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Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


Ciência e Tecnologia

Imagem boa, agora, é na ultradefinição 4K

Mariana Totino* - Do Portal

22/05/2013

 Divulgação/Sony

Televisores espaçosos, ainda de tubo, com uma esponja de aço enrolada na ponta da antena são longínquas lembranças. Desde 2007, o sinal de alta definição é transmitido pelas emissoras de televisão aberta e disponibilizado gratuitamente. Apesar disso, o eletrodoméstico mais popular do Brasil ainda aparece em muitos lares na versão mais antiga, anterior aos fininhos LCD, sem tecnologia para exibir toda a qualidade disponível no ar. Ao mesmo tempo em que aparelhos com tecnologia LED e resolução FullHD (máximo de qualidade da alta definição) se tornam cada vez mais baratos no país, e que acaba de chegar às prateleiras a geração de TVs 3D, nas feiras internacionais de tecnologia já são apresentadas soluções para captação e exibição de conteúdo em “ultradefinição”, como os monitores e câmeras 4K. Embora ainda inacessíveis para uso doméstico no Brasil, emissoras como a Rede Globo já fazem testes com esses equipamentos.

Adotada em 24 salas de cinema do Brasil (pela rede UCI), sendo quatro delas no Rio de Janeiro, a resolução 4K (a letra K significa mil pixels ou pontos da imagem) é quatro vezes superior ao FullHD, apresentando 4.096 por 2.160 linhas de resolução no padrão de cinema ou 3.840 por 2.160 no padrão de televisores, o que permite a visualização de mais de 8 mil pixels de uma imagem. Já o FullHD consiste em 1.920 por 1.080 linhas e cerca de 2 mil pixels. Além de mais informações da imagem, a ultrarresolução 4K permite que o telespectador aproxime-se mais da tela sem perder a nitidez.

 – É possível ter um televisor bem maior e ficar a uma distância suficiente para ver em boa qualidade. Na alta definição (HD), quando muito próximo, perde-se a qualidade dos detalhes. No televisor 4K, mostrando uma imagem de texto, conseguimos ler mesmo nos aproximando mais da tela – explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET), Nelson Faria Júnior.

Faria Júnior destaca que captar em altíssima resolução impõe mudanças na maneira de registrar os eventos. O ideal é que não se mexa na câmera, para que não haja risco de perder detalhes.

 – Num carnaval filmado em 4K, conseguimos ver o rosto das pessoas na arquibancada. A câmera fica parada, o carnaval é que passa por ela.Divulgação Sony

Destaque nas feiras CES (de lançamentos de eletrodomésticos), em janeiro, em Las Vegas, e na NAB 2013 (dedicada ao ramo profissional de televisão), em maio, monitores de LED que podem chegar a 86 polegadas, capazes de reproduzir altíssimas resoluções, já estão à venda nos Estados Unidos por US$ 30 mil – no Brasil, é possível comprar o mesmo modelo, pela internet, por cerca de R$ 100 mil. TVs com suporte 4K estão sendo lançadas nos Estados Unidos a um custo a partir de US$ 5 mil.

Para o engenheiro da Rede Globo Ricardo Fontenelle, quem quiser adquirir a tecnologia deve esperar mais um pouco. Além da aquisição de câmeras pelas emissoras e produtoras, e de monitores disponíveis nas casas dos telespectadores, para ser introduzida nos centros de produção de conteúdo, como os estúdios de emissoras de televisão, a mudança exige investimento em material de cenário e em capacitação. Na transição para a alta definição, até maquiadores precisaram de treinamento especial.

 – Alguns itens terão uma queda vertiginosa de preço daqui a pouco. Ou seja, quem comprar hoje vai pagar quatro ou cinco vezes mais caro do que em um ano. A Rede Globo geralmente compra no início, pois é pioneira. A emissora já utiliza câmeras de alta resolução para minisséries, que, por sua vez, inspiram o cinema. Muitas vezes, mais importante do que a câmera ter 4K é a utilização de uma lente de cinema e uma tecnologia que capte melhor a luminosidade – afirma Ricardo.

Para que o 4K se popularize fora da produção cinematográfica, é preciso pensar em meios de adaptá-lo ao conteúdo de televisão. O gerente de marketing da linha de equipamentos profissionais para transmissão da Sony Brasil, Luis Fabichak, afirma que a previsão é de que todos os jogos da Copa do Mundo sejam gravados e captados em 4K. Durante a Copa das Confederações 2013, a Rede Globo – que filmou o carnaval deste ano em 8K (resolução 16 vezes superior à alta definição) – fará a captação de alguns jogos em 4K para serem exibidos em salas de cinema já equipadas.

