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Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2024


Cultura

Madureira e Portela: amor azul e branco

Marcelo Alves - Da sala de aula

25/07/2008

 Marcelo Alves

“Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar”. Esse pequeno trecho da famosa música de Paulinho da Viola é a síntese do sentimento expresso por grande parte dos moradores de Madureira. A história do bairro se confunde com as de suas escolas de samba. Essa típica localidade suburbana conta com nada menos que três agremiações: a Portela, com 21 títulos no carnaval carioca; o Império Serrano, atual campeão do grupo de acesso; e a Tradição. Dessas escolas de samba, nasceram nomes que se misturam a própria biografia do ritmo mais famoso do país, como o patrono Paulo da Portela, os cantores Clara Nunes e Arlindo Cruz, além da eterna porta-bandeira Vilma Nascimento. Contudo, a “cara” do lugar fica por conta dos bambas da Velha Guarda da azul e branca.

Tendo nomes como o das simpáticas Doca e Surica, o grupo - encarado como “deuses do samba” - é, atualmente, liderado por Monarco. “Ainda estamos tentando nos recuperar da ausência do Manacéa”, dizem as descendentes do clã das tias que já foi liderado por tia Ciata, ao lembrar o compositor e autor dos sambas da Portela de 1948 e 49, além do conhecidíssimo “Quantas Lágrimas”, imortalizado nas vozes de cantoras como Marisa Monte e Zélia Duncan. Nascidas, criadas e moradoras de Madureira, chamadas de “monumentos vivos”, Doca e Surica são enfáticas ao definir o bairro como “uma maravilha para se viver”.

Feliz, tia Surica diz que esse ano só teve alegria. Portela e Império Serrano arrebentaram. “Há anos que não via a Portela tão bem na avenida”, diz. Política, a bamba disparou: “a Portela, mesmo estando errada, está sempre certa para mim. A escola pôde ver que ainda é forte”.

Vaidosa, ela não se deixa fotografar - “não estou arrumada”, acrescenta com um largo sorriso. A sambista orgulha-se de ser amiga de muita gente do samba. É em sua casa repleta de troféus e placas de honra ao mérito, que a diva recebe os integrantes da Velha Guarda Show, conjunto musical da Águia de Madureira que viaja o Brasil e o mundo divulgando o samba. Além da Velha Guarda, a Tia Surica também tem carreira solo. Todos os últimos sábados de cada mês, ela comanda a feijoada do Rival Petrobrás.

Vivendo em uma típica vila de subúrbio, Surica é ovacionada por onde passa. Todos falam com ela. “Quem não conhece a tia, não conhece a Portela”, brinca. Na porta de sua casa guarda uma enorme foto de Zeca pagodinho e um quadro com dizer: “Cafofo da tia Surica: Uma casa portelense”. O amor pela agremiação é tão grande que ela mora ao lado do centro social da escola.

Outra bamba que agita o bairro é Tia Doca. Dona de um de uma das rodas de samba mais famosas do Rio, ela se diz defensora do samba de raiz. Sempre vestida com algo azul, por causa da Portela, ela comanda todos os domingos o seu pagode. Quando interrogada sobre o novo pagode, que mistura guitarra ao surdo e pandeiro, ela é enfática: “vamos de samba que é melhor”. Sem querer criar polêmicas, diz não ter nada contra nada contra funk, esse “novo pagode”. “Amo samba, e samba o mais autêntico possível, adoro um fundo de quintal”, conclui.

 Doca (foto) iniciou seu pagode para sustentar os cinco filhos depois da separação. “Junto com a Portela e o Império Serrano, meu pagode é um dos que mais trás gente de outros lugares para Madureira”. Perguntada por que não transfere seu evento para outras áreas da cidade, ela não titubeia.

- Não saio daqui porque aqui tem de tudo. A gente fala com os outros. Tem muita gente do samba. Samba é alegria, é distração. Sempre tem alguém para pagar uma cervejinha, acrescenta tia Doca.

Na entrada do quase templo sagrado, uma placa já anuncia a continuidade do clã. O pagode da tia Doca, agora também recebe o nome de seu filho, o sambista Nem. “No samba é assim mesmo, tem que passar de pai para filho”, revela a filha de uma antiga porta-bandeira e nora do autor do primeiro samba da Portela.

Um bairro camaleônico

Dificilmente se pode encontrar na zona norte do Rio um espaço como Madureira, um local muito eclético. Formado principalmente por residências, o lugar impressiona pela quantidade de gente que circula por suas avenidas. Segundo a Associação Comercial, passam por lá mais de 400 mil pessoas por dia. É ponto de partida – ou chegada – para quem deseja ir para as zonas Oeste e Sul, Baixada Fluminense, Niterói e Petrópolis. Há linhas de ônibus para todos os cantos da cidade. Contando com um amplo comércio popular, a chamada “Princesinha do subúrbio” é o maior pólo econômico dessa região da cidade.

Madureira tem tudo para todos os gostos. Quem não gosta, ou não tem dinheiro para ir a um dos seus vários shoppings, não precisa reclamar. À noite, o comércio ambulante abre o chamado “Madureira Shopping Rua”. Sem falar no enigmático Mercadão. Lá, vende-se de material escolar a roupas, de artigos religiosos a animais silvestres.

A cultura também está presente no bairro. Debaixo do viaduto Negrão de Lima, todos os sábados acontecem os famosos bailes de hip-hop, Charme e Black Music. No mesmo local ocorrem os campeonatos de basquete de rua realizados pela Central Única das Favelas (Cufa). Perto dali quem dita à regra é o futebol do Madureira Esporte Clube, que atualmente disputa a primeira divisão do campeonato carioca. Do outro lado da estação ferroviária, tem o forró do ponto final do ônibus 779 - é assim que é chamado pelos moradores - e as exposições e shows do SESC.