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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


País

A imprensa desperta para o aquecimento global

Felipe Machado - Do Portal

20/10/2007

Que o aquecimento global já afeta a vida de todas as espécies no planeta é fato. O desafio é saber como amenizar os estragos que já não têm como ser evitados, afirma o jornalista André Trigueiro. “Cidades e Soluções”, seu novo programa na Globonews, no ar desde outubro do ano passado, é o primeiro da TV brasileira totalmente neutralizado em carbono: a energia consumida por equipamentos, o combustível liberado no deslocamento, o processo de transmissão e recepção do programa nas casas das pessoas, tudo é contabilizado para ser compensado depois com o plantio de árvores suficientes para capturar a quantidade equivalente de carbono liberado.

Ao falar da Amazônia, André tem o cuidado de expor que o mais importante não é só preservar, deixando a floresta intacta, mas tirar proveito dela sem devastar e de maneira legal, numa frente que consiga combater a grilagem e as queimadas, responsáveis por 75% das emissões de gases estufa no país. O gás carbônico é um desses gases, que têm o poder de agravar o efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global.O Brasil é responsável por 3% do carbono liberado na atmosfera, o que o coloca como um dos grandes poluidores atualmente, ao lado de outros países emergentes como China e Índia. A grande novidade deste ano do governo federal, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pode ser um entrave para a preservação da Amazônia, já que não prevê os impactos que poderão ser causados pelos investimentos na floresta.

Apesar de não se considerar um jornalista ambiental, André foi um dos pioneiros ao dedicar boa parte do Jornal das Dez a uma série sobre o efeito estufa, em 2000, além de produzir a série "Água: o desafio do século 21" (2003), pela qual recebeu dois prêmios: o Embratel e Ethos - Responsabilidade Social. Ele acredita que a imprensa está cada vez melhor, acompanhando as rápidas mudanças dos últimos anos e abrindo mais espaço para as pautas sobre meio ambiente, em especial o aquecimento global, em um desafio constante.

O que foi preciso fazer para neutralizar o programa “Cidades e Soluções”?

AT: Ao definir a pauta, me ocorreu a possibilidade de transformar o “Cidades e Soluções” em um programa neutro. Quando descobri que não havia outro programa neutro em carbono na TV brasileira, fazer isso tornou-se algo bastante interessante porque serviria para ilustrar um procedimento que esperamos ser usual. Houve interesse da direção da Globo em fazer uma consulta com a Iniciativa Verde, saber quanto custaria, formalizar um contrato, o que acabou determinando esse protagonismo. Durante um ano estamos com a consciência relativamente tranqüila em relação a eventuais gases estufa que o processo de gravação, edição e transmissão do programa gere.

Você sempre foi ligado às questões ambientais, fato raro entre os jornalistas brasileiros. No entanto, apresenta o Jornal das Dez, dedicado a notícias convencionais diárias. As questões ambientais só começaram a ganhar espaço significativo na mídia há pouquíssimo tempo, considerando o que representam. Como era arrumar espaço para esses assuntos em uma mídia pouco preocupada com eles e como aconteceu e vem acontecendo essa virada, esse surgimento do interresse pelo meio ambiente?

AT: Não me sinto propriamente um jornalista ambiental. A minha auto-imagem é de um jornalista que tem um interesse muito grande em relação aos assuntos ambientais entendidos em seu sentido superlativo. Quando falamos de meio ambiente, falamos de modelo de desenvolvimento, dos dilemas da sociedade de consumo, de um projeto de civilização. Não foi fácil. É claro que hoje é muito mais fácil emplacar uma pauta, por exemplo, na área do aquecimento global, do que foi há sete anos, quando o Jornal das Dez foi o primeiro telejornal diário em TV aberta ou por assinatura no Brasil a fazer uma série sobre efeito estufa e abrir um tempo bastante generoso em um telejornal diário com reportagens em média de cinco minutos. Eram mais cinco minutos de entrevista ao vivo, portanto, a cada dia, dez minutos apenas sobre assuntos alusivos a aquecimento global.

