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Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 2024


Economia

Europa busca austeridade racional para se reencontrar

João Pedroso de Campos - Do Portal

13/09/2012

 Carlos Serra

Ganha força, na Europa, o grupo que defende o estímulo ao crescimento econômico como solução à crise que mergulhou vários países da zona do euro numa crise renitente. A corrente, liderada pelo presidente francês, François Hollande, avança no segundo semestre, após as eleições de França, Espanha e Grécia. Nos três países, os eleitores levaram ao poder os candidatos que menos propuseram cortes nos orçamentos de saúde, educação e previdência. Foi o “não” das urnas àqueles que, liderados pela Alemanha da chanceler Angela Merkel, buscam na austeridade fiscal o principal bote para evitar o naufrágio que ronda o euro desde o maremoto financeiro de 2008. O tom das recentes negociações na cúpula europeia expõe essa divisão: enquanto Hollande argumenta que “a austeridade não pode mais ser a única opção”, Merkel avalia que o processo de superação das dificuldades “será demorado e exaustivo”. Especialistas apontam que a maior interação política entre os países integrantes do bloco europeu é o primeiro passo para a efetiva recuperação econômica.

A União Europeia foi construída sobre o anseio à paz baseada no equilíbrio econômico. Os fantasmas das duas guerras mundiais influenciaram o ideal de unidade. No início dos anos 2000, então com 15 países, houve pressão para que o bloco aumentasse o número de membros, até chegar às atuais 27 nações. A expansão, observam analistas internacionais, revelava-se conveniente ao capital europeu, que enxergava vantagens na configuração de mercados com custos diferentes. Instalada a crise, o desequilíbrio apresenta a fatura, ameaça a unidade política e turva a luz no fim do túnel. Para o professor Márcio Scarlécio, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (IRI), aqueles que mais pregam a austeridade, como os alemães, têm responsabilidades além de liderar o bloco como potência econômica:

– Para ingressarem na União Europeia, países como Portugal, Espanha e Grécia receberam investimentos que os alçaram às condições necessárias à inclusão. Muitos desses investimentos vieram da Alemanha. A ela, como país exportador, era vantajoso o maior número possível de nações no grupo. Os hábitos de consumo dessas populações atingiram o nível dos “grandes europeus”, que é alto. Isso se deu de maneira natural, mas as economias não acompanharam. A crise não é apenas um equívoco grego, espanhol, português ou europeu. Ela nasceu da crise americana de 2008 e as diretrizes alemãs desde a formação do bloco europeu têm parte nisso – avalia o especialista.

Cunca Bocayuva, também professor do IRI, da PUC-Rio, concorda que as políticas econômicas da Alemanha têm um impacto no equilíbrio entre os países que compõem o bloco econômico:

– As apostas da Alemanha são uma economia endógena forte que possibilite o aproveitamento da desigualdade europeia. Penso que a Alemanha erra ao abrir mão da liderança de um projeto político-econômico europeu em torno de um euro forte – opina.

A economista Elena Lazarou, professora e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que o melhor caminho para a saída da crise passe pela criação de "condições de desenvolvimento que acompanhem a austeridade". Esta manobra, diz ela, partiria do monitoramento da situação econômica e fiscal de cada país e se consolidaria com o debate de prazos mais brandos sobre as dívidas.

– Haverá austeridade, com certeza. Mas quero acreditar que as conversas levarão a uma austeridade mais racional, com prazos mais longos, que beneficiem os países do sul. Isso ajudaria a impor as limitações de um jeito mais flexível, com medidas segmentadas mais gradualmente. Deve-se encontrar um ponto em que a austeridade não agrida tanto a sociedade e os mais pobres. Eu acho que tudo deve acontecer de um jeito muito gradual. Deve-se ver como tudo andou para pensar o próximo passo. – pondera a economista grega radicada no Rio.

O desemprego na zona do euro já chega a 11,2%. Na região, o Produto Interno Bruto (PIB) – soma das riquezas produzidas – se retraiu no último trimestre e um quadro de recessão técnica só não se instalou graças ao crescimento nos três primeiros meses do ano. Para Bocayuva, além de políticas econômicas integradas, a solução passa pela mobilização dos líderes europeus em torno da diminuição do desemprego e pela unificação dos seus projetos de educação, saúde e infraestrutura. O professor ainda ressalva a importância de China e Estados Unidos na superação dos golpes econômicos sofridos pela UE.

