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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


Saúde

Vírus corporativo se espalha pelo mercado de trabalho

Mariana Totino - Do Portal

21/03/2013

 Arte: Marianna Fernandes

Dados do Ministério da Previdência Social mostram que doenças no trabalho são o maior motivo de afastamentos e têm gerado gastos crescentes que, desde 2001, ultrapassam a marca anual de R$ 1 bilhão. Em janeiro de 2013, quase metade dos 383.027 benefícios concedidos no país a pessoas afastadas temporariamente do trabalho (excluindo as aposentadorias) foi de auxílios-doença: 189.494 (gráfico abaixo). Foram distribuídos em 2012 mais de 5 milhões de benefícios, um aumento de 12,3% em relação ao ano anterior, ao custo de R$ 4,9 bilhões.

Problemas de saúde relacionados a transtornos mentais e comportamentais aparecem entre as três maiores causas de afastamento por incapacidade temporária do trabalhador. Em primeiro lugar estão problemas de coluna e articulações e, em seguida, lesões como fraturas, traumatismos, ferimentos e intoxicações. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças, são considerados transtornos mentais episódios relacionados a quadros de estresse, depressão e uso de drogas. Em 2011, esses males foram responsáveis por 211.080 afastamentos e 16.100 aposentadorias por invalidez.

Especialistas apontam como causas dos males ligados à saúde mental aspectos como ambientes e atividades inadequados, altas demandas de trabalho, falta de garantia de emprego e salários insatisfatórios. Para o especialista em Psicologia Social e professor da UFRJ João Batista Ferreira, a atual organização do trabalho, baseada em situações de alta competitividade, em relações pouco humanizadas e na produtividade como um fim em si mesma, torna-se fator gerador de sofrimento:

 Arte: Maria Christina Corrêa – Não é que as pessoas estejam mais sensíveis; a condição, a organização e as relações do trabalho é que estão mais patogênicas. O adoecimento não acontece da noite para o dia. Na verdade, ele acaba aparecendo como uma forma de resistência, algo construído ao longo da vida profissional. Com o aumento da competição, surge um quadro de individualismo e de fragmentação do coletivo, uma das marcas do trabalho contemporâneo. Diminui-se a mobilização, a articulação e a cooperação entre as pessoas, consequentemente, o trabalhador não consegue dar voz a situações de sofrimento – afirma Ferreira.

Fatores de caráter subjetivo somam-se aos riscos que podem ser intrínsecos ao ambiente corporativo sejam de ordem fïsica, química, biológica ou ergonômica.

– A insatisfação com o trabalho gera, principalmente, sintomas ligados a problemas do humor (depressão ou episódios depressivos) e a transtornos ansiosos (que podem gerar insônia, taquicardia, irritabilidade, picos hipertensivos, doenças cardíacas), além de doenças de estômago, enxaqueca, mudança de hábitos intestinais e quadros alérgicos, como psoríase e asma – exemplifica o médico do trabalho Alvaro Martins Rodrigues, coordenador do Serviço de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho da PUC-Rio.

O professor da Unicamp e especialista em Saúde Corporativa José Roberto Heloani cita, ainda, uma situação que ilustra bem o cenário atual de alta competitividade: processos seletivos em que centenas de candidatos capacitados concorrem a uma vaga de emprego.

– A própria forma de organização do trabalho estimula a competição, que é tanto interna como externa ao ambienteorporativo. Há um sentimento de angústia recorrente. Pessoas que nunca tiveram males como a síndrome do pânico (cuja origem está numa angústia constante), por exemplo, são levadas a desenvolver essas patologias – afirma.

João Batista Ferreira, professor da UFRJ, explica que, quando a pessoa é afastada do trabalho por uma doença que tenha significância estatística no ramo econômico a que pertence o seu empregador, o caso é automaticamente definido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como acidente de trabalho. Desde 2007, estatísticas relacionadas com cada ramo de atividade passaram a contribuir para a classificação da natureza da incapacidade do trabalhador, seja relacionada à função desempenhada ou mero impedimento. Em ambos os casos, o contribuinte tem o direito de receber remuneração durante o tratamento.

Profissões mais estressantes

O professor da UFRJ lembra ainda que pesquisas têm indicado as profissões mais estressantes. Nos Estados Unidos, militar, bombeiro, piloto de avião, executivo de relações públicas, fotojornalista, repórter, taxista e policial estão entre as profissões mais estressantes apontadas em ranking da CareerCast.com.

– Pesquisas brasileiras mostram professores e operadores de telemarketing entre as profissões mais estressantes, além de bancários, enfermeiros, jornalistas e policiais. É difícil comparar, por exemplo, operadores de telemarketing a professores de Ensino Médio, que passam por uma situação de absoluta precarização das condições de trabalho.

João Batista destaca a importância de saber o contexto em que a pesquisa foi realizada e os critérios utilizados. Ele ressalta que as listas de “melhores empresas para trabalhar” analisam quesitos específicos, e avaliações de empregadores devem ser abrangentes e permanentes, a fim de buscar efetivas melhorias nas condições de trabalho. A setorização, aspecto marcante em grandes empresas, pode refletir a desigualdade de condições dentro de um ambiente corporativo.

