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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Cães e gatos abandonados em busca de um novo lar

Julia Zaremba - Do Portal

04/12/2012

 Eduardo Ribeiro

Numa manhã de 2007, ao passar pelo Túnel Santa Bárbara, que liga o bairro de Catumbi a Laranjeiras, onde mora, a professora de teatro Salete Bernardi, de 55 anos, avistou um cão atropelado no canto da pista. Deu a volta e retornou. O animal estava preso a um bueiro, com muitas fraturas pelo corpo. Após semanas de idas a veterinários, Holf, como seria batizado, se recuperou, e hoje vive com Salete, mais outro cão, um gato e um passarinho. A casa de Cinthia Rossi, num condomínio em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, é ainda mais povoada: 12 cães e dezenas de gatos (ela mesma perdeu a conta), todos adotados, convivem em paz e recebem a dona com animação sempre que ela retorna da rua. Exemplos do espírito de amor e solidariedade próprio das festividades natalinas, histórias de adoção como estas são raras em comparação ao número de animais abandonados, que cresce nos fins de ano.

A Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (Suipa), no bairro de Benfica, Zona Norte, é o destino da maioria dos bichos de estimação abandonados da cidade. Confirmando o aumento das estatísticas, Cidea Almada, supervisora do abrigo, conta que em novembro chegaram, num só dia, 112 animais, enquanto a média ao longo do ano é de 35 animais acolhidos diariamente. O que não sobe é o número de interessados em adotá-los: em média, saem três por semana.

Lidando com animais há mais de 25 anos, a administradora de empresas Rosana Gomes, de 46 anos, dona de um pet shop em Jacarepaguá, divulga em sua loja fotos de animais à espera de um novo lar. Ela comenta que, nos fins de ano, também costuma observar o aumento de cães e gatos soltos nas ruas.

– As pessoas sempre abandonam no período perto das férias. A pior época é esta do Natal, quando há um número enorme de animais soltos nas ruas.

Além de servir de mediadora de adoções, ela própria dá abrigo a animais. Há dois anos, depois de assistir ao vizinho agredir a própria cadelinha, a administradora resolveu tomá-la do agressor, que reagiu a ameaçando. Rosana insistiu, e acabou convencendo-o a entregar Lara, que hoje tem 6 anos.

Emília de Almeida  A Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais (Sepda), da Prefeitura do Rio, recolhe apenas animais vítimas de maus-tratos, levados ao Centro de Proteção Animal, na Fazenda Modelo, em Guaratiba, onde há cerca de 200 cães, 80 gatos e 20 cavalos disponíveis para adoção.

A Sepda promove semanalmente a campanha “Adotar é o bicho” em praças da cidade (neste domingo, 9, será na Praça Cardeal Arco Verde, em Copacabana). Para adotar, o candidato tem que ser maior de 18 anos, apresentar documento de identidade e comprovante de residência, e passar por uma entrevista. Aprovado, já sai de lá com o animal. Nas feiras, o foco é a educação. Veterinários alertam os interessados sobre o compromisso da adoção e da esterilização.

Cidea faz coro sobre a necessidade de conscientização dos donos e defende a castração dos bichos:

– As pessoas acham que é mau trato esterilizar um animal, mas é um controle de natalidade, para evitar que mais filhotes sejam abandonados.

Na Suipa, uma vida de cão

Eduardo Ribeiro  Com 17 anos de Suipa, a supervisora conta que a maioria dos cães que chegam são deixados pelos próprios donos, e não encontrados na rua, como costumam afirmar:

– As desculpas são sempre as mesmas: a pessoa diz que mudou para apartamento, que foi transferido, que o vizinho está reclamando. Outros dizem que o encontraram amarrado na sua porta, mas você nota que o animal está fazendo festa para eles – conta Cidea.

A saída é mais lenta e difícil. Além do baixo número de interessados, a maioria em busca de filhotes, e, preferencialmente, de raça, a exigência é alta no processo de adoção. Aos 73 anos, a supervisora é rigorosa na seleção de lares seguros para os animais, que conhece pelos nomes. O candidato deve apresentar um histórico de boas relações com bichos, e a renda mensal é outro fator levado em conta. No dia da visita da nossa equipe de reportagem, uma idosa foi ao local em busca de um filhote. Na entrevista para a adoção, contou que seu último animal fora envenenado pelo vizinho. Cidea vetou na hora.

Num terreno improvisado sob um viaduto em Benfica, 3.500 cães e gatos de diferentes tamanhos, raças e temperamentos dividem pequenos espaços, muitos passando a maior parte do tempo em camas improvisadas em caixotes de mercadorias. Apesar da constante limpeza do lugar, não conseguem se livrar dos pombos e da sujeira. Filhotes, animais com necessidades especiais e cães da raça Pitbull (vetados para adoção) ficam separados. As despesas são maiores que as doações de sócios e parceiros que sustentam a Suipa.

