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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Cidade

Às vésperas da votação, Saara vive deserto de panfletagem

Caio Cidrini e Vítor Afonso * - Do Portal

05/10/2012

 Carlos Serra

Todos os dias, 70 mil circulam pelas ruas da Saara, um dos maiores centros de comércio popular a céu aberto da América Latina. Cravado no coração do Centro do Rio, reúne 1.200 lojas, espalhadas por 11 ruas. Um prato cheio para candidatos e militantes venderem o peixe de olho nas eleições municipais do próximo domingo. Pois a dois dias das urnas, a movimentação política por ali revela-se supreendetemente morna. Um deserto de panfletagens, especialmente se comparado à efervescência de disputas eleitorais anteriores. Na quinta-feira, os apelos sonoros tinham outros endereços: Dia das Crianças e Halloween. Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, a polarização das eleições cariocas e a percepção de um "quadro definido" no primeiro turno contribuíram para esfriar a campanha na Saara:

– Estaria mais movimentado se as eleições não tivessem um quadro bem definido. Hoje temos Eduardo Paes e Marcelo Freixo na disputa.

Ismael lembra que, nas eleições passadas para prefeito, em 2008, os indícios de uma disputa acirrada esquentaram a campanha e o famoso comércio popular foi um dos termômetros da corrida acirrada:

– Em 2008, as chances de segundo turno foram claras desde o início entre três candidatos: Eduardo Paes, Fernando Gabeira e Marcelo Crivella. E isso movimentou mais a cidade. Agora, com as chances remotas de segundo turno e a polarização da eleição, as campanhas ficaram mais frias.

 Carlos Serra Liliane de Oliveira, 32 anos, operadora de caixa em uma loja de artigos de festas, trabalha na Saara há dois anos, das 8h30 às 17h30. Ela estranhou a pouca movimentação política, inclusive na reta final de campanha:

– Está muito fraco. Eu só vi um político passando por aqui e não consegui reconhecê-lo.

A procura por máscaras e fantasias alusivas a candidatos também revela-se abaixo do esperado. Culpa também da "concorrência" externa:

– Nas eleições passadas, vendemos muito as máscaras da Dilma. Mas neste ano, a que mais sai, entre as de políticos, é a do Obama (presidente americano). Agora as lojas estão mais voltadas para o Dia das Crianças e Halloween.

A poucos dias das eleições, nem panfletagem era vista nas ruas e vielas sempre cheias daquela área. Da Praça da República à Rua dos Andradas, o termômetro eleitoral não indicava que o carioca escolherá os próximos prefeito e vereadores depois de amanhã. O promotor de vendas André dos Santos, 28 anos, diz que as militâncias têm preferido outros pontos:

– Eu vi apenas uns dois vereadores passarem por aqui. Quase não há campanha. Na Carioca tem um movimento muito maior do que aqui.

 Carlos Serra A gari Luciana Fátima da Silva tem outra percepção. Garante que já recolheu "um montão" do chão durante os dois meses em que está trabalhando na Saara. Para ela, o dia mais disputado é sábado:

– Neste dia tem mais papel no chão e mais propaganda política.

Nos cerca de 500 metros entre o comércio no entorno da Rua Uruguaiana e o Largo da Carioca, observa-se que André tem razão: a campanha torna-se mais viva e mais visível. Quatorze placas de candidatos indicavam o caminho para o ponto de maior propaganda política do Centro. 

Largo da Carioca ferve e contrasta com o vazio da Saara

Durante os três meses de campanha eleitoral (oficial), centenas de trabalhadores, ambulantes e artistas de rua dividiram o Largo da Carioca com as propagandas políticas. Na quinta-feira passada, o espaço reunia 57 placas do gênero, 620 panfletos espalhados pelo chão, seis bicicletas com cartazes de candidatos e até uma passeata com 20 bandeiras.

 Carlos Serra Uma das bicicletas era guiada pelo DJ Vítor Pereira, de 30 anos. De segunda a sexta, das 8h às 17h, ele troca a música pelo bico na campanha. Ganha R$ 175, por semana, para levar na garupa o cavalete com a foto e o número do candidato. Nas pedaladas pelas pistas do Centro e adjacências, ele percebeu um menor interesse pela eleição: 

– Foi a minha impressão. Eu e mais cinco jovens pedalamos pelas ruas da Lapa, do Centro, do Flamengo e da Glória.

Companheiro de Vítor nas pedaladas, o estudante Igor Marques, de 18 anos, é um veterano neste tipo de trabalho temporário. Embora já tenha panfletado na eleição passada e esteja inserido profissionalmente neste cenário, o jovem admite que engrossa a lista dos céticos com a política:

– Vou votar pela primeira vez esse ano porque sou obrigado a votar.

Já o colega de panfletagem Rafael Cruz, também de 18 anos, que passa os dias tomando conta de um cavalete com o cartaz de um candidato a vereador, confia na importância do voto:

– É uma forma de exercer a cidadania. O direito ao voto é muito importante. Quero escolher o cara certo – empolga-se Rafael.

Técnico de informática por formação, ele recebe R$ 100 semanais pelas nove horas diárias de trabalho no Largo da Carioca. Ontem foi seu último dia por lá. Rafael contabilizou uma média de dez candidatos por dia que fazem campanha naquela área do Centro. Carlos Serra

A jornaleira Silvia Araújo abre sua banca na Carioca às 6h30 e fecha às 19h, de segunda a domingo. Tempo suficiente para testemunhar as várias dicções da campanha no coração da cidade: 

– Moro em Santa Teresa e posso afirmar: não tem lugar com mais propaganda do que aqui. Todo dia tem vereador, até com microfone e caixa de som.

* Colabooração de Carlos Serra