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Rio de Janeiro, 26 de julho de 2024


Saúde

Com origem desconhecida, esquizofrenia desafia a ciência

Vítor Afonso - aplicativo - Do Portal

13/02/2014

 Arte: Carlos Serra

Preso em flagrante ao matar o pai, o cineasta Eduardo Coutinho, e em seguida atacar a mãe e tentar o suicídio, no dia 2 de fevereiro, no apartamento ode moravam, na Lagoa, Daniel Coutinho "não concatenava as ideias" ao cometer o crime, deduziu o delegado Rivaldo Barnosa, da Divisão de Homicídios do Rio, depois de colher depoimentos dos vizinhos. A tragédia levanta a suspeita de um surto de esquizofrenia, uma doença para qual, alertam profissionais da área média, deve-se ter mais atenção.

Em um cenário de queda de 24% no número de mortes por aids no mundo, segundo o relatório “Together We Will End Aids”, e de grandes campanhas de combate ao câncer, a esquizofrenia desenvolve-se por trás dos holofotes e atinge 1% da população mundial. A doença, não raramente confundida com simples alteração de comportamento, apresenta riscos significativos para pacientes e familiares. O psiquiatra Eduardo Costa Barros esclarece que se trata de um “transtorno mental grave, com origem desconhecida”:

– Existem hipóteses genéticas, comportamentais e ligadas a infecções durante a gravidez. Porém, ainda não foi descoberta uma causa específica para a esquizofrenia.

Ainda de acordo com o especialista, as principais evidências são delírios e as alucinações. Chamados de “sintomas psicóticos”, levam à dificuldade de relacionamento com as pessoas ao redor:

– Estando neste quadro, o portador da doença não consegue interpretar direito a realidade. Os estímulos recebidos ficam totalmente alterados. O paciente passa a ouvir vozes, por exemplo.

Tais sintomas geralmente aparecem, nos homens, entre os 15 e 25 anos, e nas mulheres, entre 20 e 30 anos. A manifestação precoce, afirma Barros, “tende a piorar o prognóstico”:

– Quanto mais cedo os sintomas aparecem, mais preocupante é o quadro, porque muitas vezes a pessoa não formou a personalidade. Quando a doença se desenvolve em pessoas já estruturadas, os problemas são reduzidos.

 “A esquizofrenia se divide em subtipos”, afirma psiquiatra.

Os portadores da esquizofrenia podem sofrer os efeitos dos diferentes subtipos da doença, o que torna ainda mais complexa. Segundo Barros, um dos subtipos mais comuns é o paranoide, no qual o paciente apresenta uma “paranoia de perseguição”.

– O esquizofrênico paranoide tem um excesso de desconfiança. Muitas vezes ouve vozes que possam ameaçá-lo ou dizer coisas desagradáveis – explica o psiquiatra.

 Mauro Pimentel Outro subtipo relativamente comum é o desorganizado, que, como sugere o nome, traduz-se por “falas desconexas e mudanças constantes de assunto” e é percebido, por vezes, em população de rua: 

– Está mais ligado a população de rua por questões de socialização, pelo estilo de vida na sociedade – justifica o especialista.

Há também os subtipos catatônico, que afeta a parte motora, e residual, encontrado em pacientes antigos da doença. Neste caso, observa uma dificuldade de interação e de expressão:

– O paciente não tem mais os sintomas tão evidentes, mas apresenta o que chamamos de embotamento efetivo. Fica reclusos, não interage, com as emoções retidas.  

Atividades ocupacionais, cognitivas e esportivas ajudam o tratamento

A batalha contra a esquizofrenia envolve não o dignóstico preciso e o tratamento adequado, mas o acompnhamento familiar, recomendam os médicos. Trabalhos psicoterápicos podem, segundo Barros, “adequar o comportamento do paciente e ensinar os familiares a melhor forma de lidar com estes casos”. A ajuda psiquiátrica, acrescenta, revela-se fundamental ao diagnóstico:

– Os familiares devem procurar ajuda psiquiátrica inicialmente, para o diagnóstico correto. Depois disso, o próprio psiquiatra, dependendo da gravidade, deverá encaminhar o paciente para o tratamento adequado –  orienta.

