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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cidade

Gabeira: descentralizar para resolver

Carlos Eduardo Vieira e Nathália Clark - Da sala de aula

29/08/2008

Nascido em Juiz de Fora, foi no Rio de Janeiro que Fernando Paulo Nagle Gabeira se destacou. Primeiro como jornalista do Jornal do Brasil, onde trabalhou de 1964 a 1968. Depois, ainda nos anos 1960, ingressou na luta armada contra a ditadura militar, quando ficou famoso pela participação no seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick. Foi preso e, mais tarde, exilado, numa operação que envolveu a troca de presos políticos pelo embaixador da Alemanha, que também foi seqüestrado.

Com a anistia, voltou ao Brasil no final de 1979, e a partir daí dedicou-se a escrever. Produziu 13 livros no total, um deles – O que é isso, companheiro? – tornou-se referência da história da resistência contra a ditadura militar no Brasil e mais tarde virou filme. Nos anos 1980, como militante verde, reingressou na política, onde começou a liderar o nascente movimento ecológico e pacifista, que mais tarde daria origem ao Partido Verde.

A primeira candidatura foi em 1986, para o governo do Estado do Rio de Janeiro. Desde essa época, Gabeira já revirava o debate político com temas, muitas vezes polêmicos, como desenvolvimento sustentável, direitos das minorias, reivindicações feministas, descriminalização da maconha e a democratização das comunicações. De lá para cá, manteve simultaneamente suas atuações como jornalista, escritor e principal líder do Partido Verde. Foi reeleito em 1998 e 2002. Em 2003, decidiu romper com o PT por discordar das práticas do partido no governo e no Congresso. Em 2006, foi novamente eleito deputado federal, dessa vez como o candidato mais votado do Estado do Rio de Janeiro.

Camisa florida e óculos de aros redondos, bem ao estilo dos anos 1970, pendendo do nariz. Sorriso largo no canto da boca e simpatia que transpassa as portas do salão de conferências de seu gabinete, no Centro do Rio de Janeiro. Fernando Gabeira se diz não só um morador do Rio, mas um “carioca” por opção, apaixonado pelo furor e pelas causas do lugar que carinhosamente adotou para si. Por esse motivo, o deputado mais votado no estado decidiu candidatar-se à Prefeitura da cidade.

Qual o projeto para ampliar e melhorar o ensino básico?

Uma necessidade ainda anterior e mais fundamental do que a melhoria do ensino básico é a devida atenção à formação do futuro estudante, ainda na idade da infância, portanto, o objetivo é a criação de creches que atendam à população de baixa renda. Sobre os CIEPs, a proposta não é criar mais ou reformar os já existentes, mas aumentar o tempo de estadia das crianças na escola, com uma diversidade maior de propósitos, incluindo aí abertura para educação física e para as artes. O objetivo primordial é ter escolas preparadas em todos os sentidos para receber um maior número de alunos. Para tanto, tornam-se essenciais a formulação de um currículo já pré-determinado, pois, hoje, o conteúdo fica muito ao sabor dos próprios mestres; um gerenciamento nas escolas, para evitar o mau uso do dinheiro empregado; e, principalmente, dar estímulo aos professores, em sua formação. Não esquecendo que avaliações permanentes, no ensino básico como em qualquer outro, são feed-backs fundamentais do avanço na educação.

Sobre habitação, como integrar as favelas à cidade?

Não há melhor caminho do que o da definição dos eco-limites. Uma maneira de se efetivar essa contenção é por meio de um entendimento com a comunidade de que não pode haver o crescimento irregular, delegando aos próprios moradores a responsabilidade de evitar tal expansão, num espírito de ajuda e pacto com o governo.

Outro caminho é regulamentar a verticalização. O meio mais complexo, porém mais produtivo, é ter grupos da Prefeitura nas comunidades, orientando a população para dois caminhos: um, a legalização urbanística, ou seja, preparar a casa de maneira que fique legal do ponto de vista urbano; outro, a legalização fundiária, acesso ao documento de posse do lugar onde se mora. Resolvidas tais questões (urbanística e fundiária), consegue-se, simultaneamente, resolver outro problema: legalizar o comércio existente nessas áreas. Uma vez legalizados, tanto a posse quanto o comércio, o próprio mercado se encarregará de dar um impulso grande na transformação das favelas.

No processo de controle, pretendemos contar com a ajuda do Google, acompanhando a cidade permanentemente. Quanto mais rápido se intervém no crescimento irregular, mais chances se tem de resolver a questão.

Outro aspecto que tem peso grande é o estímulo à iniciativa da construção civil para pessoas carentes. O Rio, hoje, vive um boom da construção civil. Ela pode muito bem, portanto, nesse momento de estabilidade econômica, desempenhar o papel de estabelecer pelo menos um alívio à cidade que tem déficit de 500 mil residências. Para que esse processo se desenvolva, a Prefeitura pode contribuir até mesmo com terrenos.

