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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cidade

Como vive, ou esconde-se, a celebridade instantânea da vez

Maria Christina M. Corrêa - Do Portal

04/10/2012

 Maria Christina Corrêa

Até março deste ano a nossa mascote da Copa 2014 vivia, literalmente, na escuridão e à sombra de bichos considerados mais atraentes ou sociáveis. Escolhido por sugestão de uma ONG do Ceará dedicada à preservação da espécie e pela alusão à pelota, o tatu-bola, a mais recente celebridade instantênea, ainda é pouco conhecido da população e até de biólogos. Os súbitos holofotes se contrapõem à falta de clareza em torno de informações relacionadas, por exemplo, a idade, reprodução e quantidade de representantes no país. Talvez a fama repentina ajude a tirá-lo do Livro Vermelho do Ministério do Meio Ambiente, que reúne os animais brasileiros ameaçadoss de extinção.

Alheio à ameaça de virar passado e ao cartaz na mídia – sob a forma do simpático personagem criado pela agência paulistana 100% Design –, vive no zoológico carioca o único exemplar da espécie endêmica do Brasil (Tolypeutes Trincictus) no Sudeste. A fêmea de aproximadamente dois quilos e 63 centímetros, contando o rabo, é carinhosamente chamada de Ana Botafogo pelo biólogo Anderson Mendes, da Fundação RioZoo. Uma referência à forma supostamente graciosa de andar, na ponta dos pés, como uma bailarina.

A Equipe do Portal foi até lá para revelar os segredos e manias escondidos pela rotina de escuridão. Encontrou uma Ana Botafogo discreta, arredia, comedida até no cardápio diário. Ela abre, no entanto, algumas concessões na dieta. Se o mamífero típico das regiões de cerrado e caatinga alimenta-se, em geral, de cupins, formigas, besouros e outros invertebrados, o menu do zoológico leva ração para cães e frutas. São duas refeições ao dia, de manhã e no fim da tarde. A mudança, segundo o biólogo, favorece a saúde do animal:

– A ração oferece todos os componentes de que necessita – justifica Mendes.

Uma curiosidade do perfil de Ana Botafogo subverte o imaginário. Tatus desta espécie não cavam, aproveitam tocas de outros animais. A característica reflete-se, talvez, na certa leniência observada num cotidiano sem sobressaltos. Na maior parte do tempo, Ana Botafogo fica fechada, na forma de bola. Dorme quase o dia inteiro. Sai de sua carapaça só ao crepuscular noturno, seu horário preferido para uma caminhada e locomover-se, digamos, mais furtivamente. 

 Maria Christina Corrêa Agressiva em momento algum, é presa fácil para predadores, como a onça pintada, a onça parda, e qualquer carnívoro que a pegue desprevenida ou que tenha força na mandíbula para quebrar a carapaça protetora. Como se não bastasse, é alvo de caça humana no Nordeste. Mendes espera que a fama e o prestígio de mascote da Copa ajudem a tirar a espécie do grupo de animais ameaçados de extinção:

– Isso a expõe para mídia nacional e internacional. Quem sabe gera algum incentivos à proteção, porque tal espécie é nossa, só tem no brasil – torce o biólogo.

Das oito espécies de tatus, esta é a menor e menos estudada. Seguem sem respostas precisas questões como a expectativa de vida e a duração do período de gestação. A própria Ana Botafogo do zoo carioca cultiva certo mistério. Lá chegou no dia 18 de dezembro de 1998, doada por uma mulher. A origem é desconhecida; sua idade, também.

– Não faço a mínima ideia de como ou onde ela (a doadora) achou um tatu-bola no Rio. Quando me  entregou, disse apenas: "Trouxe um tatu para vocês". Fico feliz que tenha trazido para a gente – lembra Mendes.

A escassez de informação é tamanha que os biólogos são incapazes de precisar quantos exemplares há no Brasil. Dos esforços para preservar o tatu-bola, faz parte a busca de um pretendente para Ana Botafogo.

– O único macho de que a gente tinha conhecimento estava no zoológico de São Paulo, mas infelizmente morreu – lamenta o biólogo.

Em tom de brincadeira, diz que a bailarina do zoo não escolheria um candidato que tivesse um dos nomes sugeridos para o mascote da Copa: Amijubi, Fuleco e Zuzeco. "Podiam ter escolhido um nome indígena, de alguma tribo do cerrado ou do Nordeste. É uma forma de passar a cultura dos nossos nativos para as pessoas, até mesmo para os brasileiros", observa Mendes.

 Maria Christina Corrêa O batismo comandado pela Fifa já recebeu 115 mil votos. Se dependesse do biólogo responsável pelo tatu-bola de verdade no Sudeste, o eleito seria  Amijubi, combinação de "amizade" e "júbilo".

– Partindo da premissa de que essas competições devem incentivar a amizade entre os povos, fico com Amijubi, deixando claro que odiei as três sugestões – ressalva.