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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Salles discute limites entre ficção e realidade

Oliviia Haiad - Do Portal

10/06/2008

O escritor argentino Jorge Luiz Borges afirmou certa vez: “a ficção começa com a mentira”. Seguindo essa linha, o novo filme do cineasta Murilo Salles, Nome Próprio, discute quais os limites entre ficção e realidade. Até que ponto algo é verdade, e quando se torna mentira? A existência vale a pena? Com a colaboração da professora da PUC-Rio Melanie Dimantas, que assina o roteiro em parceria com Salles e Elena Soárez, o filme teve pré-estréia na universidade, dia 12 de junho, no auditório do RDC.

De acordo com o diretor, Nome Próprio fala diretamente aos jovens. Baseado nos livros Máquina de Pinball e Vida de Gato, da escritora e blogueira gaúcha Clarah Averbuck, o filme conta a história da também blogueira Camila, que respira palavras e textos desejando se tornar escritora. Transbordam na tela inquietações, incertezas, histerias e confusões envolvidas no processo de criação de uma artista que, acima de tudo, é mulher. Camila sente o mundo dentro de si e precisa botá-lo para fora. Salles faz questão de alertar que não se trata uma biografia de Clarah Averbuck:

- Fãs podem se decepcionar, porque a minha Camila é menos pop e multimídia que a de Clarah. Ela quer apenas se encontrar na escrita.

Melanie Dimantas conta que a sua participação no roteiro consistia, inicialmente, em escrever a história de duas personagens, mas com o desenvolver da narrativa ambas acabaram caindo. Então, ela e Salles voltaram-se completamente para Camila. Enxugaram em duas horas e meia as descobertas e perplexidades vivenciadas ao longo do ato de criar.

Melanie acredita que o tema escolhido pelo cineasta, “escrita via internet”, é um instrumento e, ao mesmo tempo, um empecilho para a epifania da garota: "A solidão de Camila amplia sua visão, a aproxima de lugares impensáveis, mas lhe tira o corpo-a-corpo". Para a roteirista, a exibição na PUC vai despertar discussões:

- A exposição na universidade nos aproxima do público crítico e, no entanto, jovem e atento. Nome Próprio é um filme que se volta para si mesmo metalinguisticamente, para se descobrir e se nomear. Há força na busca de Camila, se é que ela se chama Camila mesmo – adianta.

Nome Próprio, o primeiro filme brasileiro rodado inteiramente em formato digital, chega aos cinemas brasileiros em 18 de junho, com 14 cópias. Foi concebido a partir do Edital de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura (MINC), pelo qual cinco filmes recebem, anualmente, R$ 1 milhão cada, e com o prêmio de R$ 200 mil que Murilo Salles ganhou da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Em entrevista ao Portal, o diretor explica que buscou um olhar diferente sobre o Brasil:

- Por que um filme que fala sobre a escrita na internet?

- Murilo Salles: Tem uma coisa que me move quando vou pensar para fazer um filme, o meu norte magnético, que é o tipo de cinema que quero fazer sobre meu país. Em geral, cineastas hoje decidem muito seus filmes em função de uma curadoria internacional.. Um cineasta tem que pensar na exportação do filme. É aquela história: quanto mais local mais universal. Ao escolher o tema, penso: qual o lugar-comum que querem lá fora? Filmes sobre violência, miséria, nordeste, sobre o coitado do brasileiro explorado. Este é um perfil de filme que se repete. Na verdade, não somos um país violento, não somos bárbaros. Somos cordiais, alegres. É uma visão errada do Brasil vendida lá fora: país do sexo, da violência e da barbárie. Quero falar para pessoas reais, para a juventude, não quero falar para pessoas que já têm a cabeça formada. Quero fazer a juventude pensar. E o que me encantou agora foi o fato de o Brasil ser uma país pobre, mas ter uma relação impressionante com internet. Não é o povo que está mais conectado, mas é o povo que fica mais tempo conectado.

- Como chegou até a obra de Clarah Averbuck?

- Estava terminando meu filme anterior quando li uma notícia na coluna da Cora Ronái (do jornal "O Globo) sobre o blog da Clarah Averbuck, que era o oitavo blog pessoal mais visitado no mundo. Procurei então o livro Máquina de Pinball, escrito por ela. Fiquei interessado pelo tema, tratei de conhecê-la e comprei os direitos da história. Aí descobri: o que mais me interessava era a própria Clarah, a operação literária que fazia. Essa discussão entre ficção e realidade que ela cria. Reli o livro e percebi que o assunto era muito juvenil, não me identificava com ele. Descobrie, então, um subtema: a questão do transbordamento feminino, que se chamava antigamente de histeria.

- Qual foi a grande mudança do século passado e de que forma influenciou a elaboração do filme?

- Todos acharam que seria o século da grande questão entre socialismo e capitalismo, mas não foi. O neoliberalismo venceu, e o que ficou? A mudança no papel do feminino. Então descobri isso e o filme se transformou. Tornou-se sobre uma blogueira que quer virar escritora e sofre o transbordamento feminino.

- Por que Leandra Leal foi a escolhida para o papel principal?

- Queria fazer um filme em câmera digital para transportar para a narrativa a sensação de intimidade entre ator e câmera. E com uma equipe pequena, porque no mundo da internet é apenas você e o computador. A idéia original era fazer sem ninguém conhecido, até que um dia cruzei com a Leandra e ela me falou: “Eu vou fazer seu filme”. Ela é excelente atriz, uma das melhores da sua geração. Gostei da forma ousada como ela me abordou, a convidei para um teste e ela arrasou. É uma das grandes atuações femininas da história do cinema brasileiro.

- Qual a importância de fazer pré-estréia em universidade?

- A importância é total. Quero falar diretamente aos jovens, lhes dizer: "Pessoal, é para vocês esse filme. Vocês estão formando a cabeça, a sexualidade, e o mundo não é tão preto ou branco como pensam. Podem haver cinzas, amarelos, verdes. Nada é tão esquemático como dizem. Os motivos que levam a arte são muito intensos, tem que se correr riscos na vida, as pessoas que são taxadas de loucas não são tão loucas assim". Acho que o pessoal de psicologia vai gostar. O de literatura também, porque fala sobre o que é narrar, o ato literário. Escolhi no Rio a PUC porque é um lugar bacana, de excelência, com pessoas inteligentes. Em São Paulo escolhi a FAAP, que tem uma escola de cinema, e a ECA da USP. Esses eventos são um rito meu para lançar o filme para o público, um rito de passagem do filme para o mundo.

- Por que um lançamento praticamente todo via internet? 

- O lançamento vem sendo feito há um tempo. É conseqüência da temática do filme, que fala da internet. Não houve uma estratégia maquiavélica. Eu ia fazer um site, mas acabei optando por um blog. Não havia marqueteiros incríveis, com charutos e ternos Armani, sentados numa mesa pensando: “Oh, vamos iludir a juventude”. É um filme pequeno, feito com dinheiro do Ministério da Cultura, e fomos encontrando os caminhos de divulgação que eram condizentes.

Blog do filme: nomepropriofilme.blogspot.com/ Trailer: