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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Favela e interpretações do cinema

Gabriela Ferreira - Do Portal

07/07/2008

 Gabriela Ferreira

A professora da PUC-Rio Angeluccia Habert falou sobre como o cinema pode mudar, sem variar nas imagens, o modo com o que as pessoas vêem a favela e a nova interpretação que os moradores de comunidades fazem de si na palestra “Leituras Cruzadas do Documentário Contemporâneo”, Angeluccia dividiu a mesa de convidados com Miguel Pereira (PUC-Rio) e Marcius Freire (Unicamp). Segundo ela, a produção de televisão tem uma maturação própria, um processo. Além disso, seu conteúdo é imediatista. O cinema, entretanto, pode abusar da diversidade de produção sem perder o tradicionalismo, embora, para ela, seja difícil revolucionar as imagens quando o assunto é o universo periférico. Como exemplo, a professora cita o fenômeno de bilheteria “Tropa de Elite”, um filme que não a surpreendeu nas imagens, e que pode estar estimulando a violência na sociedade.

De que maneira o filme “Tropa de Elite” reflete as transformações da sociedade brasileira?

Há um medo muito grande e um sentimento de defesa que provoca a criação de muros entre as pessoas da nossa sociedade. O filme “Tropa de Elite” parece que veio para solidificar essa idéia, da classe média se protegendo de uma ligação que existia entre os setores da sociedade. O pensamento dos universitários, aliado a uma lógica de poder e de enaltecimento da violência, vai ao encontro do desejo do extermínio, de acabar com o medo, de criar muro. A classe média não é considerada uma classe sociologicamente. Ela é um depositário de fragmentos das outras classes. E essa noção de classe desaparece nos últimos tempos devido à noção de mercado, de consumo, de todo mundo com as mesmas oportunidades. Então, se você ler a “Carta aos leitores”, de O Globo, a Internet, o “Youtube”, todo mundo advoga um desejo de extermínio. O filme “Entre muros e favelas” trabalha com a idéia de vítima, fala das pessoas que são vitimadas pelo BOPE, pela incursão policial.

A senhora acha que há uma tentativa de resgate de identidade nos filmes que tratam do universo periférico?

Esses filmes têm uma idéia de recuperação de identidade e ao mesmo tempo uma idéia de valor. Eles têm uma vontade de se reconhecer e de manter uma relação consciente e autônoma. Isso a gente não vê em “Tropa de Elite”. O desejo do muro está aparecendo de maneira muito forte. O sentimento dele é pessoal e existencial, mas isso a gente transfere para o sentimento das pessoas que estão na favela. Elas vivenciam essa coisa de serem à parte, mas não é uma parte completa. “Entre muros e favelas” traz a metáfora dos fios, que remete à mistura, uma coisa não identificada. Pessoas vivem a mesma realidade urbana e, ao mesmo tempo, vivem trancadas. Por isso as coisas se relacionam.

Como a senhora analisa o filme “Tropa de Elite”?

Eu não gostei do filme. Assisti por obrigação, eu nem queria assistir. Não me fez o mal que eu pensava em relação à espetacularização da violência. O filme tenta uma amenidade. Quando alguém o assiste, não se choca, não se corrompe, não pensa. Agora, o efeito que ocorre quando o espectador chega em casa é muito forte. O espectador se adianta em uma opinião. Um exemplo disso são as “Cartas aos leitores”, onde todos querem matar, deter, dizem que o BOPE é bom, falam sobre a caveira. Eles falam da morte do outro, à medida que esse outro dificulta suas vidas. O que eu acho que quero dizer, mas não tenho ainda a absoluta certeza, é que a gente está criando um movimento muito forte de justificação do extermínio. Nós estamos em plena democracia e vivenciando, ao mesmo tempo, esse desejo.