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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cultura

Rua do Ouvidor, primeiro cenário do Brasil moderno

Marcela Maciel - Da sala de aula

13/08/2008

Machado de Assis uma vez escreveu que se o Rio de Janeiro tivesse um rosto, este seria a Rua do Ouvidor. A via era realmente o grande cenário do final do século XIX. O escritor não só a retratava em suas obras, como também era freqüentador assíduo da rua mais charmosa da cidade. Toda a agitação se concentrava naquele local: as lojas mais chiques, as livrarias, as discussões intelectuais nas confeitarias. Hoje, próximo ao centenário de morte de Machado, a Ouvidor não tem mais a importância do passado.

A via entre as imediações da Praça XV e o Largo do São Francisco teve diversos nomes, inclusive em diferentes trechos. Aberta em 1567, ela só incorporou o nome atual em 1870. Nesse ano, o ouvidor Francisco Berquó da Silveira, oficial de justiça da cidade, foi morar em uma casa na esquina com a Rua do Carmo. As pessoas começaram a chamar o logradouro de Rua do Ouvidor. Em 1897, o governo brasileiro mudou o nome para Moreira César, mas o povo já havia incorporado a referência anterior. Em 1916, o lugar voltou a ser chamado pelo nome mais famoso.

A Rua do Ouvidor começou a ganhar importância com a vinda da família real para o Brasil, por conta da abertura dos portos, em 1808. Comerciantes desembarcavam da Europa e se instalavam naquela área. Por volta de 1821, chegaram as famosas modistas francesas. Até Dona Leopoldina, primeira imperatriz do Brasil, fazia compras na Ouvidor. Ela freqüentava o ateliê de Madame Josephine, uma das primeiras profissionais a se instalar no local. O auge da Rua do Ouvidor, porém, foi durante o final do século XIX. Alberto Cohen, autor do livro "Ouvidor, uma rua do Rio", confirma a fala de Machado de Assis.

- Era a principal artéria do centro do Rio de Janeiro. E tudo que acontecia aqui, irradiava para o resto do país.

Muitas inovações chegaram primeiro à Rua do Ouvidor. Lá foi instalado o primeiro telefone, e surgiram a primeira vitrine, o primeiro cinema, a primeira linha de bonde regular da cidade e até o primeiro motel. Primeira rua de pedestres do Rio, a via também foi a primeira a ter obras de calçamento, em 1857, e a receber iluminação elétrica, em 1891.

A história do próprio Machado de Assis se confunde com a da rua. Na Ouvidor foi fundada a Academia Brasileira de Letras, em 1896. E grande parte dos livros do escritor foi publicada pela Livraria Garnier, uma das mais importantes da época e que funcionava ali.

Vários movimentos literários e políticos nasceram nas confeitarias e cafés da Ouvidor. Além de Machado, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Joaquim Manoel de Macedo, Coelho Netto, Paula Nei, Quintino Bocaiúva, e outras tantas personalidades podiam ser vistas circulando pela rua. Muitos jornais tiveram sede na Rua do Ouvidor, como o Jornal do Commercio, o Diário de Notícias e a Gazeta de Notícias.

O declínio da via começou com a abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, em 1906. Os principais comerciantes se transferiram para a concorrente. Hoje, a maior parte das lojas é de moda feminina, mas sem o charme das modistas ou das grandes vitrines do passado.

Mesmo com incentivos fiscais para manter as fachadas originais, é difícil encontrar algum ponto de comércio mais antigo. Numa tentativa de resgatar o clima da época, uma loja de bijuterias finas, na Ouvidor 120, mantém o estilo antigo com grandes vitrines e móveis originais do início do século XX. O local era originalmente a Casa Guaraná, e, depois, funcionou como Charutaria Pará.

- Na época da charutaria existia um isqueiro na frente da loja. Então, os homens passavam, acendiam seus charutos e depois iam para a Confeitaria Colombo, na Gonçalves Dias – conta Fátima Carvalho, 49 anos, atual gerente da loja.

A grande motivação de Cohen para escrever o livro foi resgatar o que ficou perdido no tempo.

- A Ouvidor, com uma história tão rica, merece um corte no tempo. Os maiores escritores dedicaram várias linhas à rua. Mas o dia-a-dia da Ouvidor ficou sem registro nas últimas décadas. Tornou-se necessário complementar esse período, por ter sido uma das mais importantes ruas do Rio e ter fascinado muitas pessoas.

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