– Disponibilizamos uma linha extensa que vai desde câmera F65 (foto), a ser utilizada pela Rede Globo na Copa, para a captação cinematográfica do 4K até câmeras portáteis. Para a produção de conteúdo, a Sony faz parceria com grandes produtores, como nos filmes Oblivion (em cartaz no Rio) e After Earth (que será lançado em junho).Reprodução

Buscando atender à crescente demanda por conteúdo em alta definição, o surgimento de serviços de vídeo por demanda pela internet, como o Netflix, e às novas exigências do público, as emissoras de TV aberta estudam alternativas para adaptar programações. Segundo Nelson Faria Júnior, os formatos oferecidos pelas emissoras, como as novelas e telejornais, são de qualidade incomparável, mas emissoras devem, sim, procurar oferecer ótimas resoluções. Os testes serão realizados para experimentação. Será a primeira vez em que serão feitas captações ao vivo em 4K.

Desafios para a consolidação do 4K no Brasil

O modelo de televisão por radiodifusão no Brasil conta com um canal digital, que transmite o HD, e outro analógico, que em algum momento será apagado. Para que o sinal 4K possa ser transmitido pelo ar seria necessário um canal adicional ou mais compressão do sinal, o que resultaria em perda de qualidade na imagem original. Testes são realizados em países como a Coreia do Sul e o Japão em busca de soluções para possibilitar que esse sinal chegue gratuitamente à casa dos usuários. A alternativa para a distribuição do sinal seria disponibilizá-lo por serviços de TV a cabo, que levariam fibra óptica até a casa do assinante, possibilitando maior velocidade, via satélite ou internet, com o uso de serviço de banda larga de qualidade.

– Em tese, seria preciso um canal maior para a transmissão desses sinais. Mas, com a tecnologia, não é simples responder essas questões. É possível comprimir mais, por exemplo, o que não seria uma vantagem porque haveria perda de qualidade. Pode-se transmitir 4K sem agregar nada na programação que temos hoje – explica Fontenelle.

Para ele, a transmissão da Copa do Mundo na África em 3D e de espetáculos da Broadway em cinemas do Rio, por link direto, foram experiências muito produtivas, apesar de os vídeos estarem comprimidos.

O Brasil adota para a televisão digital o padrão japonês ISDB-T, com um tipo de compressão mais eficiente, o MPEG-4 ou H264. De acordo com Fontenelle, ainda não foram explorados todos os recursos desse padrão de compressão e, com a melhora da utilização desses recursos, pode haver mais qualidade, ocupando um espaço menor no sinal a ser transmitido. Na Europa e no Japão já estão em desenvolvimento sistemas que permitem a transmissão de conteúdo 4K, denominados, respectivamente, DVB-T2 e ISDB-T2.

– Dentro do padrão de televisão que utilizamos não existe um perfil para 4K, assim como não existe perfil para 3D. Mesmo assim, há emissoras transmitindo 3D, como a Rede TV. O que fizeram foi dividir o canal em dois, com imagens que, lado a lado, fazem o 3D. A qualidade foi lá para baixo, mas colocaram o 3D no ar e foram vendidas televisões preparadas para a tecnologia. Foi um ciclo que, de certa forma, funcionou.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam um crescimento de 143,8% no número de internautas de 2005 a 2011; levantamento da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) aponta que o Brasil fechou o primeiro trimestre de 2013 com 96,5 milhões de acessos em banda larga. E há dados da Anatel segundo os quais 28,5 milhões de domicílios urbanos eram atendidos por serviços de televisão por assinatura em 2012. Tais resultados podem retratar um cenário receptivo do país para novas ofertas de serviço, o que pode representar uma ameaça à hegemonia da televisão aberta terrestre. Essa demanda vem aumentando não apenas pela qualidade audiovisual e pela interatividade, mas também pela mudança no modelo de consumir o conteúdo audiovisual. Os serviços de vídeo sob demanda e a TV conectada oferecem aos usuários a opção de criar sua própria grade de programação, assistindo aos programas no horário mais conveniente.

Na opinião de Marcio Moreno, professor do Laboratório de Telemídia da PUC-Rio – que desenvolve aplicações para a televisão digital, como o NCL Composer, e um sistema para exibição dessas aplicações em computadores pessoais, denominado Ginga4Windows e Ginga4Linux –, os serviços de vídeo sob demanda são complementares ao que é oferecido pelas emissoras de televisão por radiodifusão. No entanto, uma evolução nos serviços atuais pode ser necessária.

