Livia Ganem* - Da sala de aula
02/10/2012Neste 2012 se comemoram 80 anos do voto feminino no Brasil. Será a primeira vez em que a sociedade brasileira vai escolher seus representantes municipais tendo uma mulher no Palácio do Planalto. Mas o direito ao voto conquistado em 1932 não se reflete em representação política feminina. Mesmo tendo elegido Dilma, em 2010, o país conta hoje com apenas 8,9% de mulheres no Congresso Nacional, 12% nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, segundo dados do governo. Isso faz do país o 141º em ranking de participação de mulheres na política, entre 188 países, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) – atrás de Iraque e Afeganistão, e a uma grande distância de outros países da língua portuguesa como Angola, Moçambique e Timor Leste.
A conquista do voto feminino é resultado de um processo iniciado antes mesmo da proclamação da República. Após muitas tentativas isoladas de pessoas como a gaúcha Isabel de Sousa Matos e a baiana Isabel Dillon, interessadas em se tornarem eleitoras, surgiram os primeiros grupos organizados de mulheres como o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 por Leolinda Daltro. Contudo, foi a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922 e espalhada por diversos estados, a grande responsável pela campanha nacional em favor do voto feminino.
Lideradas por Bertha Lutz e inspiradas nos movimentos feministas europeus e americanos das primeiras décadas do século XX, mulheres como Almerinda Gama, Carmen Portinho e Chiquinha Gonzaga iniciaram uma campanha em várias cidades, usando a imprensa, as galerias da Câmara Federal, os seminários e até a panfletagem aérea para sensibilizar os congressistas e ganhar a simpatia da população. Demonstrando grande habilidade política e capacidade de articular alianças, foram aos poucos, conseguindo adesões em vários estados e espaços.
Em 1927, a Lei Eleitoral do Rio Grande do Norte concede o direito de voto às mulheres norte-rio-grandenses, possibilitando que Celina Guimarães Viana e Julia Alves Barbosa se tornassem as primeiras eleitoras do Brasil e Alzira Soriano, a primeira prefeita da América Latina, nas eleições de 1928.
Alguns anos depois, em 1931, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino promoveu, no Rio de Janeiro, o II Congresso Internacional Feminista para discutir os rumos do movimento. As conclusões foram encaminhadas ao então Presidente Getúlio Vargas, que no dia 24 de fevereiro de 1932 assinou o Decreto nº 21.076, concedendo às mulheres o direito de votar e serem votadas.
A primeira mulher eleita deputada federal foi Carlota Pereira de Queirós, que tomou posse em 1934. Até 1982, o número de candidatas escolhidas para o Legislativo brasileiro poderia ser contado nos dedos da mão. Somente com o processo de redemocratização, da Nova República, os números começaram a aumentar. Foram eleitas 26 deputadas federais em 1986, 32 em 1994, 42 em 2002 e 45 deputadas em 2006 e 2010. E, nas últimas eleições à presidência, duas mulheres estiveram entre os principais candidatos: Dilma Rousseff (PT), atual presidente da República e Marina Silva (atualmente sem partido). Antes delas, tentaram Lívia Maria Pio de Abreu, em 1989, pelo Partido Nacionalista (PN) e Heloísa Helena, em 2006, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
As mulheres foram a minoria do eleitorado brasileiro até 1998. A partir de 2000, o quadro mudou e, nas últimas eleições, em 2010, as aptas a votar já superavam os homens em 5 milhões. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referentes a março de 2012, 71,6 milhões de mulheres (52% do eleitorado) poderão votar, enquanto os homens serão 66,1 milhões (48%). Este superávit feminino tende a crescer nas próximas eleições. Mas há dúvidas sobre a possibilidade de as mulheres conseguirem apoio dos partidos para disputar as eleições em igualdade de condições.
A Lei de Cotas, criada há 14 anos, determina que os partidos inscrevam pelo menos 30% de candidatos de cada sexo e deem apoio financeiro e espaço no programa eleitoral gratuito ao sexo minoritário na disputa. Estudos acadêmicos mostram que, se houver igualdade de condições na concorrência eleitoral, a desigualdade de gênero nas eleições municipais pode ser reduzida.
O procurador eleitoral do Rio de Janeiro Maurício da Rocha Ribeiro explica que, apesar da Lei de Cotas, vários partidos usaram candidatas "laranjas" para burlar a regra nas eleições de 2008 e 2010 no estado. Segundo o procurador, o maior problema da lei é que não determina punição aos partidos que a contrariam.
– Várias siglas entregaram a lista de candidatos com nomes fictícios de mulheres, somente para preencher a cota – disse Ribeiro.
