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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cidade

O Rio visto assim, lá do alto, em ensaios fotográficos

Amanda Reis - Do Portal

17/12/2012

 Reprodução

Cariocas e turistas estão descobrindo um novo Rio de Janeiro ao visitar as favelas da cidade. Com a pacificação de 50 comunidades, como Dona Marta, Rocinha, Vidigal e Complexo do Alemão, quem não via o outro lado do Rio pode ter a oportunidade de conhecer novos ângulos e o cotidiano desses lugares. Muita gente tem se reunido para fazer visitas e fotografar, como o grupo FavelArt&Foto; professores de fotojornalismo da PUC-Rio, que levam alunos para ensaios nas comunidades; e o fotógrafo americano Douglas Mayhew, autor do livro Inside the favelas: Rio de Janeiro, lançado este ano.

No fim de 2011, o fotógrafo freelancer Felipe Paiva, fundador e presidente do FavelArt&Foto, pensou em montar um grupo com três amigos, moradores da Rocinha e do Vidigal, onde mora, para retratar as comunidades de uma forma diferente:

– Quando a favela é notícia, são mostrados apenas buracos, fios emaranhados. Mas o lugar também tem gente bonita, pessoas que trabalham e vivem da comunidade. Antes da pacificação, já sentíamos falta de mostrar o lado bom – conta Felipe.

Thamyra AraújoFlávio Carvalho, outro fundador do grupo, ressalta a aposta na simplicidade:

– Queremos mostrar as pessoas sorrindo, o cotidiano, a alegria do morador de favela, que não tem uma mansão, mas é feliz com seus amigos, sua cerveja, sua pipa e sua bola.

O nome original era Fotoclube Favelas da Zona Sul, mas o grupo avaliou que seria melhor ampliar a proposta para toda a cidade. Flávio e seus amigos queriam conhecer favelas que antes não podiam, devido à rivalidade das facções criminosas.

– Era perigoso um morador de uma favela entrar em outra. Se as comunidades fossem rivais, a pessoa poderia até ser morta.

 FavelArt&Foto A primeira visita foi à Rocinha, no dia 7 de janeiro deste ano. Em um ano, o grupo, formado por 30 participantes assíduos, visitou 38 favelas. Todos são orientados a cumprimentar as pessoas, não tirar fotos invasivas, sem permissão. Quando o grupo chega à comunidade, explica a proposta para um morador e este se torna o “guia”, que mostra a favela e os acompanha durante a visita. No fim, cada participante dá uma colaboração para retribuir o serviço do guia. Dois deles passaram a fazer parte do grupo.

Felipe explica que, para participar do FavelArt&Foto, não é preciso ter uma câmera profissional; usa-se até o celular. Não há uma faixa etária específica: duas pessoas com mais de 60 anos fazem parte do grupo, e duas crianças, filhos de participantes, acompanham as visitas. Estrangeiros também são bem-vindos, desde que sejam pesquisadores.

– Não queremos estimular o culto à miséria, a exploração de imagens de crianças com o nariz escorrendo, coisas do tipo. Somos totalmente contra o turismo predatório – explica.

Eduardo Ribeiro Andresa dos Santos, 29 anos, que trabalha no projeto Sesi Cidadania e mora no Dona Marta, avalia como positivas as visitas. Ela lembra que, em outros tempos, a rivalidade de facções do tráfico impedia a subida até de parentes. Apesar disso, acha que ainda falta contrapartida:

– É importante que visitem a comunidade, para conhecerem a nossa realidade. Porém, os visitantes não trazem benefício algum, não consomem nada. O próprio guia atrapalha, sugerindo que não comprem no comércio local.

Os fotojornalistas Paulo Rubens e Weiler Finamore, professores de Comunicação da PUC-Rio, costumam levar seus alunos para visitar e fotografar comunidades no Rio, como Santa Marta; Vigário Geral; e Morro dos Prazeres, em Santa Teresa. Para Paulo Rubens, é necessário que os jovens cariocas conheçam as favelas.

– Se o aluno não tiver alguma vivência numa favela, não vai ter a percepção apurada.

Paulo começou a ir a comunidades com alunos em 1999. Ele lembra que na época era raro alguém do asfalto ir à favela, apesar da receptividade dos moradores. Hoje, segundo ele, a situação mudou:

– Além do difícil acesso, as pessoas tinham medo, devido à violência. Nos sábados, fazíamos um varal com as fotos tiradas para interagir com moradores. Era uma festa, até os pais dos alunos iam prestigiar o trabalho. Hoje, encontramos comunidades exauridas de visitas: parece que vivem como animais raros, que todos querem ver.

 Weiler faz a mesma atividade desde 2007 com suas turmas de fotojornalismo. A princípio, visitavam a Rocinha. Após a pacificação, passaram a ir ao Dona Marta. O professor define as comunidades como “o olhar excluído”:

– Quase ninguém conhece as favelas. Minha ideia é levar os alunos para fotografar um lugar em que a maioria nunca esteve, dar a eles a oportunidade de confrontar o estereótipo com a realidade.

Nas visitas, Weiler observa dois tipos de anfitriões:

– Os moradores têm medo de expor o meio onde vivem, cheio de lixo. Para eles, os turistas só veem o feio. Ao mesmo tempo, há quem goste dos visitantes, especialmente de estudantes. Quando chegamos, já ficam envaidecidos.

Weiler conta que quer ampliar o contato com a comunidade, por meio de oficinas em que os estudantes possam ensinar o que aprenderam:

– Hoje, quando volto à favela, levo as fotos do período anterior, para que os moradores tenham um pequeno retorno.

Eduardo Ribeiro O pedreiro desempregado Alexandre Francisco da Silva, 47 anos, nascido e criado no Dona Marta, gosta de ver gente de fora circulando pela favela. Embora admita que prefira o “pessoal do asfalto” carioca aos estrangeiros:

– Os turistas são metidos e preconceituosos, não conversam com favelados. Não custa nada cumprimentar. Muitos vêm para o Dona Marta porque não têm dinheiro para ir ao Pão de Açúcar ou ao Corcovado.

Ele lembra que, antes da pacificação, “patricinhas e mauricinhos” só subiam o morro para comprar drogas ou ir ao baile funk.

A estudante Jéssica Vidal, 20 anos, moradora da Tijuca, foi aluna de Weiler no semestre passado, porém não pôde visitar o Dona Marta com a sua turma. Como nunca teve oportunidade de ir à comunidade e adora fotografia, resolveu se juntar à turma do professor neste semestre. A estudante adorou a experiência:

– Foi bom ver a realidade dos moradores. Nunca tinha feito um ensaio de uma favela, mas sempre tive vontade. Já fui à Rocinha, à Ladeira dos Tabajaras e ao Vidigal, mas não para fotografar. Sempre gostei da ideia de o professor levar alunos para fazer aulas externas.

O grafiteiro Swell, 21 anos, que vive no Dona Marta há oito anos, também trabalha pela interação entre moradores e o “pessoal do asfalto”. Ele promove essa miscigenação com o projeto de hip hop Visão da Favela Brasil. No último domingo, 9 de dezembro, o projeto promoveu show na quadra do Dona Marta. Swell conta que, antes da pacificação, fizeram 27 eventos como esse.

– Depois da UPP ficou difícil. Passaram a cobrar R$ 800 de aluguel da quadra – conta, revelando um dos efeitos colaterais da mudança.

Confira ensaios produzidos por alunos da disciplina Fotojornalismo, como Francisco de Sousa, na Favela da Rocinha, e Thamires Gomes, no Morro do Alemão.