 – Um movimento nessa direção já pode ser notado com os portais web criados por algumas emissoras, por onde são transmitidos eventos esportivos ao vivo.  Mariana Totino

Segundo Nelson Faria Júnior, a maioria das pessoas recebe televisão pelo ar e 80% têm acesso à televisão digital, diferentemente dos Estados Unidos, em que os canais terrestres atendem às empresas de telefonia e grande parte da população recebe televisão por cabo.

– O ideal é que o canal analógico pudesse ser utilizado para o 4K. Mas há um interesse das empresas de telefonia em ficar com esses canais. Se não houver possibilidade de canal terrestre para trafegar 4K, a solução seria via cabo ou satélite. No Brasil também é possível, mas restringe o alcance do 4K àqueles que têm cabo ou satélite.

Quanto às tecnologias utilizadas em monitores, o físico e professor da PUC-Rio Marco Cremona aponta a flexibilidade como o futuro dos displays, pelo menos em smartphones, equipados com câmeras de boa resolução. Outras tecnologias, como o Crystal LED, que aumenta ainda mais o brilho das imagens, também estão em desenvolvimento. O físico não acredita que a tecnologia mais recente, o OLED, seja implantada na fabricação de televisores. Já usado em telas de celulares smartphones e em implantação nos Estados Unidos, o OLED seria um futuro próximo.

Ele explica a diferença entre as tecnologias já acessíveis de monitores: o LCD é uma tecnologia de alta qualidade, dominante em displays, e se diferencia dos de LED, que têm uma única molécula que liga ou desliga conforme acionada (enquanto no LCD são utilizados três filtros, um para cada cor), pelo brilho das cores, e contraste entre branco e preto, que é bem maior. Nos monitores de LED, “o preto é mais preto”.

– Não há competição para fabricantes asiáticos. Embora não exista no Brasil base na indústria eletrônica para isso, em pesquisa temos o mesmo nível de competência. A inovação em OLED é provocada aqui em outro campo, o da iluminação – afirma Cremona.

“Alta definição é coisa do passado”

Para os próximos anos, os desafios às engenharias dos grupos de comunicação partem do encurtamento dos ciclos tecnológicos. Isso engloba melhoria na condição das transmissões e maiores comodidade e mobilidade ao consumidor de informação e entretenimento. Vídeos sob demanda e investimentos na qualidade do sinal da emissora estão em pauta, segundo o engenheiro Paulo Rabello, diretor da área de Engenharia de Projetos da TV Globo. Em palestra na PUC, na última Mostra PUC, em agosto passado, ele afirmou:

– Alta definição é coisa do passado. Na Globo, estamos testando as tecnologias de definição 4k e 8k, até hoje utilizadas apenas nas telas gigantes de cinemas. Queremos adaptá-las aos nossos equipamentos e produtos em sete ou oito anos. Outra aposta é a na mobilidade: o Brasil só é batido pelo Japão nessa área. Qualquer um pode assistir à programação dentro de um ônibus, por exemplo, no seu celular ou smartphone. A intenção é melhorar a qualidade desses acessos.Arquivo Portal

Rabello também apontou a base para o sucesso nestes desafios: a interação sólida entre as empresas e as universidades de engenharia, cada vez mais requisitadas. Ele enumerou todas as áreas da profissão utilizadas pela emissora e mensurou as oportunidades aos jovens engenheiros nesse filo do mercado de trabalho.

– Por ser uma empresa de comunicação e entretenimento, poucos veem quanta engenharia há por trás das câmeras da Rede Globo. Abrangemos muitas áreas da engenharia: computação, de controle e automação, elétrica, eletrônica, mecânica, de produção e de telecomunicações. Ao jovem que se identifique com a empresa, digo que estamos sempre à procura de talentos. Demandamos e absorvemos muita mão de obra. O mercado está muito aquecido. As empresas “brigam a tapa” pelos melhores profissionais – brincou ele.

O palestrante expôs o que o mercado da engenharia televisiva espera dos profissionais: direcionar a tecnologia para os produtos e processos produtivos.  

– Trabalhando nesse nicho, seja qual for sua área, o engenheiro deve garantir diferenciação e padrão de qualidade ao produto através do direcionamento tecnológico. Passa por ele até mesmo desenvolver novos modelos de negócio que captem os recursos necessários às inovações – aconselhou Rabello.

* Colaborou João Pedroso de Campos.