O editor-chefe na época era Antônio Henrique Lago, que foi muito importante ao avalizar isso. Caberia a ele a última palavra, ele tinha esse poder. E foi muito importante porque o canal passou a ter uma preocupação em ser coerente, já que foi a primeira vez que se abriu muito espaço para isso. Tudo que passou a acontecer depois despertava na redação essa inquietação de ter que falar, porque agora já tínhamos aberto a porteira. Ainda assim, por uma questão de justiça, acho que é importante lembrarmos, há muito mais que dez ou vinte anos, mas 30, 40 anos atrás, o que era abrir o bico em redação para falar de meio ambiente. As dificuldades que encontrei não se comparam àquelas encontradas por quem veio antes. É um processo.

Hoje, está mais fácil que foi na época que comecei a emplacar reportagem nesse sentido e naquela época era mais fácil que antes. Essa noção de que o tempo evolui e a consciência ambiental também vai se disseminando com o tempo é importante. Mas, sem dúvida alguma, no que me diz respeito, minha memória é de elefante. Era difícil. Existia um rótulo de assuntos ambientais que me incomodava, que era muito restritivo, não era com a amplitude que entendemos, era uma visão preconceituosa, limitada, o prestígio das pautas ambientais não era o mesmo, os assuntos alusivos a aquecimento global, em particular, passavam muito distantes do que se considera o assunto nobre do dia-a-dia. Isso não faz muito tempo. E eu sou muito grato às pessoas que hierarquicamente estavam acima e que acolheram as propostas.

Questões ambientais envolvem, quase sempre, material científico, muitas vezes de difícil compreensão. A mídia está preparada para tratar de assuntos predominantemente científicos, divulgá-los de maneira clara ao público?

AT: É um desafio constante. A mídia brasileira hoje está melhor do que esteve um tempo atrás. No caso de aquecimento global, há um ano. As mudanças são rápidas e visíveis. Reparo muito nisso. Em relação, por exemplo, à TV Globo, rede aberta, e a Globonews, fechada, tenho uma coleção de exemplos para mostrar como esse assunto está por dentro. Já mudou planejamento de grade na programação e o espaço que esse assunto merece no horário nobre. Não há a menor dúvida. O problema do Brasil é que o povo assiste televisão, mas não lê jornal. A maior parte dos brasileiros tem na televisão a principal fonte de informação, e contar em um minuto e meio, que é o tempo médio de uma reportagem de telejornal, certas histórias, é um desafio imenso. Mas sou otimista, porque vamos descobrir os meios de contar as histórias que precisam ser contadas da forma mais acessível possível.

O desafio que está colocado é promover a alfabetização científica ou ambiental em quem muitas vezes não tem a alfabetização formal. A pessoa é analfabeta funcional, escreve o nome, mas não lê, não compreende uma leitura e precisa ser informada de como dar sua contribuição. Não dá para esperar, é um gap. Algumas pessoas, provavelmente, vão ficar à margem, não vão entender direito, mas não podemos menosprezar a sabedoria, que é diferente de conhecimento. A sabedoria das pessoas que compreendem que algo precisa ser feito e entendem o que lhes cabe no processo. Não pergunte a elas o que é Protocolo de Kioto, MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), emissão antrópica de gases estufa. Mas ela entendeu que não pode atear fogo ao lixo, isso que interessa. Se já não ateou fogo ao lixo, a comunicação fluiu bem.

Você diz que estamos em uma fase onde mudanças profundas são necessárias e urgentes. Como mudar a mentalidade de uma sociedade como a brasileira, tão cheia de problemas sociais e tão alheia a assuntos ambientais?

