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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


País

Jovens no alvo no mapa da violência por armas de fogo

Rodrigo Serpellone - Do Portal

12/04/2013

 Arte: Marianna Fernandes

Uma em cada três mortes de jovens é ocasionada por armas de fogo, e mais da metade das vítimas de armas no país é jovem, aponta estudo do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). De acordo com o Mapa da Violência 2013: Mortes Matadas por Armas de Fogo, entre os 799.226 brasileiros mortos por tiros entre 1980 e 2010, 56,3% (450.255) tinham entre 15 e 29 anos. O estudo foi divulgado na semana em que se completaram dois anos do massacre na escola Tasso da Silveira, em Realengo, quando o revólver de Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, tirou a vida de 12 adolescentes.

 Arte: Cynthia Salles Entre 1980 e 2010, período observado na pesquisa, enquanto a taxa de óbitos de “não jovens” (menores de 15 anos e maiores de 29 anos) subiu de 3,5 a cada 100 mil habitantes para 10,7 (aumento de 7,2%), a de jovens subiu de 9,1 para 42,5 (aumento de 33%, ver gráfico ao lado). O pico de mortes é de jovens de 20 e 21 anos, respectivamente 56,3 e 56,4 mortes a cada 100 mil. A faixa etária em que houve crescimento mais preocupante foi entre os 15 e 17 anos: de 18,3 para 43,9 mortos por 100 mil pessoas (gráfico abaixo).

Segundo o sociólogo Luiz Antonio Machado, autor de Vida sob cerco Violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro, este problema se dá por dois fatores: a exclusão do mercado de trabalho e a “afoiteza” da juventude:

– A falta de boas chances de inserção produtiva é uma das razões do envolvimento do jovem com o crime violento, além do fato de que, em nosso mundo, a juventude seja um momento propício para a afoiteza das ações, de modo que a revolta pode ajudar essa explicação.

Outra grande discrepância aparece na relação de cor ou raça. Em 2010, 10 mil brancos morreram por armas de fogo, enquanto o número de óbitos negros foi de 26 mil. Ou seja, morreram proporcionalmente 133% mais negros. No Rio de Janeiro, a proporção é de 2.733 negros ou pardos mortos para 1.312 brancos, diferença de 90,9%.

O organizador do estudo, o sociólogo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, acredita que a diferença de ordem socioeconômica entre as raças criou um processo de privatização da ordem pública:

– A população perde a confiança na capacidade repressiva do Estado. Por isso, aparecem empresas que oferecem segurança para quem paga. Como os brancos têm mais condições, podem pagar – afirma o sociólogo, para quem a mídia também corrobora com esta situação “ao noticiar mais sobre a violência contra as classes ricas, que acaba sendo aquela em que o governo mais foca suas ações”. Arte: Cynthia Salles

O Rio de Janeiro era apontado como o estado mais violento do país em número de mortes por armas de fogo em 2000: 47 a cada 100 mil pessoas. Após uma década, a taxa caiu para 26,4 e o estado passou a ocupar a 7ª posição do país, empatado com o Paraná. Em 2010, Alagoas foi o mais violento, com 55,3 a cada 100 mil. Já a capital fluminense passou de 53,7 em 2000 para 23,5 em 2010. O número de homicídios por arma de fogo caiu de 3.144 para 1.486 dez anos depois, uma redução de 52,7%. Entre as capitais, Boa Vista tem a menor taxa de homicídios (7,4 a cada 100 mil habitantes), e o Rio aparece em 9º lugar. Maceió é a mais violenta, com 94,5 a cada 100 mil.

Nesta quinta-feira, o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio divulgou que em fevereiro o número de homicídios caiu ao menor índice para o mês desde 1991, quando se iniciou a série histórica. Foram 359 assassinatos, 6,2% a menos em relação a 2012. Comparado a fevereiro de 1995, quando houve 814 assassinados, a diferença supera 50%. Em dezembro e janeiro passados, o estado tinha registrado altas de 13,3% e 20,6%, respectivamente.

