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Rio de Janeiro, 7 de maio de 2024


País

Morre, aos 68 anos, o jornalista Fritz Utzeri

Mariana Totino - Do Portal

04/02/2013

 Alfredo Herkenhoff

O premiado jornalista Fritz Utzeri ficou conhecido por suas reportagens investigativas e rigorosas apurações, rendendo detalhes que construíam uma nova abordagem, minuciosa, das versões oficiais. Quando o país ainda vivia sob ditadura, Fritz participou de importantes coberturas, como a do assassinato do deputado Rubens Paiva, pelo qual recebeu o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos em 1979; e a do atentado do Riocentro, que lhe rendeu o Prêmio Esso em 1981. Entre aqueles que o conheceram, é lembrado pelo jeito vibrante de falar.

Nascido na Alemanha, descendente de italianos e alemães, veio para o Brasil em 1952 e no fim dos anos 60 se mudou para o Rio de Janeiro. Antes de se firmar como jornalista, em 1968, ingressando na redação do Jornal do Brasil, ele cursou Medicina, com especialização em Psiquiatria, na Uerj. O fotojornalista Paulo Rubens, professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, cursava Psicologia na UFRJ quando conheceu Fritz na militância estudantil:

– Ele era uma pessoa muito ativa, um sujeito inquieto. Destacava-se do restante da turma, com seu brilho intelectual. Fez medicina mas não se satisfez com isso. Ele tinha um cabedal intelectual que permitiu dar a guinada e ir para o jornalismo. Tinha um ótimo senso de humor, uma agilidade aguda no uso das palavras – descreve Paulo, lembrando que, ainda na Medicina, Fritz dedicava-se à área social.

Diretor do Sistema Globo de Rádio e ex-editor do JB, o jornalista Bruno Thys lamentou a perda no Facebook:

– Era um dos meus ídolos. Grande figura humana, jornalista brilhante, generoso, atencioso e dono de um senso de humor admirável.

Fritz iniciou a carreira jornalística como estagiário do Correio da Manhã. Foi repórter especial e correspondente (em Nova York e Paris) do Jornal do Brasil. De volta ao Rio, assumiu a editoria de Ciência e Tecnologia da TV Globo. Foi ainda diretor de Comunicação da Fundação Roberto Marinho e editor de artigos do jornal O Globo. Nos anos 90, voltou ao JB, como diretor de redação. Fritz também escreveu os livros Aurora (ficção) e Dancing Brasil (crônicas), e editou o blog Montbläat.

 Arquivo JB No livro JB: Pautas e fontes, lançado em 2010, o jornalista Alfredo Herkenhoff, ex-secretário de redação do jornal, lembra a volta de Fritz:

“Convidado a voltar por Noenio Spinola, Fritz Utzeri talvez seja o jornalista mais alegre a ter chefiado o JB. Fez do aquário uma festa. Em algumas noites de preparo de edição dominical, todo mundo nesse pescoção podia ouvir desde um chorinho com arranjo do maestro Pixinguinha a uma ária, por alguns minutos, em altos decibéis, saindo das caixas de som no aquário do chefe que não tinha queda para chefiar. Tudo o que Fritz não podia oferecer aos seus comandados, num quadro de penúria total, trocava por humor e generosidade nas palavras, escrevendo na primeira pessoa apelos candentes em defesa dos servidores e dos mais de 20 milhões de segurados do INSS. Tinha respostas para um continente, mas apenas esperança que não se confirmava para uma ilha habitada pelos últimos órfãos da condessa, envolvidos em protestos brancaleônicos contra atrasos de salário. Fritz se defendia do jeito possível, atacando a própria obesidade. ‘A coisa mais difícil é você encontrar gordo mau caráter e triste’.”

“No fim de sua trajetória de chefe, Fritz sentiu o astral estranho no Rio e na redação. ‘Vou meter um grande mapa de astrologia na primeira página do jornal, porque isso nunca mais nem eu nem ninguém vai poder fazer’. E publicou o mapa astrológico da cidade, ocupando quase toda a capa. Antecipou, com a extravagância da edição, uma metáfora dos novos tempos em que Maria Antonieta pede mais iogurte para combater a exclusão social. Fritz era uma dessas pratas da casa de que falava Noenio Spinola. Fritz animou a redação e fez o velho jornal relembrar, de relance, velhos tempos de instituições que põem a reportagem em primeiro lugar. Mas numa sexta-feira à noite, ao sapecar literalmente música dentro de seu aquário de chefe com aquelas potentes caixas de som trazidas de casa, Fritz criou clima de ópera bufa, gargalhadas nervosas dos colegas no imenso salão de uma redação apavorada com a certeza, uma década atrás, de que o setembro de 2010 um dia iria chegar”.

Sobre a conquista do prêmio Esso com a investigação sobre o atentado do Riocentro, em parceria com Heraldo Dias, Alfredo relata: “A esperteza do repórter pode salvar uma edição ou acabar com a pretensão de um jornal de achar que está saindo na frente na publicação de algo importante. Logo depois do atentado a bomba do Riocentro, nos estertores da ditadura, O Globo publicou o aguardadíssimo relatório do coronel Job Lorena sobre o episódio que, sabidamente, envolvia militares contrários à abertura democrática do regime, em 1981. Na primeira página, a tarja: ‘Exclusivo’”.

Luarlindo Ernesto, trabalhando como plantonista da madrugada no Jornal do Brasil, por acaso estava na rua e viu a edição de O Globo acabando de chegar com aquele destaque. Ligou para seus chefes e, embora não fosse sua atribuição, disse que era preciso parar as máquinas. O saudoso jornalista Hedyl Valle não titubeou. Mobilizou todo mundo que fazia pescoço (jargão para trabalho na madrugada). Máquinas paradas. O jornal que Luarlindo trouxe correndo à redação foi cortado em 40 pedaços. E 40 pessoas do setor de produção digitaram cada uma um pedacinho do jornal com a exclusividade indo para o espaço. Até os erros de português de O Globo foram copiados.

“Ao amanhecer, os dois jornais mostravam as conclusões do inquérito do Job Lorena. O documento, aliás, não levou a nada, mas o coronel chegou a general. É importante registrar: Luarlindo não apenas copiava. Ele, o saudoso Heraldo Dias, Fritz Utzeri e Ubirajara Moura, entre outros, ganharam Prêmio Esso, por equipe, no Jornal do Brasil, pela apuração do caso Riocentro, com a descoberta da existência da segunda bomba no Puma dos militares diante do show de Primeiro de Maio de 1981”.

Fritz Utzeri morreu nesta segunda-feira, 4 de fevereiro, no Hospital Quinta d’Or, aos 68 anos. Havia três anos que lutava contra um câncer linfático, já tendo se submetido a um transplante de medula.