AT: É muita pretensão de alguém querer mudar a mentalidade de uma sociedade. Precisamos entender que não se muda cultura ou mentalidade por decreto. É um processo que não se resolve só com governo, só com ONG, escola, universidade, dentro de casa, na educação. É tudo isso junto. É uma pergunta boa e uma resposta difícil. Precisamos fazer a nossa parte enquanto jornalista, publicitário, professor, advogado, médico, veterinário, biólogo, político, empresário. Onde nós estivermos. Como catador na rua, mestre-de-obras, dona-de-casa. Cada personagem desses, em maior ou menor grau, pode fazer a diferença no seu ambiente. Quando só se pensa no grande, no macro, se perde um pouco o valor da iniciativa que se resolve no campo individual. É onde começa o processo de mudança na direção que entendemos que seja a mais inteligente, mais sustentável e mais justa. E não é fácil fazer isso. Mas é interessante ver como isso já acontece. É tarefa de todos, cada um precisa se reconhecer como agente. O formigueiro é um projeto inteligente de coletivo, de sociedade, porque todas as formigas reconhecem o valor que cada uma delas tem no processo. Nós precisamos replicar o software do formigueiro entre nós. Não dá para excluir ninguém, por isso que é difícil, é amplo. Mas está andando para o lado que interessa. Sou otimista.

O PAC não leva em consideração os impactos ambientais na Amazônia, ao mesmo tempo em que o Brasil pode estar na mira do protocolo de Kioto para diminuir suas emissões de gases estufa. Como conciliar os dois? O Protocolo de Kioto corre o risco de ser considerado pelo presidente Lula um entrave para o crescimento do Brasil, caso não haja um planejamento prévio?

AT: O que me perturba é que não temos respostas claras sobre isso. Num universo de aproximadamente R$ 500 bilhões de investimento que o PAC prevê, em torno de 10% ocorre na Amazônia. Três usinas hidrelétricas, hidrovias, portos, aeroportos e estradas. O que não está claro é o que esse planejamento oferece no que diz respeito a impactos sobre biodiversidade, à relação custo-benefício, ao cenário traçado para o Brasil daqui a 30, 50 anos, se todas essas obras ocorrerem. O próprio governo – através do Ministério do Meio Ambiente, que recrutou os maiores cientistas do Brasil na área do clima – já sinalizou quais serão as conseqüências na Amazônia em função do aquecimento global. O cenário mais otimista é elevação de três graus centígrados na temperatura, o que significa mais em algumas áreas da Amazônia. O impacto esperado é uma savanização da Amazônia. Parte dela deixará de ser floresta, tal como é hoje, e a vegetação terá outra configuração. Também haverá mudança de ciclo da chuva. Em certas áreas da Amazônia, algumas atividades, como a cultura da soja, talvez não sejam tão interessantes. O PAC não está nem aí para o que vai acontecer em um intervalo de tempo relativamente curto, em termos de história. Essa dinheirama está olhando o Brasil no retrovisor, pensando no futuro e olhando para o passado. Há mudanças importantes em curso e é preciso ajustar os investimentos, refazer as contas, verificar se tudo que estão querendo fazer lá não é dinheiro jogado fora em 30, 50 anos. Por que ter estrada para escoar a produção de alguma coisa que daqui a algum tempo não será mais possível pensar em produzir? Essas perguntas precisam ser feitas e não sei até que ponto o governo está muito interessado nessa questão.

Em relação ao Protocolo de Kioto, o Brasil pode acabar fugindo da raia ou agora não tem mais jeito?

AT: Até 2012 muita água vai rolar debaixo da ponte. Acho inevitável o Brasil assumir algum compromisso formal de redução de gases estufa. E razoável que, se isso acontecer, não seja no mesmo nível dos países ricos. Pode-se criar graduações e fazer algo que leve em conta o fato de que o Brasil não emitiu historicamente nem 3% de todos os gases estufa que estão na atmosfera. Segundo o Itamaraty, na história das emissões de CO2 antrópicas, nesse retrato do tempo, nossa contribuição seria de aproximadamente 1%. Portanto, não teríamos que ter metas draconianas de redução. Mas se é feita uma foto de hoje da contribuição do Brasil, ela triplica, sobe para 3%. O que interessa pelas regras de Kioto não é o que se emite hoje, e sim o que se emitiu historicamente. Mas a urgência de reduzir emissão é tão evidente que não faz sentido o Itamaraty manter essa posição. O Brasil tem que aceitar metas formais de redução que não sejam as mesmas dos países ricos. É uma boa linha de raciocínio. Já há uma previsão estimada de que as emissões de CO2 da China vão passar a dos EUA em 2009. E a China está fora de Kioto. Que graça tem os maiores poluidores botarem o pé no frio e quem já está no clube dos emergentes, e está querendo chegar ao clube dos que já estão bombando em termos de emissão, não ter nenhum compromisso? O Brasil está dentro desse grupo.

