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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Opinião do Professor

O café, a conta e a nota fiscal

Luciana Brafman*

13/03/2013

 Amanda Reis

Entre os muitos mistérios que tenta decifrar no Rio, o que mais intriga um amigo europeu diz respeito àquilo que não pedimos após o "cafezinho e a conta". Executivo, morador da cidade há dois anos, ele simplesmente não entende por que ignoramos o hábito de solicitar ao garçom a nota fiscal. Acostumado com as benesses sociais do Velho Continente (até a crise, pelo menos), tem um raciocínio linear e racional: quanto mais impostos o empresário recolhe, mais dinheiro o governo brasileiro tem para investir em saúde, educação, estradas, segurança... Sua lógica não permite entregar ao privado o que deveria ir para o público.

Após constatar que, das três mesas que pediam a conta ao nosso redor, nenhuma quis a nota, nos resta tentar explicar o enigma ao estrangeiro: 1) Arcamos, os brasileiros, com uma das mais altas e crescentes cargas tributárias do mundo, de 36% do PIB; 2) Enforcados pelos impostos, ainda assim não há garantias de segurança, estradas, escolas e hospitais públicos de boa qualidade; 3) Estamos cansados de ver a riqueza que produzimos escorrer pelo ralo da corrupção e do mau uso do dinheiro público. O europeu, no entanto, não se conforma, pois acredita que um simples pedido de nota fiscal tem o poder de desencadear um ciclo positivo a partir de maior conscientização e cobrança. É, pode ser. Não são poucas as mudanças que partiram recentemente de mobilizações populares. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, no campo político.

Na área econômica, a questão tributária e o destino dos recursos precisam mesmo de uma pressão, pois estão na encruzilhada do que deve ser o próximo passo da trajetória do país após a redemocratização dos anos 1980. Em meados da década de 1990, começamos a domar a inflação, cuja taxa média era de 764% ao ano, e temos conseguido, governo após governo, um significativo avanço socioeconômico, representado por ícones como a "nova classe média"." Taxas de desemprego ao redor de 5% e redução da miséria confirmam a escalada. Mas, agora, o novo capítulo que se escreve tem o título de Infraestrutura, que requer investimentos. O PIB de 2012 revela que a taxa de investimentos segue baixa, de apenas 18,1% do PIB, bem atrás de todos os Brics. Uma vergonha, pois, como sabe cada contribuinte, sobretudo nesta época de Leão, recursos não faltam. As notícias também são insistentemente reveladores do nó em portos, aeroportos, hidrelétricas... Sem falar na burocracia, outro delírio que assombra o amigo da Europa. Mauro Pimentel

Ao rodar por Nova York e Londres em busca de investidores estrangeiros para financiar um pacote de US$ 235 bilhões em infraestrutura, a equipe econômica se viu frente a frente com banqueiros e empresários céticos quanto à capacidade do país de tirar projetos do papel. Assim como a inflação foi a vilã de gerações de brasileiros, a péssima infraestrutura personifica agora a figura do Mal. Somente após vencer esta etapa, o Brasil terá um ambiente de negócios favorável.

A tática da nota fiscal me pareceu, de início, insuficiente. Até porque já é expressiva a soma de tributos paga pelos empresários. Mas o interessante é a oportunidade de mudar a cultura. A bandeira tem o peso da conscientização, com a pressão e a cobrança subsequentes. Afinal, se entendermos o cafezinho como símbolo da produção, e a conta como representação das despesas, a exigência da nota pode perfeitamente passar a simbolizar o retorno de nossos tributos, na forma de investimentos. A outra opção é esperarmos, sentados, pelo governo.

* Luciana Brafman é jornalista, economista e professora do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Este artigo foi publicado na seção Opinião de O Globo (12/3/2013).