Nas eleições municipais em 2008, os eleitores cariocas tiveram que escolher um prefeito, um vice-prefeito e 51 vereadores. Entre os prefeitos, se candidataram 12, entre os quais duas mulheres. Já para vereador, foram 259 mulheres entre 1.233 candidatos – e somente 31 foram eleitas. A expectativa do Tribunal Regional Eleitoral do Rio é que, para estas próximas eleições municipais, no dia 7 de outubro, o número de candidatas eleitas aumente, devido à fiscalização maior no cumprimento da Lei de Cotas.
Os diretórios dos partidos dizem compartilhar desta intenção e esperam dobrar o número de eleitas. O desempenho feminino do PMDB, por exemplo, tem crescido a cada eleição. Em 2000, foram eleitas 61 prefeitas; em 2004, 75; em 2008, 109 prefeitas e 136 vice-prefeitas. Nas eleições de 2000, elegeu em todo o país 944 vereadoras; nas de 2004, 1.070; e, em 2008, 1.115 vereadoras. O volume de candidaturas também evoluiu de 216 em 2004 para 286, em 2008 e de 273 para 316 vice-prefeitas.
Para a presidente estadual do PMDB Mulher, Kátia Lobo, não é porque a presidente da República é uma mulher que o espaço feminino já está conquistado:
– Esse crescimento nos dá a certeza de que em 2012 teremos um número ainda maior – afirma.
Kátia destaca que o partido tem investido na formação política de mulheres, para formar quadros para atuar no processo político, partidário e social do país:
– As candidaturas femininas tendem a entrar num processo de crescimento lento, mas crescente. Há de chegar o dia em que estaremos libertas das cotas e de tudo mais que necessite lembrar a nossa existência; seremos realmente partes do sistema de forma atuante e participativa.
Integrante do Coletivo Nacional do PSOL, Liliana Maiques também comemora o desempenho das mulheres do partido, ainda novo no cenário político nacional mas que tem a ex-senadora Heloisa Helena como sua maior estrela.
– Em 2008, disputamos nossas primeiras eleições municipais. Não elegemos prefeitas, mas fomos o partido que, proporcionalmente, elegeu mais mulheres vereadoras – disse Liliana.
Para a integrante do PSOL, a resistência à participação da mulher na política se deve a uma herança machista e patriarcal. Para Liliana, o grande passo que falta para a igualdade de condições entre homens e mulheres é a desestigmatização dos papéis masculino e feminino:
– O PSOL aposta que as decisões de utilização de parcela do fundo partidário na formação política de nossas militantes, bem como a implementação da política de cotas nas instâncias de direção, nos permitirão experimentar um alteração positiva nesse quadro. Por isso, os esforços do partido estão voltados para essa prioridade.
Para a historiadora Suely Gomes Costa, uma das possíveis razões para o preconceito contra a mulher é a “resistência dos homens em dividir o poder e compartilhar a profissão”. Além disso, a discriminação histórica e a imposição de obstáculos impedem as mulheres de adquirir prática e com isso melhorar o desempenho.
– O problema de discriminação à mulher é tão antigo que, ainda, durante a República Velha, na Constituinte de 1891, o voto feminino foi negado sob o argumento de que seria “um estímulo ao fim das famílias”. Ou seja, nossa cultura de achar que a mulher é incapaz de exercer a política conscientemente, por serem consideradas inferiores e diferentes em relação aos homens, atrapalhou e atrapalha muito nosso crescimento na política – diz Suely.
Para Hildete Pereira de Melo, professora de políticas públicas da área da mulher, na UFF, apesar de termos conseguido avanços – tanto legislativos quanto sociais – no reconhecimento de homens e mulheres como iguais, ainda há muito que se fazer até a conquista de uma real e plena igualdade:
– O processo de criação de esferas como a Secretaria de Políticas para as Mulheres e o reconhecimento da igualdade de direitos de homens e mulheres é o resultado da enorme e renovada capacidade de insurgência feminina contra a discriminação política que admitia as mulheres como seres incapazes de distinguir e de fazer escolhas no plano politico – afirmou Suely. – Felizmente, a tendência das últimas décadas tem sido de incentivo para que cada vez mais papéis de destaque e de comando no país sejam dados às mulheres, o que demonstra um avanço na luta pela igualdade real entre os sexos, fundamental para uma sociedade justa e democrática – avalia Hildete, lembrando que a Constituição afirma que essa igualdade, além de rechaçar qualquer tipo de discriminação, garante o voto universal.
* Reportagem produzida para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso no primeiro semestre de 2012.
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