A fronteira agrícola ainda é um empecilho para uma atitude forte do governo em relação à preservação da Amazônia?

AT: O complicador da Amazônia é acharmos que ela é homogênea, ou que deva ser preservada como um todo. A discussão precisa ter alguns pontos de partida importantes. Primeiro: a floresta não é homogênea, portanto, existem áreas onde se poderia tolerar ou até estimular a produção agrícola, a criação de boi, a mineração, em alguma escala, sob regras rígidas e com os cuidados que a legislação preconiza. O resto é tabu. Temos que identificar o que chamamos de preservação e o que seria a exploração sustentável dos recursos da Amazônia. Foi o que Chico Mendes e a irmã Dorothy morreram defendendo. Nenhum dos dois defendeu a intocabilidade daquela floresta, mas a exploração sustentável dos recursos, o direito de produzir riquezas, gerar emprego e renda sem destruir.

O que dificulta essa exploração sustentável?

AT: O drama é que a Amazônia é alvo de interesses locais, ou seja, os prefeitos têm poder. Um prefeito que seja mais ou menos sensível a desenvolvimento sustentável determina impactos grandes. O governo do estado é outra esfera de poder local que tem ingerência, e o governo federal não pode tudo, não define, não tem competência nem poder para isso sem que haja parceria, uma forma de estruturar políticas de longo prazo desenvolvidas de forma integrada e que persigam objetivos entendidos como positivos por todos. É complicado. Não é um problema brasileiro. Qualquer outro país do mundo tendo, no século XXI, os desafios que a Amazônia traz, enfrentaria problemas, porque é uma área imensa, que possibilita diferentes tipos de exploração dos recursos. Não é possível criar mecanismos de controle num território que corresponde a quase metade do tamanho do Brasil sem que espontaneamente governos locais, governo federal, empresários, organizações não-governamentais, igrejas, centros de pesquisa, universidades, se percebam dentro de algo maior nessa direção. Existem muitas singularidades na Amazônia, realidades específicas, dificuldade em quebrar o paradigma do enriquecimento rápido. Se acharem ouro, hoje há 300, amanhã há oito mil garimpeiros devastando a floresta atrás de pepita. É a loucura do Brasil, é a praga de gafanhoto. Se a soja está valorizada no mercado internacional, desmata-se e planta-se soja a tempo de pegar carona nessa valorização do grão. Não se consegue mais pensar no longo prazo.

Há uma empresa alemã que pretende unir o pólo de microeletrônica de Manaus à biotecnologia. Você acha que essa é uma solução boa o suficiente para combater os grileiros, a devastação?

AT: Acho. As idéias existem, os projetos existem. Executá-los no longo prazo e de forma eficiente é o desafio. A biotecnologia é para onde vão os grandes investimentos no século XXI. Os produtos biotecnológicos têm alto valor agregado. Desenvolver a patente de um remédio com base numa peçonha de cobra ou de sapo, ou na seiva de uma árvore que tenha comprovadamente o poder terapêutico, é muito mais interessante do ponto de vista do lucro, do valor agregado desse produto, que qualquer outro gênero de produto que se retire da Amazônia. Isso não se faz em um passe de mágica. São necessários anos de pesquisa e investimento pesado. Mal comparando, é o que aconteceu com o Pró-álcool, que deslanchou e foi apontado pelo mundo como um projeto que é motivo de orgulho para o Brasil no cenário internacional depois de 30 anos. Na primeira geração de carro à álcool, fazia-se muita piada no Brasil. Dizia-se que enguiçava fácil, corroía o carburador, precisava esquentar na garagem para não morrer na rua... Foram décadas de investimento pesado, aprimoramento, inovação tecnológica para se chegar aonde chegou. Eu te devolvo a pergunta: temos fôlego pra desdobrar ao longo de décadas, de forma consistente e crescente esse tipo de investimento, ou continuamos com pressa? O que precisamos questionar é qual a disposição de prefeitos, governadores, do governo federal, das empresas com interesse na Amazônia, de vislumbrar a perspectiva do retorno do investimento a longo prazo. Se essa equação for resolvida, os impactos serão reduzidos.

