Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Crack: internação compulsória divide opiniões

Caroline Hülle - Do Portal

20/02/2013

 Jefferson Barcellos

Determinada há cerca de um ano e meio, a polêmica internação compulsória é, supostamente, uma estratégia para impedir que os menores deixem os abrigos públicos sem autorização judicial. Agora, o prefeito Eduardo Paes estendeu a controversa medida a usuários adultos de crack. Alega ser necessária para vencer a guerra contra uma droga que rapidamente devasta a dignidade e as perspectiva de vida, e cuja capacidade de multiplicar dependentes mostra-se tão resistente às tradicionais operações ostensivas. A primeira ação, nesta terça-feira, apreendeu 99 usuários na maior cracolândia da cidade, na Avenida Brasil.

Autoridades relacionadas à Justiça do Rio e ao Ministério Público admitem a internação compulsória, desde que sustentada por lei e acompanhada de uma estrutura para o tratamento. Outros consideram a iniciativa cárcere privado e observam que a libertação do crack exige também ações sociais e econômicas.

A Secretaria Municipal de Assistência Social reconhece que o número de reincidentes nos abrigos é alto, mas pondera que a dificuldade de tratamento dos viciados em crack é superior em relação ao de outras drogas, e considera uma vitória importante o freio na formação de novas áreas dominadas pelo consumo, como as cracolândias localizadas em Jacarezinho e Manguinhos (já dispersadas, com medidas como a instalação de uma UPP).

A medida é questionada por profissionais de saúde e estudiosos da área. Especialistas em recuperação de dependentes de drogas afirmam que o acolhimento compulsório não é essencial à vitória na guerra contra o crack, e sim a coordenação de uma série de esforços associados à medicina, psicologia, educação e ao suporte social para reestruturação das famílias. Ainda na avaliação deles, revela-se estratégica a adoção de atividades lúdicas, como desenho, esportes e danças. Segundo Oswaldo Munteal, coordenador do projeto Prisioneiros das Drogas, também é importante uma “reflexão filosófica” para que o tratamento seja eficaz:

– É interessante saber o que a pessoa quer para a vida dela. Esse balanço é necessário.

A psicóloga Teresa Creusa Negreiros, coordenadora do curso de Prevenção e Tratamento do Abuso de Drogas da PUC-Rio, destaca que a desestruturação familiar mantém-se como um dos maiores obstáculos à superação deste problema social. Se a família abandonou o viciado, ou não foi encontrada, “é dever do Estado cuidar dessas crianças”. A professora, entretanto, mostra-se parcimoniosa quanto aos resultados da atuação do governo:

– Um ano é pouco para saber se a internação obrigatória está dando certo – ressalva – Isoladamente, apenas para limpar as ruas, não vai surtir efeito.

O crack causa dependência rápida, profunda e intensa (leia o quadro abaixo), por isso é complexo acabar com o vício. Ainda de acordo com Teresa, quando o dependente pára de usar sente uma “abstinência devastadora”.

– A cura depende da idade, do nível socioeconômico, cultural e do comprometimento com a droga – esclarece.

Reconhecimento social é decisivo

Tão importante quanto o acompanhamento médico e psicológico é a reinserção gradual dos dependentes na sociedade. "Como eles romperam os laços sociais e estabeleceram relação apenas com a droga, a inclusão restitui esses vínculos", salienta Teresa. Para a professora, após a fase inicial de desintoxicação, é essencial que o ex-dependente continue com a psicoterapia e participe normalmente da vida em comunidade. Munteal acrescenta a necessidade de educar e preparar a população para receber os que venceram a luta contra as drogas.

– O cidadão que está limpo precisa se enxergar aceito pelos outros. Ele precisa de solidariedade, de oportunidade de emprego – analisa.

O crack é uma mistura de pasta de cocaína com bicarbonato de sódio. Por ser fumado, atinge o sistema nervoso central mais rápido que a droga de origem. Demora cerca de 10 segundos para chegar ao cérebro, o que potencializa os efeitos imediatos. Após o uso da droga estimulante, os neurônios são lesados e o coração acelera. Pode gerar hemorragia cerebral, alucinações, delírio, convulsões e infarto. Nos reincidentes, a atenção, a memória, a fluência verbal e as capacidade de aprender e de se concentrar ficam comprometidas.

O crack em números

• Um a cada três usuários perde a vida em cinco anos (fonte: Unifesp).

• O crack está presente em 98% dos municípios brasileiros (IBGE).

• Mais de 1,2 milhão de brasileiros consomem a droga (IBGE).

• A idade média para o primeiro consumo é de 13,8 anos (V Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas).