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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


País

Congresso discute regras para internet cada vez mais usada

Taise Parente * - Da sala de aula

03/12/2012

 Arte: Maria Christina Corrêa

O Marco Civil da internet vem suscitando polêmica na Câmara dos Deputados, o que levou a votação do projeto a ser adiada seis vezes desde que chegou à Casa. O texto do deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) pretende instituir direitos e deveres dos usuários da internet e dos provedores para que exista certo grau de regulamentação na rede, sem, no entanto, estabelecer muitos limites e exceções que possam tornar a lei velha antes mesmo de ser aprovada, por conta dos processos de mutação constante da internet. No momento, o Brasil não dispõe de um dispositivo similar, deixando usuários desprotegidos contra qualquer tipo de violação. 

A importância de tais regras é inegável. Segundo a última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do IBGE, em 2011 mais de 36% dos domicílios particulares permanentes já tinham internet, contra 27% em 2009. Isso significa mais de vinte e duas mil casas com acesso ilimitado e irregular à teia de armadilhas e perigos que é a internet. Dados de setembro de 2012 calculados pelo Ibope mostram que o país já é o quinto do mundo mais conectado, com cerca de 83,4 milhões de internautas. Tendo em vista o aumento regular do número de usuários da rede, o professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Arthur Ituassu afirma que o projeto do Marco Civil é bem-vindo e necessário para garantir o teor público da internet, já que não há mercado sem regulamentação.

– A ideia de que a internet, bem como outras esferas públicas, pode funcionar por si mesma é um equívoco, uma visão distorcida do liberalismo. A internet pede regulamentação e o mais interessante nesse projeto é que foi feito com a participação popular, com consultas online e discussões em fóruns. Mesmo que a visibilidade de tais iniciativas não seja tão grande ainda, isso é positivo, pois significa que o cidadão está sendo ouvido – afirma ele.

O diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, Ronaldo Lemos, acrescenta que o Marco garante que a internet seja "direito universal", ao tocar em pontos como a neutralidade da rede, a proteção da privacidade do usuário e a qualidade do serviço prestado. No entanto, setores da sociedade não contemplados pela lei, como os defensores dos direitos autorais, e provedores, prejudicados financeiramente por alguns artigos do texto, bem como deputados da própria base aliada ao governo e da oposição, não conseguem chegar a um acordo sobre vários itens. 

Os desafios do Marco Civil

O primeiro desafio é uma questão que afeta diretamente todos os usuários da internet: a neutralidade da rede, ou seja, a garantia de que o usuário tenha a escolha final daquilo que acessa. O que o projeto tenta evitar é que sites de busca ou provedores acabem encaminhando o internauta para determinadas escolhas a partir de bloqueio a páginas da web ou limitações na velocidade de acesso. Neste ponto, o Brasil está na vanguarda das discussões mundiais. Antes de nós, como o próprio texto do Marco Civil ressalta, apenas o Chile, a Colômbia, a União Europeia e os Estados Unidos tinham discussões e leis a respeito.

 Walter Campanato - Agência Brasil Outro ponto importante remete ao uso de informações pessoais. De acordo com o Marco, elas só devem ser uyilizadas para o propósito para o qual foram pedidas; podem ser guardadas por, no máximo, um ano e devem ser deletadas mediante pedido do usuário. Ronaldo Lemos afirma que não há pontos negativos na lei como está escrita, e sim, tentativas de fazer com que ela seja negativa. “O Marco dá a garantia de que a privacidade do usuário vai ser mantida e o serviço não será suspenso por qualquer motivo ou sofrer perda de qualidade. No entanto, deputados como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acham legítimo que empresas tenham esse poder”, observa Lemos.

Um doa pontos polêmico do projeto refere-se ao direito autoral. Segundo o professor de direito do autor da PUC-Rio Helder Galvão, a grande discussão gira em torno da liberdade de expressão em confronto com o direito autoral. Ou seja, será que o conteúdo de terceiros em um site deve ser retirado imediatamente com denúncias ou avisos de usuários ou apenas com ações legais? Se o Legislativo tiver tal responsabilidade, será que conseguirá acompanhar a velocidade e as demandas da rede? E, ainda, quem regula o uso abusivo proposital das notificações?

– A internet é tão rápida que, em crimes contra a moral, por exemplo, de um artista, até que o conteúdo seja tirado do ar, o dano já está feito. O ideal seria que cada provedor e portal tivessem um time capacitado para avaliar as notificações e decidir se deve ou não tirar um conteúdo do ar imediatamente, mas isso é impossível – avalia Galvão.

Já Ituassu pondera que empresas têm políticas com princípios dirigidos à retirada de conteúdos potencialmente problemáticos, o que poderia representar, em certos casos, uma limitação da liberdade civil e de expressão. As versões originais do Marco pretendendiam tirar este poder das empresas e transferi-lo à fiscalização da sociedade civil. No entanto, o item relacionado à regulamentação dos direitos autorais foi retirado em edições recentes do texto, por ser considerado "muito complexo" para ser tratado ali e pelo fato de um projeto específico sobre tema já tramitar no Congresso, apesar de ainda não ter sido votado.

Se o direito autoral é considerado, por uns, inadequado para regulação no Marco Civil, é fortemente  defendido por outros. Sindicatos e entidades da indústria criativa realizaram ao longo dos últimos meses fóruns de debate em prol do direito do autor. A diretora da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado, é categórica ao afirmar que o Marco se trata de “um projeto que deixa a porta aberta para o desrespeito aos direitos autorais ao fazer questão de não incluir em suas premissas o compromisso de respeitá-los, como faz com outras garantias. Incluir essa premissa no projeto de lei obrigará a que se encontre uma solução satisfatória e se iniba a pirataria que vem vitimando milhares de criadores e trazendo incalculáveis prejuízos à indústria cultural”.

Segundo a Associação Antipirataria do Cinema e Música, em 2010 foram solicitadas as retiradas de mais de um milhão de arquivos de filmes e músicas ilegais da rede. Com tantas dificuldades na indústria cultural, Ana Maria argumenta que "só quem não vive profissionalmente da autoria é que tem condições de se tornar autor". Já o professor Helder Galvão acredita que, mais do que um desafio jurídico, o direito autoral é um desafio cultural, pois está "muito entranhada" na cultura do jovem brasileiro a ideia do download, considerado banal e não ilegal. “O iTunes chegou 10 anos depois e quer reeducar as pessoas de uma hora para outra, é difícil”, exemplifica.

Seja na lei de direitos autorais ou no Marco Civil, os especialistas concordam que essa é uma questão importante que deve ser regulada. Lemos reforça:

– Da forma como está, não existem regras, cada um faz o que quer e cada juiz decide como quiser as penalidades. Se ninguém sabe os limites da sua responsabilidade e dos seus direitos, isso leva a decisões contraditórias e insegurança dos empreendedores.

O processo é lento, opõe interesses diversos e tenta contemplá-los. Por isso, Ituassu acredita que a consolidação do Marco Civil deve ficar para o ano que vem. Galvão lembra, contudo, que "não podemos esperar muito mais":

– Esse é o grande momento do Brasil, de termos leis contemporâneas fundadas em peculiaridades nossas, sem copiar outros modelos, e que essas leis sejam acompanhadas de debates na sociedade. O Marco é um belo trabalho, que já está sendo discutido há um tempo e já está maduro, pronto para a votação. Esse é aquele momento crucial que na cultura popular se diz: ou vai ou racha.

* Texto produzido para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, lecionada pela professora Carla Rodrigues.