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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


País

Especialista alerta: "As prisões estão fora de controle"

Gustavo Coelho - Do Portal

02/07/2008

As penitenciárias brasileiras saíram do controle do Estado. O modelo está falido, sem perspectiva de melhoras. O sombrio diagnóstico é da criminalista Elizabeth Sussekind, professora de Direito Penal da PUC-Rio. Secretária nacional de Justiça entre 1989 e 1992, Elizabeth dá aulas na universidade há 30 anos e pesquisa o sistema prisional brasileiro desde os tempos de estudante. Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, defendeu a implantação de prisões terceirizadas para combater a corrupção e a violência que assolam as penitenciárias. Para a especialista, há um círculo vicioso dentro das prisões, em que os criminosos mandam, os agentes penitenciários são submissos e o Estado não tem competência e interesse para mudar a situação.

- Como a senhora começou a estudar o sistema prisional brasileiro?

- Comecei a trabalhar no assunto quando era ainda estudante da PUC-Rio. Meu primeiro trabalho foi sobre o sistema prisional feminino no brasileiro. Estava no quarto período. Trabalhei intensamente nisso, me envolvi muito. Desde então, foco meus estudos nessa área.

- E os alunos? Eles também se interessam pelo assunto?

- Durante muitos anos, tanto aqui na PUC-Rio quanto nas outras universidades em que dei aula, levei alunos para ficar horas em penitenciárias. O objetivo não era visitar as partes que os administradores gostam de mostram, mas buscar uma visão lá de dentro. Infelizmente, no passado recente já não tenho feito isso. É muito perigoso e eu não quero me responsabilizar pelos alunos. Em meados da década de 90, quase que se precisava pedir licença aos grupos de presos que comandavam a penitenciária. 

- O sistema prisional brasileiro passou por várias transformações nas últimas décadas. Quais foram as mais significativas?

- A criminalidade dentro da prisão é reflexo do que acontece do lado de fora. Como a questão da violência foi saindo de controle do Estado, os presos também foram ficando intratáveis. Além disso, houve o que chamamos de “juvenização” da população carcerária. Na década de 70, a faixa etária média dos presos variava entre 21 e 29 anos. Atualmente, a maioria tem menos de 23. Os estabelecimentos menores incharam e houve uma inversão que eu considero delicada. Antes havia um sistema prisional com menos pessoas e mais controlado, com menos visibilidade por parte da sociedade. Os guardas eram brutais e nós condenávamos isso no nosso trabalho. Mas eles respeitavam o Estado, havia uma hierarquia. 

- Havia menos corrupção naquela época?

- Muito menos. Hoje em dia, por causa da corrupção, da falta de atenção e incapacidade do Estado e do Poder Judiciário, o sistema prisional tornou-se extremamente complexo. O agente prisional é muito mais um comparsa, um facilitador para os criminosos que lá estão. O preso tomou as rédeas do sistema prisional e faz o que quer. Ali é o seu mundo. Ele dita as regras e exerce sua autoridade até sobre o agente prisional. O preso financia o agente prisional, consegue tudo o que precisa para continuar sua carreira criminal. Usa celulares, telefones da administração, recebe drogas e armas.

- A senhora já visitou prisões no Brasil e no exterior. Alguma vez correu riscos lá dentro?

- Nunca, porque meus tempos de pesquisa são anteriores a essa perda de controle. Já fiquei sozinha com presos, estive em penitenciárias durante blecautes, entrei em quartos e cozinhas, mas ainda havia um controle. Era importante ter independência para fazer as pesquisas e as autoridades da época entediam isso. Não podia haver um guarda ou alguém da administração por perto, senão os presos não davam uma resposta sincera. Como sabiam que não seriam identificados, eram excelentes fontes de informação.

- A legislação brasileira é muito branda ao tratar dos presos?

- A falha do Brasil é que não há uma individualização da pena. A quantidade de criminosos e de julgamentos é muito grande e não dá para avaliar cada caso de uma vez. Para autorizr um preso a sair com um sexto da pena para visitar a família, é preciso ter certeza de que não representa mais o perigo de antes. As comissões montadas para julgar essas questões são muito falhas. Não há nenhum controle eficiente. O sistema prisional quer que os presos saiam para liberar vagas, já que as penitenciárias estão superlotadas.

- Quais são os critérios para saber quem pode sair?

- O principal critério é o bom comportamento. Ora, basta ao criminoso comprar o silêncio dos agentes prisionais. O preso nem precisa cometer os delitos porque manda outros no lugar. A penitenciária é cheia de drogados. Há um tráfico interno de drogas, liberado pela impunidade e pelas condições. Viciados ficam vendidos para os chefões. Prestam serviços sexuais, cometem assassinatos e assumem crimes dos outros como se fossem escravinhos mesmo. E os chefes se mantêm limpos. É por isso que às vezes sai um preso importante e as pessoas não entendem.

- A senhora já denunciou tais distorções várias vezes. Há perspectiva de solucioná-las?

- O mesmo acontece no sistema de corrupção das polícias, que é denunciado o tempo todo, mas nada muda. Não está entre as prioridades do Estado combater tudo que ocorre dentro das penitenciárias. Os agentes prisionais completam seus salários ridículos achacando. A corrupção está aí porque o Estado quer que ela esteja. O próprio Estado é corrupto. O Judiciário e o Ministério Público não dão conta de limpar toda essa sujeira. 

- As falhas se reproduzem nas instituições que abrigam menores infratores?

- Algumas são péssimas, outras são ruins. Já foram péssimas de modo geral. Hoje em dia há mais visibilidade. Por serem menores, o Estado toma mais cuidado. O jovem, pela idade e pela suposta inexperiência, ganha mais simpatia das pessoas. Na verdade, a sociedade não está nem aí para o que está acontecendo nas penitenciárias. Muita gente acredita que quanto mais cheias ficam as prisões, mais o Estado está sendo eficiente, porque está colocando mais criminosos lá dentro. E também quanto pior for a estada do preso na prisão, melhor, pois mais ele vai aprender. Isso não tem nada a ver, é senso comum, é opinião de bar. Não condiz com a realidade.

- Qual é o caminho para o saneamento do sistema prisional?

- Não há um manual. Há uma legislação que deveria ser cumprida e não é. Que foi pensada para ordenar o sistema, mas não é cumprida. Nenhuma solução para criminalidade começa e acaba na prisão. Para haver um mínimo de influência no sistema prisional, a corrupção, as carências e as desigualdades precisam ser reduzidas. Criar mais leis e punições mais fortes. O Estado precisa atender aos interesses da população, mas isso não acontece no Brasil. A criminalidade de colarinho branco é muito mais danosa ao país do que todos os assaltos e seqüestros juntos. Só que fica impune.

- Qual a expectativa que a senhora tem para as prisões nas próximas décadas? 

- O Estado precisa pensar em terceirizar parte do parque prisional. Os serviços seriam  terceirizados e Estado cuidaria da administração. Neste sistema, regras claras de comportamento são estabelecidas. Os presos recebem alimentação e roupa de cama, mas não podem praticar uma série de atos. São obrigados a trabalhar, senão saem dali. Além disso, também podem estudar, já que são oferecidas aulas de primeiro e segundo graus.

- Para desenvolver soluções, é preciso partir de um diganóstico cuidadoso. Que dianóstico a senhora faz do sistema prisional brasileiro?

- É um sistema falido. O Estado não domina as penitenciárias. As prisões estão fora de controle.