Publicada em: 01/07/2008 às 09:00
Mundo


Brasil não reconhece independência do Kosovo
Matheus Fierro

Quatro meses após o anúncio de independência do Kosovo pelo Parlamento da província sérvia, no dia 17 de fevereiro, o governo brasileiro ainda não se pronunciou. A demora para reconhecer a declaração unilateral é a comprovação de uma política histórica do Brasil de esperar por uma posição oficial das Nações Unidas. De acordo com especialistas, o Ministério das Relações Exteriores tem a característica de seguir o pronunciamento do Conselho de Segurança da ONU. Alguns estudiosos acreditam, no entanto, que a "indecisão" do Itamaraty pode ter um caráter estratégico.

Essa aparente indefinição, capitaneada pelo chanceler Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, é uma posição histórica que, segundo o próprio Ministério das Relações Exteriores, está acima da "política do dia-a-dia". A tradição legalista, ou seja, aquela em que os embaixadores brasileiros se apóiam na Carta das Nações Unidas para tratar de temas sensíveis ao Direito Internacional, é um procedimento independente dos governos que controlam o país. A tendência brasileira é de não se pronunciar até que haja uma pressão internacional que force uma decisão.

– Nesse caso [da declaração de independência], me parece ser mais uma questão de política externa brasileira do que uma decisão propriamente relacionada à situação do Kosovo – analisa a professora Eduarda Passarelli, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. – A grande explicação por trás da demora do Brasil não está na situação da província em si, mas sim na tradição do Itamaraty de respeitar a regra da soberania e da integridade territorial, assim levando ao pé da letra as normas de Direito Internacional que regem a sociedade dos Estados.

De acordo com a professora Eduarda, o Brasil "se esconde" atrás das leis internacionais para não contrariar potências como Rússia, China e Espanha que não têm planos de reconhecer a independência da província sérvia por causa de focos separatistas dentro de seus próprios territórios. "O Brasil não está pensando no Kosovo, ele está considerando a Resolução 1244 e o apoio dos países do Conselho de Segurança para uma possível votação de novos membros", explica a professora.

Em uma tentativa de angariar o apoio de países que esperam por uma decisão do Conselho de Segurança, o governo sérvio promoveu uma série de visitas de seu ministro das Relações Exteriores, Vuk Jeremic. O Brasil foi uma das primeiras paradas do chanceler da Sérvia, uma vez que representa o principal parceiro comercial do país na América Latina. Além disso, há possibilidades de cooperação entre as duas repúblicas nas áreas científica, tecnológica e de desenvolvimento de biocombustíveis – a Sérvia inaugurou recentemente uma usina produtora de biodiesel.

Em Brasília, o encontro com o chanceler Celso Amorim, no final de março, foi pautado pela reforma das Nações Unidas e do Conselho de Segurança e as relações do Brasil e da Sérvia com a União Européia, num apelo claro aos interesses brasileiros. Celso Amorim defendeu a cautela, argumentando que esta também tem sido a posição de vários países europeus: "Temos que analisar com cuidado, porque essas decisões mais tarde podem valer também para outras situações", afirmou o ministro em entrevista coletiva no Itamaraty. A declaração é um exemplo claro do posicionamento legalista brasileiro e de como o país teme perder o apoio dos principais opositores à independência do Kosovo.

A visão de que a situação da província sérvia possa abrir um precedente negativo é o principal temor de nações que lidam com grupos separatistas. Para o embaixador Gustavo Sénéchal, secretário da missão brasileira na ONU, em Nova York, a disputa na Sérvia é "uma questão nacional entre etnias kosovares e sérvias que ganhou visibilidade internacional apenas porque foi levada ao Conselho de Segurança".

O interesse internacional no assunto pode servir de plataforma para questões que convém à agenda brasileira. O professor Matias Spektor, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, acredita que a demora por posicionamento do Brasil também pode ser interpretada do ponto de vista político-econômico: como uma espera por um aceno das grandes potências por benefícios em troca de apoio oficial. Dessa forma, o Brasil receberia algumas vantagens e manteria sua posição pendular no cenário internacional.

– A importância do Kosovo é como a de um campo de batalha entre Rússia e Estados Unidos. As ambições externas do Kremlin acompanham o crescimento do poder econômico do país e o processo natural é que eles tentem reverter o quadro de decadência dos últimos 15 anos – pondera Matias. – O importante é analisar o problema e perceber como o Kosovo se conecta com outras questões de interesse do Brasil, já que o reconhecimento da independência não respeita as leis internacionais de soberania e não-ingerência.

Independente de receber vantagens ou não por sua posição, o governo brasileiro reconhece que não precisa esperar por uma declaração oficial das Nações Unidas. O conselheiro da missão brasileira na ONU Norberto Moretti ressalta, no entanto, que "as questões levantadas pelo Conselho de Segurança são consideradas importantes uma vez que a declaração unilateral de independência fere o Direito Internacional e o princípio de integridade territorial da Sérvia". Moretti lembra ainda que discussões no plenário das Nações Unidas são lentas, o que serve de justificativa para as especulações que vêm tomando o cenário da política externa.


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