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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cidade

Minhocão,um prédio movido a folclore e solidariedade

Fernanda Ralile - Do Portal

14/07/2008

Se oferecessem um apartamento dúplex de três quartos, sala, cozinha e banheiro, com uma enorme lavanderia, ginásio para eventos e campo de futebol, numa área nobre da cidade por R$ 550 mensais, você aceitaria? E se revelassem que o tal apartamento faz parte do Minhocão, você ainda toparia a tentadora proposta? Cercado de histórias e preconceitos, o Conjunto Habitacional Marquês de São Vicente é para muitos uma interrogação, um elemento da Gávea sobre o qual pouco se sabe. A reportagem do Portal PUC-Rio Digital foi até lá conhecer um pouco mais do pitoresco prédio. Em um dia de visita, agradáveis surpresas ajudaram a desmistificá-lo.

Ao chegar, esperava-se o barulho ensurdecedor dos carros que passam diariamente pelo túnel sob o condomínio, ligação entre Gávea e São Conrado. Em vez disso, ouvou-se um delicioso ruído do vento e canto dos pássaros. Cercado pela mata aos pés do Morro Dois Irmãos, o Minhão recebe a vista esporádica de pequenos macacos. Prevelace um ambiente bucólico.

- Aqui tem mico, galinha, lagarto, gambá e até cobra nós já vimos - conta Sandra Azevedo, que mora no prédio há 27 anos.

 
Nos primeiros andares ficam pequenos apartamentos com sala, banheiro e uma pia instalada que se passa por cozinha. Variam de 25m² a 30m². Os duplexs, instalados no quarto e no sexto andares, medem em torno de 45m². Se há vinte anos era difícil passar um apartamento, hoje é quase impossível achar um disponível para compra ou aluguel - cujos valores oscilam entre R$ 450 e R$ 800, no caso de apartamentos já mobiliados.

Moradores juram fidelidade ao “paraíso”. Vilma Ferreira, que vive lá há 40 anos, teme a possibilidade de ir para outro lugar. “Aqui eu me sinto segura”, justifica. 

O imenso prédio instalado na Gávea foi construído para transferir os moradores dos Parques Proletários que nos anos 40, por ordem da Prefeitura, foram expulsos das favelas. O projeto original de Affonso Eduardo Reidy previa a construção de 748 apartamentos, creche, escola, playground, mercado, lavanderia, posto de saúde, igreja, teatro, campos de esportes, administração e um departamento de serviço social. Só o bloco principal, as lavanderias e o posto de saúde efetivamente saíram do papel. O campo de futebol e o ginásio usado como salão de festas foram doados por uma ex-vizinha, que morava no luxuoso condomínio ao lado.  

O complexo de 308 apartamentos reúne 1.500 pessoas. O condomínio de R$ 120 inclui serviços de porteiro, segurança, limpeza e entrega do correio. Dois funcionários ajudam Leila Lopes, síndica há nove anos, na administração do Conjunto Habitacional. O cargo já virou caso de polícia, lembra a administradora:

- Quando venci as eleições pela primeira vez, meninos encapuzados me ameaçavam, diziam que eu não seria a nova síndica. Tive de chamar a polícia.

Orgulhosa, Leila incorpora aos afazeses de síndica habilidade de mãe, psicóloga, "de tudo um pouco":

- Qualquer coisa que aconteça, seja o marido brigando com a mulher ou o que for, ‘chama a Leila! ’”.

Apesar de conflitos ocasionais, ela assegura que o Minhocão é uma grande família. Todos se ajudam, se falam, se visitam. Como não há interfone, predomina um ‘sistema de portas’: enquanto a porta da casa está aberta, vizinhos e visitantes são bem-vindos; quando se fecha, visita só entra em caso de emergência.

Intimidade é algo que os moradores se acostumaram a dividir. As lavanderias são comunitárias e pequenos serviços são feitos entre eles. Enquanto uma faz o cabelo das meninas, a outra vende balinhas. “É bom porque ainda ganho um dinheirinho extra”, anima-se Sandra. Uma solidaridade capaz de subverter a lógica de mercado:

- Pode me dar uma mansão no subúrbio, mas eu não saio daqui de jeito nenhum - diz Sandrinha, como é chamada.