Luiz Antonio Machado, membro do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu), da UFRJ, atribui o avanço do Rio à implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs):

– A política de manutenção da ordem pública carioca teve, inquestionavelmente, forte impacto na redução da letalidade provocada pelos confrontos armados entre os bandos de traficantes e entre estes e a polícia.

O número de vítimas por armas de fogo nas capitais representa 34,8% do total nacional, apesar de estas cidades, segundo o Censo de 2010, somarem apenas 23,8% da população brasileira. Mas a queda do número de mortes por armas de fogo nas capitais foi maior que nos estados: 14,6%, contra 1%.

Um dos fatores, segundo os especialistas, é a diminuição do número de armas no Brasil. Dez anos após a sanção do Estatuto do Desarmamento, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um estudo do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) publicado neste mês revela que o número de armas de fogo compradas no país caiu de 57 mil para 37 mil entre 2003, ano da criação do estatuto, e 2009, uma queda de 35,7%. Além disso, o médico Mario Monteiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas das Violências (NPV), da Uerj, crê que outros fatores contribuíram para isso:

– A campanha de desarmamento colaborou com a redução dos casos de agressão com arma de fogo, mas outros fatores, como a redução do desemprego, a melhoria na qualificação para o trabalho de jovens que iniciam sua vida economicamente ativa e as políticas de redução da miséria e da pobreza, são condições que diminuem a criminalidade e, consequentemente, as agressões com armas de fogo.

 Reprodução No entanto, o organizador do Mapa da Violência, Julio Waiselfisz, adverte que a situação ainda é alarmante:

– A melhora não foi tão significativa quanto pode parecer. O Brasil conseguiu parar essa espiral de crescimento da violência que havia na década de 80 e 90. Mas, fazendo analogia com um hospital, o paciente ainda está na UTI.

A UTI, neste caso, é representada pelos 38.892 óbitos por armas de fogo no Brasil em 2010 (346,5% mais que no ano de 1980, quando foram registradas 8.710 mortes), levando o país à 9ª posição do ranking mundial de mortes deste tipo e ultrapassando o número de vítimas da Guerra do Golfo e do conflito entre Israel e Palestina, por exemplo. Países superpopulosos como China e Índia também são superados. A taxa brasileira de 20,4 mortos a cada 100 mil habitantes é superada por El Salvador (50,4), Venezuela (49,5), Guatemala (39,4), Colômbia (37,8), Iraque (27,7) e Panamá (20,7).

O fato de que boa parte dos países no topo do ranking está na América Latina se dá por dois motivos, de acordo com Julio Waiselfisz: a “cultura da violência” no continente e a falta de pesquisas sobre o tema nos países da África Subsaariana. Ele acredita que os conflitos étnicos da região poderiam liderar as estatísticas de mortes por armas de fogo.

Nos Estados Unidos, onde ataques a universidades e escolas são eventuais, a taxa é de 10,3 mortes, e o país ocupa a 16ª posição no ranking, sete abaixo do Brasil. Por lá, o problema maior é o suicídio. Segundo o Centro de Controle de Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, das 31 mil mortes por armas de fogo no país norte-americano, cerca de 19 mil acontecem por suicídio, o que representa 67% dos óbitos deste tipo.

Desde dezembro de 2012, quando um atirador matou 26 pessoas em uma escola em Newtown, o assunto voltou com força ao debate nos EUA. Em janeiro deste ano, o presidente americano Barack Obama anunciou um pacote de propostas de controle ao acesso de armas no país. O conjunto de 23 ordens de Obama, entre elas a checagem de antecedentes dos compradores de armas, tramita no Congresso, com frequentes apelos do presidente para sua aprovação.

O estado de Connecticut, onde ocorreu o massacre de Newtown, aprovou na última quinta-feira, 4, as leis mais rígidas dos Estados Unidos em relação à compra e venda de armas de fogo, e, se o governador Daniel Malloy as assinar, será o terceiro estado americano a sancionar leis deste tipo.