Em certas circunstâncias também há que se trabalhar com a hipótese de estudar associações e parcerias para atrair o capital privado, sendo esta uma saída viável, uma vez que está ficando cada vez mais evidente que, nas metrópoles, os problemas são superiores à capacidade dos governos de resolvê-los. É preciso achar novas fórmulas, e a iniciativa privada é uma delas.

Como administrar e redistribuir o transporte público?

O melhor instrumento é a reorganização através da concessão. Em véspera de uma nova concessão para a circulação dos ônibus, nós não queremos que ela seja feita por César Maia em final de governo, e muito menos vamos aceitar o golpe de alguns vereadores, que querem prorrogá-la por 10 anos. A chance para isso é agora.

Com a nova concessão podemos reorganizar o sistema de transporte urbano, sobretudo de ônibus, fazendo com que os percursos sejam mais racionais e rápidos. Isso seria viável através de linhas-tronco e estações de integração em que as pessoas entram com o bilhete pré-pago, como já funciona em Curitiba. Outra intenção é a implantação do bilhete único, com duração de algumas horas. No entanto, ele só tem sentido se o percurso for racionalizado. E para esse sistema funcionar, é preciso atrair para a discussão os trens, o metrô e as vans legais, todos dotados de um equipamento capaz de ler o bilhete, ou seja, é preciso que haja uma unificação, através da tecnologia de comunicação.

Só isso já seria um avanço grande, mas o passo pode ser ainda maior. Além da eficácia, da racionalização, do barateamento que o bilhete único pressupõe, a intenção é também melhorar o conforto. Por exemplo, cobrar mais caro pelo uso do ar condicionado em certos ônibus é um absurdo. Numa cidade tropical como o Rio de Janeiro, não se pode cobrar pelo ar condicionado. Seria o mesmo que cobrar a calefação em Berlim, em Londres. Isso é uma obrigação.

Outro ponto é a pouca (ou nenhuma) quantidade de acesso aos deficientes físicos. Hoje, existem apenas 42 veículos com esse acesso. É preciso que haja também uma interação entre o ponto do ônibus e o próprio ônibus. Com relação ao trânsito, a principal medida é melhorar o máximo possível o transporte coletivo. É necessário que se faça um debate sobre um novo emprego do tempo na cidade, por exemplo, horário de carga e descarga de caminhões, dar estímulos para comércios que abram em horários diferentes, a cidade não precisa se mover simultaneamente.

Sobre a questão das vans, a intenção é legalizá-las através de um processo pelo qual elas se integrem ao sistema. Não tem sentido legalizar se elas não tiverem GPS, por exemplo, para que se possa, por um sistema de acompanhamento, controlar o movimento, onde estão, quantas pessoas e quanto tempo levam num determinado percurso. O aparelho substituiria o grande número de fiscais, otimizando o processo.

Como tornar eficiente a rede de saúde já existente no município?

O primeiro passo para tornar eficiente é virá-la de cabeça para o ar. Isto significa dar mais atenção à assistência primária, concentrando-a mais em postos de saúde e no programa Saúde da Família, deixando para o passo seguinte, ou mesmo simultaneamente, a recuperação dos hospitais. Porém, a recuperação dos hospitais sem um atendimento melhor nos bairros não significa nada.

No entanto, tornar mais eficiente significa também colocar um setor com o outro em comunicação permanente. Os órgãos municipais de saúde não estão ligados diretamente em rede. Essa conexão, se feita, irá dar mais eficácia. Outro ponto importante é fazer uma articulação metropolitana, para que pessoas de outras cidades do estado tenham bom atendimento em suas próprias áreas e não precisem vir ao município do Rio, além de comprar medicamentos em massa para todos. A minha intenção, hoje, se fosse construir um novo hospital, seria em Nova Iguaçu, Duque de Caxias, essas regiões mais carentes.

Qual deve ser a real função da Guarda Municipal na segurança? Fiscalizar ou combater?

Essas duas funções devem ser articuladas. Se combate quando se fiscaliza bem. Além de proteger o patrimônio público, os guardas municipais têm a função de garantir ou, dentro dos limites, contribuir para que haja paz nas ruas. E a melhor maneira para isso é um treinamento que os diferencie da polícia, ou seja, fazer cursos sobre a cidade, sobre a relação com o público, além de ser imprescindível estar muito bem equipada em termos de comunicação. Fala-se muito sobre se a Guarda Municipal deve estar ou não armada, mas a principal arma que ela vai ter, no caso de eu estar no governo, será um bom telefone celular, capaz de enviar mensagens, fotos.

Outro objetivo é separar equipes da Guarda Municipal para preparar diretamente a própria população a ser menos vulnerável nas áreas mais vulneráveis, em relação a assaltos, por exemplo. Educá-las a ter um comportamento mais atento, a exemplo de casos nos metrôs de Nova York.

