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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cidade

Cineastas querem mais dia a dia nos planos para o Rio

Caio Cidrini - Do Portal

22/11/2012

 Caio Cidrini Em pleno feriado da Proclamação da República, na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, a construção de Brasília, há 50 anos, serviu de pano de fundo para se discutir a incorporação de questões do dia a dia no planejamento do "Rio que se quer". O debate partiu da exibição, como parte do Festival Adaptação 2012, dos filmes Brasília, contradições de uma cidade nova (1967), de Joaquim Pedro de Andrade, e A cidade é uma só? (2011), de Adirley Queirós.

Depois da sessão no Cinecarioca – primeiro cinema em uma favela do município, inaugurado em 2010, com capacidade para 93 espectadores –, cineastas, pesquisadores e representantes de ONGs conversaram com o público sobre a importância de incluir demandas cotidianas nos grandes projetos para a sede olímpica. Os filmes revelam contradições de uma cidade planejada e, para o jornalista Ricardo Moura, membro da ONG Raízes em Movimento, lembram o momento do Rio:

– A cidade tem projetos como o PAC e UPP, além de secretarias como a de Ordem Pública, mas, assim como na construção de Brasília, não perguntam qual cidade o carioca, inclusive o da comunidade, quer – compara.

Para o professor da PUC-Rio e cineasta Hernani Heffner, o problema se estenda a boa parte dos municípios brasileiros. Ele   reconhece que o crescimento econômico dos últimos anos e alguns saltos na área social representam "avanços significativos", mas avalia que os "grandes planos" não raramente eaquecem os "interesses do dia a dia". Ainda segundo Heffner, a fase brasileira e carioca reúne contradições resultantes de um equívoco na concepção de modernidade:

– Brasília reflete uma visão errada de modernidade. Visão estabelecida no crescimento brasileiro. O moderno está na matéria, na arquitetura, nas curvas do concreto e na estrutura física, não na vida do cidadão – argumenta.

No debate após os filmes, Heffner reiterou que o suposto erro na concepção de modernidade prejudica o desenvolvimento de soluções para a população carente. O cineasta acredita que esta lógica apenas “troca seis por meia dúzia”. Por exemplo, disse ele, a simples remoção e a construção de prédios e conjuntos habitacionais geram favelas verticalizadas. Uma manobra que qualifica como “substituição da madeira do barraco pelo concreto do arranha-céu”.

Brasiliense de Ceilândia – cidade satélite do complexo urbano projetado por Oscar Niemeyer –, o também cineasta Ardiley Queirós acredita que um dos caminhos para agregar mais demandas populares aos planejamentos urbanos seja justamente a disseminação de debates reunindo integrantes da sociedade civil, especialistas de diversas áreas, pesquisadores e representantes do poder público. Pela primeira vez no Rio, aos 37 anos, ele lamentou que discussões como as observadas no festival sejam menos comuns no Distrito Federal.

– No Rio eu vi intelectual e favelado debatendo filmes em Ipanema e, hoje, no Alemão. No meio de bairros desenvolvidos, existem comunidades. Onde eu moro existe um espaço entre Brasília, o centro, e as periferias.

 Caio Cidrini Para o diretor, esta mescla não significa, contuto, que existam mais ou menos contradições em Brasília. Adirley Queirós ponderou que no Distrito Federal a periferia e o centro não se cruzam e, mesmo assim, “são tachados como iguais”, o que o motivou a expor as mazelas da região em A cidade é uma só?, cujo título já sugere o questionamento ao tom afirmativo do jingle oficial da criação de Ceilândia (A cidade é uma só!).

Filme aborda, com bom humor, contrastes sociais da capital

Nesta terceira edição do Festival Adaptação, a curadoria escolheu como fonte de inspiração os 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Os 62 filmes exibidos dialogaram com a criação de uma identidade nacional. Identidade que Ricardo Moura identificou, por exemplo, no longa de Queirós. Com uma abordagem bem-humorada, o filme produz, ao retratar o processo exclusão territorial que aflige uma parcela da população do Distrito Federala, uma reflexão sobre os 50 anos de Brasília.

– A militância é sempre dura. Mas é possível transmitir a mesma mensagem inconformada e política de uma forma bem-humorada – comenta o diretor, referindo-se à abordagem dos problemas sociais daquela região.

O ponto de partida é a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), que, em 1971, removeu os barracos nos arredores de uma Brasília ainda jovem. Assim nasceu Ceilândia, cenário do enredo. Adirley Queirós conta a correria de um auxiliar de limpeza terceirizado, fã de rap, para se tornar deputado distrital e defender Ceilândia no Congresso (é filiado ao fictício Partido da Correria Nacional). O filme passeia também pelas histórias de uma moradora em busca de imagens e reportagens sobre as remoções dos barracos dos operários durante a CEI e a luta do cunhado do tal candidato para ganhar dinheiro com supostos biscates.