Ano passado foi lançado o Stern Review, relatório de Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, que falou de impactos do aquecimento global em relação à economia mundial, ligando a questão ambiental à econômica e à política. Esse relatório despertou ou pode despertar a consciência dos empresários que não têm perspectiva de mudar e se adaptar a uma nova realidade, a um novo paradigma, ou a preocupação com o lucro a curto prazo ainda é um obstáculo?

AT: Não, a preocupação com o lucro a curto prazo não é um obstáculo. O Stern Review, nas suas 600 páginas nas quais Nicholas Stern teve a oportunidade de produzir cenários a partir do aquecimento global, que alcançam o dia-a-dia das empresas públicas e privadas, determinou uma atenção maior de empreendedores, investidores, gestores públicos e privados para o fato de que não era um ambientalista ou um cientista que estava falando, mas alguém que dispunha de um enorme prestígio na área econômica. Ele foi patrocinado pelo governo britânico. No dia em que o Stern fez a apresentação do relatório, Tony Blair estava ao seu lado. Portanto, houve uma reverberação muito grande do relatório e sinais de que algumas das previsões que ele fez para um futuro próximo já estão se confirmando. Ele levanta no relatório como algo inevitável, por exemplo, a sobretaxa do carbono. Produtos que demandam muita emissão deveriam pagar uma taxa sobre isso. No início do ano uma rede de supermercados britânica chamada Tesco resolveu colocar no rótulo de 70 mil produtos espalhados em prateleiras e gôndolas a informação sobre o quanto cada um emitiu de carbono. Se o consumidor está preocupado com o aquecimento global e há, por exemplo, três marcas de margarina parecidas no gosto, no preço, mas uma delas emite menos, provavelmente ele levará aquela. A margarina não custa mais caro, mas o recado para o consumidor é claro. Está sendo sinalizado para ele que existe uma informação relevante, tão importante que merece aparecer no rótulo e que pode influenciar na escolha do produto.

E no Brasil? Isso é possível?

AT: No Brasil, o relatório Stern teve uma repercussão ampla em um segmento da mídia que alcança formadores de opinião e estrategistas de empresas públicas e privadas que definem planejamento estratégico.Não passou despercebido. Ainda que seja difícil mensurar com objetividade de que maneira o relatório determinou mudança, pois talvez esteja um pouco cedo para isso, mesmo no Brasil essa informação chegou onde devia. E foi no mesmo ano em que houve o lançamento do filme do Al Gore, também um óleo lubrificante, que facilitou o acesso a uma informação que era um pouco inatingível pela complexidade, pelos jargões, pela dificuldade de ilustrar o assunto. Gore veio e resolveu contar uma história de uma maneira acessível. Foi uma boa dobradinha. Na área da comunicação ambiental, focalizando o problema do aquecimento global, 2006 foi um ano muito interessante, quando se começou a abrir caminho onde não estava aberto. E rápido.

Apesar de Al Gore ter declarado que não se candidataria à presidência dos EUA, o fato do documentário dele ter feito tanto sucesso, a ponto de ganhar o Oscar, o torna um candidato ainda mais forte. As pressões para que ele se candidate são grandes. Qual seria a mudança que Al Gore, caso fosse eleito, causaria no cenário internacional atual, levando em consideração as questões ambientais?

AT: Se ele se eleger presidente dos EUA vai ser ruim para o Brasil. Entre 2008 e 2012 começa a monitoração para saber se os países do Anexo 1, os países desenvolvidos, estão fazendo o dever de casa. O que vai acontecer depois de 2012 está em aberto. Há um lobby fortíssimo dos países desenvolvidos, com a adesão de inúmeras ONGs, para que os países em desenvolvimento como China, Índia, Brasil e Indonésia, tenham compromissos formais de redução. A posição clara do Itamaraty é de achar que não tem nada a ver com isso e não aceitar compromisso formal, compulsório, de redução. Se Al Gore for presidente, ele vai jogar pesado. É possível que ele engrosse um discurso, que o Bush passa longe, de gestão internacional da Amazônia, como já defenderam, dois anos atrás, o francês Pascal Lamy, à frente da OMC (Organização Mundial do Comércio), e o equivalente ao Ministro do Meio Ambiente britânico, David Miliband.

