo de que a maioria dos jovens que virão para a JMJ não têm como motivação o crescimento econômico do país, mas sim a alegria de se poder encontrar com o papa e com toda a Igreja.

María e Filipe declaram que querem reviver os “momentos incríveis de alegria” das outras Jornadas que participaram. Ambos não tiveram problemas na obtenção do visto temporário, nem durante a entrada no Brasil.