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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


País

Jesuítas evocam formação imune à onda midiática

Vítor Afonso - Do Portal

27/03/2013

 Arte: Nicolau Galvão

A consagração do jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio como o novo líder da Igreja Católica ungiu a Companhia de Jesus de um momento especial na sua história. Com a tarefa de cumprir as missões confiadas pelo Vaticano, os jesuítas se apresentam em campos de discussões complexas, como no diálogo entre a fé e a ciência. Ao pendor missionário e ao rigor intelectual, somam-se o mundo de olhares capturados pela simplicidade de olhares do papa Francisco, agora o mais ilustre "soldado de Jesus". A perspectiva de novos ventos trazida pelo primeiro pontífice sul-americano tende se estender à ordem fundada por Inácio de Loyola em 1534, aportada no Brasil um século depois e cuja formação conserva a essência original.

Apesar da perda no número de membros nos últimos anos, a ordem tradicionalmente ligada ao ensino é a mais numerosa do universo católico. Soma aproximadamente 18 mil sacerdotes em 130 países, cerca 600 deles no Brasil. O ritmo de redução da quantidade de jesuítas vem caindo – a exemplo do que aponta o Censo 2010 em relação ao volume total de católicos, hoje equivalente a 64,6% da população. Segundo o padre Luís Corrêa Lima, professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, a desaceleração da queda indica uma "natural estabilidade".

– Pelas projeções, nos próximos 30 ou 40 anos a quantidade de membros da Companhia deve se estabilizar em um número menor. Todas as congregações religiosas tiveram um declínio grande depois do Concílio Vaticano II – pondera.

Ele duvida de que o papa jesuíta torne-se uma vitrine capaz de impulsionar o volume de adesões. Na avaliação do padre Corrêa Lima, a escolha de Bergoglio representa um “bem geral da Igreja” e não uma “valorização da Companhia”:

– Não consigo observar um favorecimento especial para os jesuítas com a escolha do novo papa.

O professor da PUC-Rio também considera improvável mudanças significantes na formação dos novos jesuítas, cuja etapa final concentra-se em Belo Horizonte. Lá ele se formou em 1994, nove anos depois de ter ingressado na Companhia. Corrêa Lima recorda, com especial carinho, o retiro de 30 dias “onde se busca a vontade de Deus” e outras experiências marcantes para o “crescimento humano”:

– Passei um mês trabalhando em hospital, cuidando de pacientes e levando falecidos para o necrotério. Tive também experimentos de inserção, vivendo em ambientes pobres, onde tomava banho em rios e fazia necessidades no mato.

Ordenado padre, Lima viveu, na chamada terceira aprovação, outra passagem marcante de uma formação que “possibilita o convívio com ambientes muito diferentes”:

– Participei, no Chile, de uma procissão marítima em homenagem a São Pedro. Fazia -7º C. Estava todo encasacado, mas todo mundo cantava com alegria.

O mar sempre foi fonte de alegrias para Corrêa Lima, que descobriu o surfe na adolescência. Arpoador e as praias da Zona Oeste são seus pontos abençoados. Um hábito, diz ele, absolutamente fiel aos princípios jesuítas, baseados na “vida comum”:

– O jesuíta busca inserção. Queremos estar no mundo, em ambientes não apenas eclesiais. É um horizonte que enriquece.

“A formação não é muito diferente do meu tempo”, compara Lima

 Nicolau Galvão Criada na Universidade de Paris, em 15 de agosto de 1534, a Companhia de Jesus sempre foi muito atuante nas missões da Igreja Católica e na educação. Segundo o padre Luís Corrêa Lima, apesar do longo tempo de trabalhos da Companhia, os métodos de formação mudaram pouco, pois estão “na constituição de Santo Inácio”. Ele explica como as etapas de estudos são feitas no Brasil:

– O noviciado (etapa inicial) era em Cascavel, no Paraná, e agora será em Feira de Santana, na Bahia. Depois nós temos um ou dois anos de estudos humanísticos no Recife, na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Finalizando a formação, são dois anos de Filosofia e três anos e meio de Teologia e em Belo Horizonte. Entre os dois cursos nós temos um estágio de um ano para realização de trabalhos pastorais.