– É necessário um projeto político europeu que não se limite apenas ao padrão monetário em torno do euro. O problema não são as diretrizes dos países, eles estão reféns desse cenário conturbado. Não há domínio da crise porque não há um espaço político europeu. Há uma moeda internacional, há uma situação desigual entre os países e não há um Estado europeu. Para injetar recursos de auxílio realmente efetivos, é necessário criar um pacto social, uma unidade europeia que funcione. A União Europeia não é unida. Por isso, chineses e americanos são parte importante no G20 para superação da crise – argumenta o especialista.

Ele acredita que a aproximação política entre os países da União facilitaria um plano de desenvolvimento semelhante ao New Deal, política econômica praticada pelos Estados Unidos no contexto da crise de 1929 que, baseada em investimentos estatais, gerou empregos em larga escala.

– Entre os mecanismos possíveis, há uns mais complicados, que envolvem lidar com custo social, como mexer com a previdência e principalmente com a estrutura de captação; e outros menos complicados, que deslocam o gasto público corrente e o direcionam mais a investimentos. Entretanto, vejo que os altos e crescentes gastos ambientais limitam o horizonte de investimentos. Há intenção em investir, mas dúvida quanto à área em que investir – explica.

 Maria Christina Corrêa Uma amálgama entre austeridade e crescimento também é debatida. Apesar dos perfis econômicos divergentes, o presidente francês, François Hollande, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, afirmaram, em recente encontro bilateral, ser possível conjugá-las. Segundo Cameron, que pratica uma severa política de austeridade na Grã-Bretanha, "o crescimento deve acontecer gradualmente" a partir do saneamento das contas públicas. Já Hollande, socialista eleito sob a bandeira do desenvolvimentismo, acenou com uma abertura a investimentos estratégicos paralela aos cortes. Ele acaba de fazer um corte de 30 bilhões de euros no orçamento francês. Novos impostos também foram criados, no que ele chamou de "maior esforço fiscal em mais de meio século de história".

Elena Lazarou avalia que este é o "processo ideal", mas ressalva: a dificuldade em conciliar cortes e investimentos parte das desigualdades entre as economias que têm o euro como moeda. Para a economista, as diferenças entre o norte e o sul europeus se devem, em grande parte, às divergências em seus perfis de produção e emprego:

– A amálgama é a melhor solução possível, mas faltam consenso e solidariedade entre os países. Isso seria muito bem-vindo em algumas nações, especialmente as do sul. O risco aumentaria no norte, pois suas economias são diferentes, têm tamanhos diferentes. Acho que temos um espaço político europeu, mas apenas às elites. Elas estão tentando achar uma solução conjunta. O que fica claro é que, para a esfera mais popular, falta um espaço político-social. Assim, fica mais difícil chegar a um denominador comum.

Risco de colapso ameaça padrão monetário

Apesar de todos os esforços para conter o endividamento dos países mais debilitados, como Grécia, Portugal e Espanha, analistas mais pragmáticos enxergam que a zona do euro corre risco de entrar em colapso e ver a sua moeda extinta. Entretanto, os discursos de autoridades como o premiê italiano, Mário Monti – “é um túnel, mas há alguma luz no fim dele” – e o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mário Draghi – “faremos o que for possível para salvar o euro” – preferem não reconhecer tal possibilidade. Stefan Wermuth

O discurso de alguns líderes é divergente quanto a um fim próximo da crise. A possibilidade de colapso é discutida como mais real e possível do que anteriormente. Em 2013, entraremos no quinto ano da crise financeira, e a resolução parece longe. Tudo vai depender do que acontece nos próximos meses. Na esfera social, onde se aplica o efeito da crise, há mais razões para acreditar num desastre. As pessoas estão desempregadas – ressalta Elena.

Além de posições austeras ou desenvolvimentistas, o tempo também é algo a ser considerado nesse caldeirão. Medidas que tenham efeito em curto prazo, a exemplo da saída de países como Grécia e Portugal da zona do euro, podem significar um choque muito grande a outros integrantes do grupo.  Esse tipo de decisão, alertam alguns analistas, seria o estopim para o início de especulações sobre a saída de países como Itália, Espanha e Irlanda do bloco econômico. Os mercados, caracterizados por reagirem mal às especulações, favoreceriam o caos econômico na Europa.

