Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cultura

Mulheres no cinema nos anos 1950

Gabriela Ferreira - Do Portal

16/06/2008

 Gabriela Ferreira

'Cinema, Nação e Gênero’ foi um dos temas discutidos no XI Encontro Internacional da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine). Entre os convidados para a palestra estavam os professores José Sanchez Mosquera, da Universidade de Ottawa; Luíza Beatriz, da Universidade Federal Fluminense (UFF); José Gatti, da Universidade de São Carlos (UFSCar), e Mauricio Gonçalves, da Universidade de Sorocaba (UNISO). Mosquera falou sobre os mecanismos sócio-culturais da construção dos gêneros sexuais femininos, analisando o filme “La Violetera”, de Luis César Amadori. Luíza Beatriz explicou a representação da mulher em ‘Maridinho de Luxo’, de Lulu de Barros. Traçando a história de O Guarani, Gatti apresentou o início de seu projeto, que resgata a representação do corpo masculino no cinema.

O professor Maurício Gonçalves falou sobre as personagens femininas das obras de Abílio Pereira, nos filmes “Moral em Concordata”, “Dona Violante Miranda”, ambos dirigidos por Fernando de Barros, e “Terra é sempre terra”, dirigido por Tom Payne, e a diferença das adaptações do teatro para o cinema, nos anos de crescimento industrial. A década de 1950, segundo ele, foi marcada pela mudança de comportamento das mulheres e pela atuação coadjuvante dos homens nos filmes.

Como o senhor definiria o gênero dos três filmes?

“Terra é sempre terra” é um melodrama. “Moral em Concordata” tem um quê de melodrama, mas é um drama. “Dona Violante Miranda” tem alguns traços de comédia. É difícil classificar nesses gêneros de locadora. Os filmes trabalham na idéia do drama. Embora o personagem de Dercy Gonçalves já remeta à comédia, em “Dona Violante Miranda”, ela teve uma das únicas oportunidades de se apresentar de forma dramática. Fez cenas sérias, muito boas.

Como a mulher e a atividade sexual estão relacionadas nos filmes?

Nos três filmes, a atividade sexual é apropriada pela mulher para que ela possa ter vantagens a partir dela, e não o contrário, na qual ela seria apenas um objeto de desejo, de satisfação do homem. Em “Terra é sempre terra”, a personagem vai ao encontro de João Carlos, vivido por Mário Sérgio, e quer transar com ele. Ela não é prostituta, nem pervertida, nem sai transando com tudo mundo na fazenda. Ela fala para ele que é só dele. É uma mulher esperta porque sabe argumentar de tal forma que faz com que o homem que gosta fique. Nos outros filmes, as duas personagens têm a atividade sexual como um empreendimento autônomo, elas usam isso para não dependerem da forma patriarcal de convivência. Elas querem dinheiro para projetar um futuro de independência para si.

De que maneira o senhor acredita que esses filmes tenham marcado os anos 50?

A minha luta, minha pesquisa e objeto é trazer os filmes paulistas dos anos 1950 para o patamar onde eles devem ser verificados dentro da cinematografia brasileira, dentro da história. Com a evolução dos anos 1970, de propostas políticas, de linguagens e do cinema novo, que foram muito importantes, as pessoas deixaram de lado a importância do cinema do interior paulista dos anos 1950, mais ligado ao cinema de narrativa clássica e ao cinema europeu que com o norte-americano. Acho que ele é pouco considerado, embora tenha um discurso fundamental. É um discurso que tenta falar da mulher com uma mentalidade que não é a patriarcal, da mulher submissa, da mulher esposa e rainha do lar.

Qual o papel de Abílio Pereira com relação às questões dos direitos das mulheres nos filmes?

A princípio ele apresenta uma mulher que está lançando mão dos seus recursos para sair das convenções. Ele até faz uma metáfora dessa coisa da vigarista. As mulheres que saíam pra trabalhar nos anos 50 eram vistas pela sociedade como prostitutas em grande medida, porque elas deveriam estar no lar. Se elas estão na rua, elas estão se prostituindo. Essa é a mentalidade que ainda está lá. Eu acho que Abílio denuncia, e cabe às mulheres apoiá-lo. Ele diz às mulheres que elas têm habilidades e um papel na sociedade. Esse é só um aspecto de Abílio. ‘Moral em Concordata’ trabalha as questões sociais, da opressão, dos políticos, da falta de justiça, dos pobres.

A questão feminina é uma das questões que ele aborda. O olhar do cinema ainda é masculino?

Sim. Eu gosto de uma frase de Laura Mungri que diz que o corpo feminino é dado à apreciação masculina. Ele é transformado em objeto para que o olhar masculino deleite-se com ele. O corpo masculino não é. Ele é contextualizado. Há um constrangimento em mostrar o corpo masculino, inclusive pela parte da platéia masculina, que fica incomodada. É possível perceber que, em um filme com o nu masculino, a platéia reage, ouve-se um ranger de cadeiras. E que câmera passeia pelo corpo masculino assim como passeia pelo corpo feminino? Quem é que está passeando? É o olhar masculino da platéia.

Não é paradoxal as mulheres conquistarem cada vez mais espaço e autonomia na sociedade e, ao mesmo tempo, serem tratadas como objetos em filmes, novelas e comerciais de televisão?

Esse é o discurso do homem. Isso revela o grande machismo do olhar masculino. As mulheres, à medida que conquistam mais espaço no mercado de trabalho, ficam cada vez mais erotizadas no mundo. A gente precisa reverter isso, pois há um constrangimento e construir o corpo masculino como objeto. Devemos trazer o corpo masculino para deleite dos outros olhares. Cabe ao cinema erotizar esses corpos para deleite dos olhares homoeróticos e das mulheres também.