Os estudos de Lima ultrapassaram as fronteiras da Companhia. Ele conta que, antes de ingressar no seminário, cursou Administração na Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo. Mas a vocação para o sacerdócio, esclarece, já havia apontado aos 16 anos. Foi consumada seis anos mais tarde, quando seguiu para o seminário. A relação com o mundo jesuítico começou, entretanto, bem antes:

– Eu estava na 8ª série, e pude escolher onde iria fazer o Segundo Grau. Quis estudar com os jesuítas e fui para o colégio São Luís, em São Paulo. Neste contato com os jesuítas, decidi ser padre.

A vocação missionária já dava sinais na infância em meio à família católica. Quando leu pela primeira vez a Bíblia, recebeu uma “espiritualidade incrível”:

– Fiquei fascinado com o Sermão da Montanha e com o Novo Testamento – lembra.

Padre Jesus Hortal destaca as vivências na Companhia

O ex-reitor da PUC-Rio e também professor do Departamento de Teologia padre Jesus Hortal também acredita que a consagração do jesuíta Mario Bergoglio, com quem estudou, não despertará mudanças significativas na ordem. A exemplo de Corrêa Lima, padre Hortal destaca, na formação dos jesuítas, o casamento entre o rigor intelectual e as experiências humanitárias.

Antes de ingressar na Companhia de Jesus, em 1950, o ex-reitor da PUC cursou Direito na Universidade de Salamanca, na Espanha, sua cidade natal. Somaria-se à bagagem acadêmica vivências como lavar os pratos e o chão, e tarefas que permitiram uma maior “apreciação das pessoas”:

– Ajudei no hospital provincial de Salamanca, durante o meu noviciado. Após finalizar os estudos, realizei a chamada terceira aprovação, uma repetição do noviciado já como padre, e fiz um exílio especial para pessoas com deficiências muito sérias.

 Nicolau Galvão Vencidos os anos iniciais na Companhia, Hortal consolidou os estudos filosóficos inerentes a um jesuíta. A primeira oportunidade de aplicar a formação densa e a missão humanista veio em Trujillo, hoje Santo Domingo, capital da República Dominicana. Ele revela que fez “um pouco de tudo” no país:

– Trabalhei em um colégio e fiz várias coisas, como lecionar Geografia e ajudar no recreio dos jovens.

Do estágio na República Dominicana, padre Hortal veio para o Brasil, em 1958, estudar Teologia em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Já ordenado sacerdote, voltou para a Europa, onde estudou alemão e concluiu um doutorado:

– Fui para o sul da Alemanha, em 1963, onde ninguém falava uma palavra em português ou espanhol. Depois, em 1964, como eu já estava destinado a ser professor, me enviaram a Roma para fazer meu doutorado.

A incursão acadêmica de padre Hortal deriva da opção, forjada na infância, pela Companhia:

– Quando eu era criança, frequentava uma Congregação Mariana, associação dirigida pelos jesuítas. Quando tinha mais idade, durante o curso de Direito, decidi realmente que seria um jesuíta.

Mensagem de simplicidade é bem recebida

Gerações diferentes da Companhia de Jesus, os padres Jesus Hortal e Luís Corrêa Lima convergem sobre a escolha do papa Francisco. Hortal, colega de estudos do novo pontífice em 1974, em Roma, ficou "alegre" com a consagração de um cardeal que se “notabilizou por ser extremamente hábil na condução de negociações”. Já Lima ressalta a alusão à simplicidade no comando da Igreja:

– O nome "Francisco" remete à simplicidade de vida, despojamento, amor à natureza e desejo de reformar a igreja. Se ele honrar esse nome, se sairá muito bem.

Lima lembra, contudo, que a escolha de um membro da Companhia para o papado é algo “excepcional”:

– O jesuíta só pode aceitar ser bispo com a licença do superior geral. Não é muito comum termos jesuítas bispos e, com isso, é ainda menos provável que algum seja escolhido papa.