Paulo Rubens* - Do Portal
22/03/2013Para inicio de conversa, confesso uma ponta de inveja em relação a esta profissional da fotografia,
Tatiana Altberg, que vislumbrou uma possibilidade inusitada e absolutamente genial de trabalhar ao mesmo tempo duas áreas importantes do saber com uma moçada da favela da Maré. Ela uniu a leitura de um clássico de nossa literatura com uma prática moderna e motivadora para a turma jovem, que é a fotografia. Como professor de fotojornalismo, já inventei muitas maneiras de motivar meus alunos e já tive alunos de áreas carentes, como esses que a Tatiana envolveu fazendo imagens que lembrassem a época de Machado de Assis. Portanto, tiro o meu chapéu para a ideia brilhante
de usar uma técnica fotográfica rústica como a de pin hole para conseguir um feito extraordinário: produzir imagens feitas atualmente mas com a cara e o clima do que seria o fim do século XIX, quando Machado circulava pelas ruas da cidade.
Penso que, antenados na obtenção destas fotos, particularmente divertidas de fazer, os jovens da Maré ganharam um outro gás ao ler histórias escritas por Machado e buscar nelas alguns locais que se parecessem com os que tivessem sido citados nos textos. É, sem dúvida, uma boa estratégia para botá-los para ler.
Agora, o maior acerto Tatiana teve ao produzir as imagens desta maneira em que a turma precisou fazer suas próprias câmeras, usando materiais fáceis de se encontrar, como latas e caixas de fósforo. Isso desmistifica a percepção de que fotografia é coisa cara e cheia de complexidades técnicas. Acho que a meninada deve ter se divertido muito com a construção destas câmeras tão simples.
A proposta de sair à cata de lugares citados nos textos do Machado que ainda possam se parecer com aquela época, e fotografá-los, envolve uma busca tipicamente jornalística. Ao deslocar a turma dos ambientes de seu dia a dia, a inciativa os coloca em contato com a geografia de uma cidade até então inacessível para eles inacessível. Nesta busca, os jovens se formam e, ao mesmo tempo, produzem informação.
As fotos que vi deste projeto são surpreendentes por resgatar um clima que reproduz fielmente os dias e a época do fiml do século retrasado, sendo feitas nos dias de hoje, quando inúmeros sinais modernos, como fiação elétrica, cartazes colados nas paredes, tirariam totalmente este glamour nostálgico. É que as latinhas e caixas de fósforos onde as imagens se projetam e são gravadas na prata dos filmes e papeis fotográficos, por serem artigos tecnicamente rústicos, geram projeções das cenas externas, tendo a luz que passar por um furinho de agulha. Disto resultam imagens cujas imperfeições se parecem com as das fotografias da época de Machado de Assis. Assim, nos
levam a vê-las como antigas. Absolutamente genial.
* Paulo Rubens é professor de fotojornalismo da PUC-Rio.
Jovens da Maré se descobrem ao unir fotografia e literatura
Bojunga: Estado Islâmico recruta a força pela internet e se espalha
Boicotes e adiamentos: a conta do desperdício no Congresso
Depois do ajuste, há um longo caminho até o "Final Feliz"
Traços como campanha negativa americanizaram nossas eleições?
Monitoramento digital se propaga nessa corrida pelo voto
Lições da guerra que assombra a memória da humanidade como pesadelo de efeitos duradouros