Eduardo Ribeiro  A insalubridade, especialmente depois da abertura de uma Clínica da Família na vizinhança, levou o prefeito Eduardo Paes a conceder um terreno vizinho para a ampliação do espaço. Cidea acredita que, assim, os bichos terão uma melhor qualidade de vida. A UPP instalada recentemente na região também melhorou as condições de trabalho dos funcionários, que podem transitar com mais segurança.

Ações paralelas

Iniciativas de pequenos grupos envolvidos na causa animal também contribuem para tentar reverter a situação do abandono. Criado em 2005 por amigos da Zona Sul – entre eles advogados, engenheiros e publicitários –, o S.O.S. Vida Animal já retirou mais de 630 animais das ruas e atualmente  hospeda 12 cães e cinco gatos. Como não têm uma sede, por falta de recursos, os animais ficam em lares temporários, como hospedagens ou a casa de voluntários.

A publicitária Emília de Almeida, de 37 anos, está no grupo há cinco. Moradora de Botafogo, tem 11 animais em casa, todos adotados.

– O que fazemos é um trabalho social importante. Tirar um animal doente das ruas impede a proliferação de uma série de doenças, pois ele pode passar para outro que você vai levar para dentro de casa. Além disso, ao tirar um abandonado da rua você também previne acidentes, como o caso da cadela Carminha, resgatada na ponte Rio-Niterói em outubro – explica.

A publicitária cita outro problema recorrente deste período do ano: a adoção por impulso, e a consequente devolução do animal.

– “Vou adotar porque meu filho quer de presente de Natal”. Isso é o tipo de coisa que vetamos na hora da entrevista; bicho não é brinquedo. Se você compra um animal, você repensa, porque está gastando dinheiro. A adoção é gratuita, e a pessoa vai por impulso. Daí a preocupação em preencher um termo de adoção e fazer um acompanhamento depois, com ligações e visitas – conta.

Emília de Almeida  Emília acredita que as pessoas estão mais conscientes e dispostas a adotar ao invés de comprar bichos de estimação – “é recorrente ver moradores da Zona Sul, com recursos, caminhando ao lado de vira-latas”. Para a publicitária, a solução do problema do abandono está em campanhas itinerantes e gratuitas de castração de animais, principalmente em comunidades carentes.

Emília ressalta que o grupo não recebe animais de terceiros: todos os resgates são feitos de forma casual. “Quem pega um animal se responsabiliza por ele”.

Ter animais em casa aumenta bem-estar

Duas pesquisas de universidades renomadas analisaram os benefícios de ter um animal de estimação. A primeira, da Escola de Medicina de Harvard, comprovou que animais de estimação ajudam a ter uma saúde melhor; a segunda, da Universidade de Queens, concluiu que cães podem ajudar a prevenir doenças, ajudando os donos a melhorar seu sistema imunológico e a fazer mais exercícios físicos.

Emília acredita que quem tem um animal ganha muito mais do que dá:

– Amor incondicional, amizade eterna e bem-estar. Você faz também um trabalho de caridade, porque, quando compra, além de gastar dinheiro, podia estar salvando vários animais – diz.

A professora Salete acredita que os bichos adotados se tornam melhores amigos do que os comprados, e fala de sua relação com Holf como exemplo:

Eduardo Ribeiro  – A gratidão de Holf é incrível. Viajei por quatro dias e ele ficou deprimido, sem comer, acharam que fosse ficar doente. Desde que cheguei, não desgruda de mim – conta.

– Eu gosto do convívio, da integração, e de tê-los perto de mim. Não tenho animais para deixar no jardim – conta a dona de casa Cinthia, aquela da casa num condomínio em Jacarepaguá que mais parece um abrigo de animais – ela já resgatou um macaco e uma gaivota feridos.

Para Rosana, as redes sociais são uma importante aliada e deram um grande impulso às adoções, pela agilidade e capacidade de mobilização.

– Há um número absurdo de animais vendidos a preços que chegam a R$ 5 mil. Para que incentivar a venda, se existem abrigos lotados? – questiona Rosana.

A professora Salete, por sua vez, sugere que o governo adote medidas para reduzir o abandono e estimular a adoção:

Júlia Zaremba  – Faltam abrigos que recolham e reabilitem animais para adoção. Se as pessoas tiverem certeza de que estão adotando um animal bem-tratado e com bom temperamento, vão adotar mais. E deveria haver um sistema público de veterinários. Muitos abandonam por não ter dinheiro para cuidar, porque é muito caro.

Onde adotar

A sede da Suipa fica aberta para adoção de segunda a sábado, das 8h às 15h, e nos domingos e feriados, das 8h às 12h. As feiras de adoção são realizadas aos sábados, das 9h às 15h, em frente à antiga TV Manchete, no Flamengo. Para adotar, o candidato deve levar xerox da carteira de identidade, CPF, comprovante de residência e estar de acordo com a esterilização do animal. Oferecem assistência por dois anos após a adoção.

As feiras do S.O.S. Vida Animal são aos segundos sábados de cada mês, na Praça Edmundo Bittencourt, no Bairro Peixoto, em Copacabana. A próxima será neste sábado, dia 8 de dezembro, e recebem também doações de ração, cobertores, camas, jornais e medicamentos.