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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Mundo

Agora Chávez encara desgaste social e oposição fortalecida

João Pedroso de Campos - Do Portal

09/10/2012

 Arte: Carlos Serra

Na mais acirrada disputa presidencial desde 1999, quando Hugo Chávez chegou ao poder pela primeira vez, as urnas venezuelanas o condurizam, domingo passado, ao quarto mandato seguido. Em 2019, completará 20 anos no cargo. Entretanto, a pequena vantagem sobre Henrique Capriles, do Partido Primeira Justiça – 7,5 milhões de votos (54,54%), contra 6,5 milhões (44,97%) – expõe um crescente desgaste do governo populista, financiado pelo petróleo. Para o cientista político Bruno Borges, professor da PUC-Rio, a eleição apertada indica que "dificuldades econômicas, desabastecimento e violência contrastam cada vez mais com o apoio do povo, beneficiado por programas sociais". Indica também uma redução progressiva da vantagem de Chávez sobre os opositores, o que tende a dificultar-lhe as ações para os próximos seis anos no palácio de Miraflores.

Borges observa, por outro lado, que o presidente venezuelano obteve vitórias importantes além da eleição. Refere-se, principalmente, ao referendo constitucional que, em 2009, passou a legitimar reeleições ilimitadas para alguns cargos públicos, entre os quais o de presidente. O especialista acredita que, "enquanto o dinheiro do petróleo puder sustentar programas sociais", o apoio popular fará de Chávez o presidente:

– A grande questão para a democracia na Venezuela é a estabilidade das instituições no país. Chávez chegará a 20 anos no poder. Neste momento, e não só neste momento, em todo o seu governo, ele teve uma base social de apoio, beneficiada por programas sociais. Ele não está no governo à toa, não governa sem apoio social. Enquanto houver este apoio, será capaz de se manter por mais tempo ainda no poder.

O professor avalia, no entanto, que a perpetuação de Chávez no poder insinua-se mais difícil, à medida que a oposição ao presidente muda de tática e se torna competitiva, porque conseguiu preservar a unidade de uma coalizão frágil, na qual se aglutinam cerca de 30 organizações políticas de direita, centro e esquerda. Na opinião de Borges, Capriles, ex-governador do populoso Estado de Miranda, ao adotar o perfil moderado, "não assustou tanto o eleitor com ataques e enfrentamento direto contra Chávez". Referendada com uma votação expressiva, a estratégia de reconhecer os "feitos" da revolução socialista aponta, ainda de acordo com o analista, um caminho para pincelar tons de pluralidade na democracia venezuelana.

– Uma frente ampla da oposição já percebeu que não se pode lidar com Chávez de maneira conflitiva, tentar desqualificá-lo. As pessoas demoraram a perceber que não é uma ditadura, há uma força social muito grande que se beneficia principalmente da distribuição do dinheiro do petróleo – esclarece.

O recente embate eleitoral entre o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Chávez, e a aliança Unidade Democrática, encabeçada pelo Primeira Justiça, não será o único neste ano. Em dezembro, haverá eleições para os 24 governos estaduais. Apenas sete deles são, atualmente, controlados pelos adversários de Chávez. Bruno Borges considera que Capriles, ao aceitar a derrota eleitoral, sinalizou que tentará manter as rédeas da oposição. Até porque, ressaltou o cientista político, os opositores "não devem confundir moderação com negligência":

– Economia e segurança deveriam ser mais exploradas pela oposição. Representam preocupações explícitas dos venezuelanos. A Venezuela tem altos índices de criminalidade, isso mina o apoio ao governo Chávez, principalmente entre os mais pobres, que, apesar de usufruírem dos programas sociais, sofrem mais com a violência, sobretudo em Caracas.

Deveres de casa para o novo-velho presidente

Confirmada a vitória nas urnas, Hugo Chávez fez um discurso ineditamente conciliador, em que reconheceu o desempenho de Henrique Capriles e estendeu a mão aos opositores em prol “da paz e do trabalho na Venezuela”. Para Borges, a retórica expressa "o ideal de Chávez de estar constantemente em campanha". O professor levanta a possibilidade de a tal paz ser prejudicada por problemas em áreas como saúde, alimentação e educação, decorrentes de "gastos mal calculados":

– Estas áreas melhoraram, mas têm um custo mal calculado pelo governo bolivariano da Venezuela. O governo financiou seu poder com o petróleo. Isso ampliou a implementação de políticas sociais distributivas. Todavia, este tipo de gasto descontrolado acaba gerando inflação. O governo não se preocupou nem um pouco em fazer o dever de casa, como o Brasil, no sentido de garantir a estabilidade da moeda – avalia – Há, por exemplo, um problema muito sério com relação a dólares na Venezuela: o câmbio é controlado, e isso se reflete em muitos setores da economia, que ficam muito isolados do mundo. A sociedade fica travada, o que tende a ter um preço político.

O dinheiro obtido com a venda de petróleo, que constitui mais de 90% das exportações e metade do orçamento venezuelano, sustenta a “revolução” de Chávez. Com os lucros da Petróleos de Venezuela S.A (PDVSA), uma das maiores do setor no mundo, o governo, além de manter programas assistenciais de forte apelo junto à população, tem como prática a venda de petróleo em leves prestações a países da América do Sul e do Caribe, como a vizinha Bolívia, que acabam por estimular qualquer prática de Chávez. Borges enxerga, neste ceário, traços perigosos à Venezuala, e pondera que "uma maior transparência nos negócios do governo em relação à população seria o início da sustentabilidade econômica do país":

– Deve-se observar como isso funcionará daqui para frente. Se Chávez conseguirá reduzir a inflação, fazer ajustes fiscais, gastar menos do que arrecada, lidar com o processo da violência e tornar o seu governo um pouco mais aberto, mais transparente.