O avanço dos medicamentos também contribui para dirimir os efeitos da doença. O psiquiatra afirma que, atualmente, há “grande investimento nessa área, inclusive, com adoção de estratégias que evitam a internação prolongada”:

– Contamos com novos meios de tratamento, como o Hospital Dia: os pacientes passam o dia em hospitais com atividades ocupacionais, cognitivas e esportivas. Esse tipo de trabalho evita que fique desmotivado com a doença.

Parentes comprovam eficácia da combinação entre medicação adequada e atividades regulares

As jovens Thaís Costa Mota e Pâmela Abreu, ambas de 23 anos e estudantes de Letras, não têm apenas a idade e os estudos como semelhança. As duas são também sobrinhas de portadores de esquizofrenia. Thaís, que estuda na PUC-Rio conta que a tia, Adair Siqueira, de 70 anos, mora em um lar de idosas administrado pelo colégio São Francisco de Paula. Segundo a estudante, além de missas, outras atividades auxiliam o tratamento:

– Ela realiza atividades de pintura e arte uma vez por semana, mediante a visita de um voluntário na instituição.

Pamela, aluna da Universidade Federal do Rio de Janeiro também aponta formas de dirimir os impactos da doença:

– A minha avó comprou um violão para o meu tio, e ele fica no quarto tocando. Ele também gosta de ler, e essas ocupações ajudam a reduzir os efeitos da doença.

Embora reconheçam a eficiência dessas atividades, as jovens lembram que o uso de medicamentos adequados, na dosagem correta, é igualmente necessário. Pamela recorda que o tio só começou a vorar o jogo contra a doença quando passou a recorrer aos remédios:

– Quando ele tinha 18 anos, saiu de casa, foi para a rua. Depois que a minha avó o encontrou, começou a tratá-lo com medicamentos e ele melhorou.

Além de atividades e medicamentos, outro fator pode ajudar no tratamento, como indicam as jovens. Ambas ressaltam que é preciso ter um carinho especial com os pacientes. E Pamela aponta também o apoio psiquiátrico como “fundamental” no tratamento:

– É preciso ter contato com um psiquiatra que saiba bem sobre a doença. É importante procurar médicos com boas indicações, pois muitos não sabem lidar corretamente com a doença – criticou a jovem.

Ferreira Gullar: "Ser contra a internação é preconceito com o tratamento"

Luiz Baez

A vida e a obra de Ferreira Gullar foram influenciadas por seus dois filhos esquizofrênicos. A convivência com o transtorno levou o poeta a escrever “Internação”, em 1999, sobre o sofrimento de Paulo, hoje com 54 anos, que vive em um sítio de Pernambuco há nove. Marcos, o caçula, morreu de cirrose hepática em 1992.

No contexto da morte de Eduardo Coutinho pelo filho, supostamente acometido por um surto, Gullar foi indagado sobre o que ele achava que teria levado Daniel ao comportamento extremo. O autor acredita que o médico tenha prescrito o tratamento correto, mas ressalva: há casos em que o paciente não obedece às recomendações, não toma os remédios adequadamente. Essa conduta justificaria, na opinião de Gullar, a internação.

Em surto, observa o escritor, o doente é incapaz de se controlar. Com a internação, argumenta, os riscos seriam reduzidos. Por outro lado, Gullar reconhece que, em outros casos, a internação mostra-se desnecessária.

 Para  o poeta, a resistência à internação pode refletir, entre outros aspectos, um preconceito em relação ao tratamento. Até porque, ressalta ele, os métodos "evoluíram muito" e os medicamentos são aplicados na dosagem correta, "para que o paciente fique em equilíbrio e viva em condições, dentro do possível, normais".