Entre os líderes de discurso mais pessimista está David Cameron, cuja declaração em junho localizou a zona do euro em uma encruzilhada: ou se reformula ou enfrenta um potencial colapso. O premiê alertou que as economias mais fracas, como a grega, devem receber mais atenção dos países em melhor situação.

– Haveria uma grande reflexão sobre o projeto europeu. Alguns países seriam forçados a sair, outros se retirariam. Se houvesse um colapso, o custo seria inimaginável. A introdução das moedas independentes causaria um pequeno caos dentro de cada país. Mas os laços comerciais são muito intensos. Os maiores parceiros comerciais dos europeus são os próprios europeus. Depois de alguns anos, um estágio de câmbio estável voltaria, já que as economias são interligadas demais. – avaliou a especialista da FGV, projetando a uma situação de esgotamento do euro.

 

Craques e Paella contra o inferno astral espanhol

A Espanha deve crescer taxas negativas pelo resto de 2012. Soma-se a isso a perspectiva de que o país enfrentará recessão por pelo menos mais três anos. As duras previsões anunciadas mês passado pelo primeiro-ministro, Mariano Rajoy, tiram o sono dos 25% da população que estão desempregados. O número corresponde a pouco mais de 5 milhões de pessoas. Mais da metade dos jovens do país é contabilizada nesses milhões de espanhóis sem ocupação. Apesar da ajuda de 30 bilhões, as previsões de Rajoy assombram a realidade.

Ainda que cortem despesas como telefones celulares, cinemas e academias – cada um desses setores encolheu quase a metade no país –, os espanhóis não têm deixado de frequentar dois tipos de ambiente cujas estrelas têm encantado o mundo: estádios de futebol e restaurantes, os remédios escolhidos para aliviar o peso da crise.

Quando se fala no Olimpo do futebol, ultimamente, fala-se na Espanha. Campeã do mundo e da Europa, a seleção espanhola tem imposto um estilo de jogo praticamente imbatível, à feição do poderoso Barcelona, baseado em duas saudosas especialidades verde-amerelas: o toque de bola e o pendor ao ataque. Mas o futebol bem jogado não é novidade no país. Dois dos maiores clubes do planeta são espanhóis: Barcelona e Real Madrid.

O Barça é unanimidade mundial. Atual campeã do mundo, a equipe tem nos espanhóis Xavi e Iniesta, e no melhor jogador do mundo, o argentino Lionel Messi, sua coluna vertebral. O Camp Nou recebeu, em média, 78 mil torcedores a cada jogo da última temporada. Já o Real, com média de 74 mil fãs por jogo no Santiago Bernabéu, é o atual campeão espanhol. Os merengues puseram fim a três anos de hegemonia catalã no campeonato nacional, comandados pelo segundo melhor jogador do mundo, o atacante português Cristiano Ronaldo.

Apesar dos estilos de jogo distintos, e de outras diferenças além do campo esportivo, Barcelona e Real Madrid têm em comum a caligrafia estrangeira: seus principais craques vieram de fora. Messi chegou ainda garoto ao Barça, virou cria das categorias de base. Mas Ronaldo foi contratado por 80 milhões de libras ao Manchester United, em 2009. Cifras que representam um eloquente contraste: enquanto o país ibérico amarga uma das maiores taxas de desemprego da Europa e teve de receber ajuda financeira do Banco Europeu, as bilheterias nos estádios vão muito bem e os clubes gastaram 350 milhões de euros nas contratações para a temporada 2011/12. Só aqueles dois gigantes investiram 55 milhões de euros cada. E foram superados pelo mediano Atlético de Madrid, que desembolsou 68 milhões de euros.

Também reconhecida muldialmente, a gastronomia espanhola ajuda a lubrificar autoestima e economia combalidas pela turbulência financeira. A típica Paella reina dentro e fora do país. Composta por arroz, carnes e legumes, a iguaria destaca-se em polos gastronômicos como San Sebastián e Barcelona, muitas vezes acompanhada de vinho. Na contramão de países como Itália e França, que viram muitos restaurantes e vinícolas fecharem as portas quando a crise se acentuou, a Espanha não teve grande retração nesses mercados, segundo a Tasting Spain. Pelo menos no apetite e no futebol a Espanha desconhece dias ruins. (J.P.C.)