O que representa a Califórnia tomar as primeiras decisões efetivas em relação à redução de gases poluentes nos Estados Unidos, tendo como governador um político do mesmo partido que o presidente e com idéias contrárias a ele?

AT: O Schwarzenegger é um capítulo à parte. O eleitorado californiano tem um perfil muito mais democrata que republicano. Escolheram o Schwarzenegger pelas circunstâncias de uma eleição em que o candidato democrata não era o que fazia a cabeça do eleitorado, houve um acidente de percurso. Nós, no Rio de Janeiro, somos reconhecidamente um eleitorado progressista e já escolhemos cada pessoa que não correspondia ao que denominamos de progressista facilmente. Isso acontece. A primeira preocupação do Schwarzenegger foi saber o que era mais importante, ser fiel ao partido que tem no Bush uma liderança que precisa levar em conta ou a sobrevivência política à frente da Califórnia. Portanto, ele está olhando o eleitorado dele, que não é republicano. E muitos republicanos, espontaneamente, já anunciaram redução na emissão de gases estufa. Há pelo menos nove estados e 130 cidades americanas governadas por republicanos e democratas que, unilateralmente, estão instituindo programas de redução de CO2. Só para ilustrar o que é a Califórnia. A Califórnia é um estado que tem mais automóveis que o Brasil inteiro, tem um protagonismo na área legal em relação a facilidades que se criam em faixas seletivas para motoristas que dêem carona. Foi um dos primeiros lugares do mundo que instituiu benefícios para quem não usa automóvel, compartilha espaço dentro do carro, e metas tecnológicas para as montadoras. Ford, Chrysler, GM, são obrigadas a reduzir emissão em cinco anos. Não poderão lançar no mercado um automóvel que não esteja enquadrado nas metas estabelecidas nesse cantinho dos EUA. Essas metas já alcançam CO2, o Brasil também tem metas tecnológicas, mas só de poluentes, não de gases estufa. O Schwarzenegger não podia virar as costas para isso.

O pesquisador Bjarne Andresen, do Instituto Niels Bohr, da Universidade de Copenhague, declarou que "todo o debate sobre o aquecimento global é uma fantasia". Segundo ele, não faz nenhum sentido falar em uma temperatura global para a Terra porque existem elementos em todo o planeta que não podem simplesmente ser somados e divididos. No entanto, percebe-se, por exemplo, através do documentário do Al Gore, que mudanças já estão acontecendo. Então não é uma unanimidade científica...

AT: Unanimidade científica é uma utopia. Ainda há pessoas que não acreditam que o cigarro provoque câncer. Assim como há os que acreditam que o vírus HIV não provoque Aids. A África do Sul, por exemplo, não aceita oficialmente o fato de que a camisinha previna a Aids, pois não acha que o HIV seja o agente patogênico. Isso em 2007. É pretensão demais querer que todo cientista entenda que as evidências que consolidam o diagnóstico de que o planeta está aquecendo por ação do homem seja um consenso. O importante agora não é a busca do consenso. Esse é o quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental em Mudança Climática, na sigla em inglês) que saiu e o primeiro que o governo Bush não só não criticou como reconheceu a credibilidade da metodologia. Se até os EUA se omitiram diante das possíveis críticas que poderia fazer ao relatório e avalizou, temos um cenário que não é de convencer os incrédulos, mas de promover a informação que remete a uma nova atitude na construção de um mundo com carbono zero. A ciclotimia da mudança é rápida, o gelo está derretendo, as águas estão subindo, o ciclo da chuva já mudou, os impactos estão aí. Quem quiser que aposte no diferente. Eu não faria isso.