Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Craques na ativa

João Gabriel Rodrigues - Da sala de aula

19/08/2008

Quando Elizeth Cardoso gravou Chega de Saudade, de João Gilberto, no LP Canção do Amor Demais, em 1958, os irmãos Severino Filho e Ismael Neto há muito já estavam no mundo musical. Precisamente, há 16 anos. Estudantes do colégio Pedro II, na Tijuca, os dois, e mais alguns amigos e vizinhos, se reuniam na Rua Haddock Lobo, 147, no mesmo bairro, para tocar violão e cantar. Encantado pelo estilo das big bands americanas da época, Ismael buscava trazer esta influência para a sua música. Para isso, criou o grupo Os Cariocas, influenciado por outros grupos vocais, como Garotos da Lua e Os Anjos do Inferno.

Na época, cantores de vozes potentes eram as grandes estrelas da Rádio Nacional, meio de comunicação com maior alcance de massa até então. E, por isso, o estilo de voz baixa e de canto pausado causou estranhamento quando Os Cariocas estrearam como contratados da rádio, em 1946. Apesar disso, o grupo logo atraiu fãs, que o mantive como estrela da Rádio Nacional por 20 anos. Se no início a influência vinha de fora, Severino, remanescente da formação original nos dias de hoje, diz que em pouco tempo o grupo já tinha seu estilo próprio.

-Sempre ouvimos muito jazz americano, que foi nossa primeira influência. Mas, aos poucos, fomos formando nosso próprio estilo. Até mesmo, influenciamos muita gente depois de nós.

E foi este estilo que fez com que Os Cariocas – desfalcados de Ismael, morto em 1956, com Hortênsia Silva em seu lugar – se aproximassem de um movimento nascido na Zona Sul do Rio de Janeiro, nas mãos e vozes de João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, entre outros. Se o marco inicial da Bossa Nova é a gravação de Elizeth Cardoso, o movimento, como explica Severino, veio de antes, da vontade dos músicos envolvidos em criar algo diferente na canção brasileira.

- Naquela época, todos nós nos reuníamos à noite para conversar, falar sobre música, planos... Até que surgiu um garoto que também lutou muito por um novo estilo na música popular brasileira, a bossa nova. Este garoto era João Gilberto, que por algum tempo fez parte do Garotos da Lua.

Severino diz, porém, que tudo realmente começou a mudar com a nova batida de violão criada pelo jovem João Gilberto.

- Todo aquele estilo de música mudou com a batida que o João descobriu. Muitos não falam disso, mas é essencial. A harmonia, nós, Os Cariocas e outros, já fazíamos. Tudo mudou no momento em que juntamos esta nova batida e a harmonia que nós fazíamos há algum tempo.

Foi com o estouro da Bossa Nova que Os Cariocas realmente se tornaram conhecidos do grande público. Saía de cena a voz empostada para entrar um ritmo mais intimista e popular, que viria a influenciar toda a música nacional dali por diante. Além de Hortensia, Severino tinha ao seu lado Emmanoel Furtado, o Badeco, Waldir Viviani e Jorge Quartarone, conhecido como Quartera. Com esta formação, o grupo fez sua entrada definitiva na movimento ao gravar, com João Gilberto no violão, o clássico Chega de Saudade, em1959.

- João Gilberto dizia que queria cantar como se fosse um som de instrumento, imitando o violão. Ele ouvia muito Chet Baker. Ele dizia que a música brasileira estava muito bonita, mas que precisava de algo novo.

Em 1962, o conjunto participou daquela que seria lembrada como uma das mais importantes séries de show da Bossa Nova, na boate Au Bon Gourmet, ao lado de João Gilberto, Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Os espetáculos, que duraram 45 dias e foram batizados de O Encontro, apresentaram ao público músicas como Samba do Avião, Corcovado, Samba de uma nota só e Garota de Ipanema, hoje clássicos da música brasileira.

Muitas formações e um mesmo estilo

Cada vez mais popular, o conjunto excursionou pela Europa, América Latina e Estados Unidos, onde conheceram Paul Anka e Quincy Jones e foram muito elogiados pela crítica. A agenda lotada de shows por mundo afora durou até 1967, quando o grupo teve seu primeiro grande recesso. Os músicos tinham opiniões diferentes do rumo a ser tomado e resolveram parar por um tempo. O tempo de recesso, que deveria ser curto, durou 21 anos, até a volta, em nova formação, em 1987. Do conjunto original, Severino, Badeco e Quartera seguiam à frente do grupo. De lá, Os Cariocas passaram por outras formações, até a atual, com Severino; Eloi Vicente, violinista; Neil Teixeira, baixista, e Hernane Ramalho de Castro, na bateria.

A formação atual propicia o encontro de três gerações, sendo Hernane e Neil os mais novos. Engano achar que a diferença de idade atrapalha. Pelo contrário. Segundo eles, é mais um incentivo para seguir no mundo da música.

- Cada um de nós que entrou no grupo com o passar dos anos trouxe algo de novo à nossa música, mas sem nunca deixar de lado a história do conjunto, que é belíssima - diz Hernane, que entrou no grupo em 2003, através de testes.

No início de 2008, o conjunto apareceu em meio a uma polêmica na imprensa, devido à ausência no show de comemoração dos 50 anos de Bossa Nova. Nada de rancor, garante Severino:

- Não pode haver rancor. Não fomos esquecidos, não caímos no ostracismo. Estamos sempre tocando, sendo convidados para shows e eventos. Então, não há porque guardar rancor.