– Empresas com certificação também têm problemas, pois essas identificações tendem a ser específicas. Uma empresa considerada entre as melhores para trabalhar, sob o ponto de vista de uma auditoria específica, pode apresentar inadequações quando analisada em relação à extrapolação da jornada de trabalho ou ao assédio moral coletivo. Portanto, cada iniciativa deve ser analisada especificamente para que não se corra o risco de um belo discurso não corresponder à prática da instituição. É comum, em algumas empresas, identificar setores em que muita gente quer trabalhar e outros que todo mundo quer fugir dali.

O especialista aponta também uma tendência comum em centrar as causas para adoecimento no próprio indivíduo. Quando isso acontece, o trabalhador é forçado a se adaptar a condições que podem não ser as ideais. Para a superintendente de Recursos Humanos da PUC-Rio, Marisa Espíndola, o funcionário também deve se conscientizar de que é responsável pela própria saúde.

Professores e médicos mais sujeitos ao estresse

Segundo a pedagoga, psicóloga e jornalista Sandra Korman, professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, o adoecer fïsico está ligado não só ao adoecer psíquico como à impossibilidade de envolvimento afetivo com o trabalho:

– A história de vida ainda passa pela trajetória profissional. Mas o trabalho não é tão visto como algo que aciona a emoção. As pessoas entram em uma corrida cega, não sabem aonde estão indo ou por que estão caminhando. Na nossa sociedade cada vez mais competitiva, em que ideais de ego são propagados, é importante não só conquistar, como também aparentar.

Sandra menciona a Síndrome de Burnout, forma de estresse caracterizada pelo esgotamento e cansaço permanente. Profissionais de saúde e de educação estariam mais dispostos a desenvolver a síndrome. Entre os sintomas estão a aversão ao objeto de trabalho e a sensação de que a função desempenhada não tem importância, além de irritabilidade, isolamento, alteração de humor, lapsos de memória, ansiedade, depressão, pessimismo e baixa autoestima.

– As carreiras mais atingidas por esses males são aquelas em que o fruto do trabalho é difícil de mensurar, e há pouco reconhecimento. Na educação, por exemplo, a demanda dos profissionais é muito maior do que os recursos disponíveis.

Pesquisadores da doença, que é estudada há cerca de 15 anos no Brasil, identificaram que os profissionais mais altruístas são os que mais sofrem do mal, pois esperam reconhecimento também por meio das relações interpessoais.

Heloani, que mantém o site assediomoral.org, pondera que o estresse faz parte da vida, mas, no momento em que ele se torna crônico, passa a se manifestar em desgaste físico. O site divulga informações sobre assédio moral e sexual corporativo, e tem como objetivo despertar a reflexão sobre “uma realidade que está levando pessoas a, inclusive, chegar à conclusão radical de que não vale a pena viver”.

– As pessoas estão começando a ter um pouco mais de consciência, mas isso não quer dizer que tenham força para alterar a lógica desse mundo. Quando isso acontece, alguma coisa está errada – diz Heloani.

“O trabalho deve estar contido no projeto de vida”

Para Sandra Korman, o trabalho está cada vez mais afastado de um projeto de vida, embora seja uma importante ferramenta para alcançar conquistas e idealizações. Ela acredita que há falta de prazer e que as pessoas não conseguem identificar sentido no que fazem:

– A pergunta não deve ser “O que você gosta?”, e sim “Para que se inserir?” ou “O que você quer fazer na área em que está se formando?”. As pessoas acham que o trabalho por si só as tornarão bem-sucedidas como Gisele Bündchen.

Buscando vantagens para se lançarem na acirrada competição, cada vez mais pessoas optam por cursos de especialização, pós-graduações. O que, segundo Roberto Heloani, não garante boa colocação no mercado de trabalho:

– Ter uma faculdade ou até uma especialização não é garantia, mas acabemos fazendo uma especialização para não termos a sensação de impotência, um sentimento de culpa.

Como alinhar o trabalho à saúde

Movimentos como o Slow Food e seus variantes, como o Slow Science, que pregam a quebra do ritmo acelerado da vida, quando ligados ao ambiente corporativo, poderiam conduzir a uma mudança lenta e gradual em direção a um questionamento de valores.

– Seriam importantes principalmente para promover uma auto-gestão de carreiras. Medidas como disponibilizar terapias antiestresse acabam funcionando como paliativos: se o trabalhador está na maior parte do tempo exposto a condições estressantes, não serão esses momentos proporcionados que resolverão o problema do mal-estar – afirma Sandra.

Medidas para que o trabalho seja sinônimo de saúde:

- Otimização e humanização do espaço físico;
- Integração entre a equipe e sua chefia;
- Motivação das pessoas envolvidas;
- Valorização do funcionário;
- Gerência participativa, confiança e respeito mútuos;
- Clareza das metas a serem alcançadas;
- Promoção de cursos de reciclagem profissional;
- Buscar qualidade de vida, trabalhar na profissão que escolheu e saber dividir bem o seu tempo entre trabalho / família / estudo / amigos / descanso / atividades fïsicas;
- Entendimento dos gestores que todos somos humanos, portanto falíveis;
- Estabelecer parcerias com os departamentos de RH e Psicologia para motivação da equipe como um todo e incentivo para o desenvolvimento individual;
- Investir em novas formas de trabalho com possibilidades de horários flexíveis e opção de trabalhar em casa (home office), desde que o tipo de trabalho assim o permita e o desempenho não seja prejudicado.

Fonte: Coordenação do Serviço de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho da PUC-Rio