Sobre a questão do meio ambiente, dentre os muitos problemas, qual você considera o maior? E qual seria a solução?

Existe um problema ambiental muito sério que é o problema de saneamento básico. Quando não se tem saneamento básico, tem problema ambiental, porque normalmente se tem o esgoto fluindo in natura para rios, manguezais, para a própria Baía de Guanabara. Então, o saneamento básico ainda é um grande problema ambiental. Outro problema é ter que reflorestar muitos morros do Rio por uma questão de segurança e por uma questão ecológica. E, finalmente, a necessidade de despoluir a Baía de Guanabara, para que ela, que é um símbolo da cidade do Rio de Janeiro, possa ser recuperada.

Existe um projeto para a Baía de Guanabara desde 1992 financiado, inclusive, pelo Banco Mundial. Nós precisamos ver até que ponto a Prefeitura pode estimular a implementação desse projeto, até que ponto ela pode avançar junto com o governo estadual, e junto com o governo federal. O que a Prefeitura pode, e deve fazer é estimular o turismo na área. Estimular como? Colocando barcos. Há um projeto meu que determina que as Ilhas Cagarras virem um monumento ecológico; poder afundar um barco ali para mergulhar, tirar fotos, fazer filmes. Até Paquetá pode ser explorada turisticamente, se houver uma empresa capaz de se dedicar a isto.

Agora, eu acho que o grande impulso para a recuperação da Baía de Guanabara é também a recuperação do porto do Rio de Janeiro. Sem recuperar o porto e sem reconstruir o Centro da cidade você não tem condições de estimular a recuperação da Baía. Eles formam um complexo. Então, a reconstrução do porto vai dar a oportunidade de se valorizar mais esse encontro da cidade com o mar, e de valorizar mais a Baía de Guanabara. Na questão dos transportes, podia evoluir mais o transporte por barcas. A recuperação do porto é uma realidade em todos os países do mundo. Só o Rio que se atrasou nisso, porque Sydney, Buenos Aires, Nova York, todas recuperaram os seus portos.

Como o poder municipal pode democratizar a cultura na cidade? E como fazer para deslocar da Zona Sul e do Centro a concentração de eventos culturais?

É sabido que nós temos 10 lonas culturais. Um dos fatores seria equipar melhor essas lonas. Outro fator que me parece importante é reativar as bibliotecas. Com todas as bibliotecas a Prefeitura gasta R$ 100 mil, o equivalente a R$ 3 mil para cada biblioteca. Isso é muito pouco. Então, nós temos que reativar essas bibliotecas e fazê-las funcionar.

Outro objetivo é estimular os teatros. E, na área de filmes, estabelecer o Rio como cenário e orientar, garantir e cobrar também, claro, o uso da cidade para produções, como é feito em Paris, por exemplo. Estabelecer praças que podem ser financiadas pela iniciativa privada, onde os artistas possam ensaiar, o que é um problema hoje. Nova Iorque fez isso. Nós pretendemos também associar a cultura ao turismo. E criar uma série de circuitos culturais que sejam financiados pelo turismo. Por exemplo, podemos criar o circuito da Bossa Nova, que irá desde o Jardim Botânico, onde tem o Centro Tom Jobim, passando pela Rua Nascimento Silva, onde fizeram a música (Garota de Ipanema), passando pelo bar (de mesmo nome), onde poderia ter um show, etc.

Podemos também fazer um circuito do funk, para as pessoas que não conhecem o estilo musical terem acesso aos bailes permitidos, aprender como se dança. Existe também a possibilidade de reproduzir um programa que existe nos Estados Unidos, chamado Super Weekend: a pessoa vem de outras cidades do Brasil, paga a passagem, o hotel, e tem direito a vários programas culturais durante o fim de semana. Você pode oferecer ingressos de teatro a um preço mais barato, e articular a vinda desses grupos com os bairros abertos, como Santa Teresa e Jardim Botânico, onde as pessoas podem expor suas obras. A cultura é uma grande saída econômica. Basta transformá-la em turismo e fazer com que seja sustentável.

Numa entrevista recente ao Le Monde Diplomatique Brasil você falou sobre descentralizar a gestão municipal. Explique isso.

Nós temos hoje zonas administrativas. Regiões administrativas. Essas regiões já são um passo para a descentralização. No entanto, essa descentralização é muito limitada. Por quê? Porque eles colocam nessas regiões políticos que precisam de cargos. Assim, eles não descentralizam o orçamento, isso porque têm medo que esses políticos desviem o dinheiro. Então, o que você precisa ter é uma região administrativa com pessoas competentes e honestas e com orçamento próprio. Para, desta forma, poder tomar decisões, sem recorrer ao poder central. Aí haverá a descentralização de fato, pois o que há hoje é mais simbólico do que prático.

Confira o site do candidato Fernando Gabeira