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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


Cultura

Morro da Conceição, o Rio com ares machadianos

Camila Sampaio - Da sala de aula

18/12/2008

Em 1908, a literatura brasileira perdia uma de suas figuras mais reconhecidas, Machado de Assis. E neste ano de centenário de morte do escritor não faltam oportunidades para relembrarmos a sua vida e obra. Uma opção é fazer um passeio ao Morro da Conceição, ao lado da Praça Mauá, um dos últimos vestígios do Rio de Janeiro do período colonial. Além de visitar o lugar que serviu de cenário para alguns textos do escritor, os cariocas poderão conhecer um estilo de vida peculiar: o da população que reside em um morro que não se transformou em uma favela. É um espaço pitoresco que guarda no calçamento de pé-de-moleque parte da memória histórica da cidade.

A vista do lugar proporciona uma viagem ao passado, a um Rio de Janeiro que já não existe. As construções são características dos séculos XVII e XIX. O casario é formado por sobrados nas ruas estreitas do morro. A importância do conjunto arquitetônico é confirmada pela grande quantidade de bens tombados no local pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A Fortaleza da Conceição, erguida em 1711; o prédio do Serviço Geográfico do Exército, que foi Palácio Episcopal, construído em 1703; e as igrejas de São Francisco da Prainha e de Santa Rita são apenas alguns dos imóveis conservados pelo tombamento. O Iphan também determina a manutenção das fachadas originais das casas, inclusive dos telhados, e só permite alterações internas, o que faz com que o lugar esteja preservado.

Uma das principias ruas do morro, citada em vários contos machadianos, é a Rua Jogo da Bola, que mantém ainda o nome de origem, do período colonial. No século XVIII, as pessoas costumavam jogar no local um esporte chamado bocha, algo parecido com o boliche que praticamos hoje. Outro lugar que guarda lembranças do tempo em que o Rio de Janeiro foi capital da Colônia é a Pedra do Sal, onde era descarregado o sal importado da Europa.

Além do valor histórico, o Morro da Conceição também surpreende pelo estilo de vida particular dos moradores, retratado por Machado de Assis com freqüência em seus textos. De acordo com o professor e guia especializado em roteiros culturais, Milton Teixeira, o interesse em escrever sobre o cotidiano dos morros cariocas é visível na obra do romancista. “Muitos personagens de Machado viviam em morros, isso talvez possa ser explicado pelo fato de o escritor ter nascido no Morro do Livramento”, afirma Teixeira. “Porém, no século XIX, as pessoas que residiam nessas áreas da cidade eram trabalhadores pobres, normalmente ligados às atividades portuárias”, acrescenta o professor.

Hoje, o Morro da Conceição é uma área predominantemente residencial, que, apesar de localizada no centro da cidade, não sofreu com as transformações urbanas que interferiram radicalmente no espaço ao seu redor. O lugar, atípico no Rio de Janeiro, tem o clima de uma cidade do interior, onde as pessoas colocam as cadeiras nas calçadas para conversar e cumprimentar os que passam pela rua, em frente às casas. A maioria dos moradores aprecia o modo de vida e não demonstra vontade de se mudar, como é o caso do aposentado Joaquim de Oliveira, 63 anos, que vive no morro desde que nasceu. “Meus pais eram portugueses e fizeram a vida aqui. Eu e meus irmãos fomos criados aqui. Pouca gente sabe, mas o Morro da Conceição é o melhor lugar para viver no Rio”, afirma Oliveira.

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