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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Opinião do Professor

“Jornalismo fast-food dá barriga”, alerta professor

Leonel Aguiar*

07/08/2012

Um princípio ético fundamental da prática profissional do jornalismo determina que qualquer informação, mesmo aquelas que venham de fontes oficiais, deve ser sempre checada com rigor. Entretanto, muitas vezes, os sites jornalísticos – em função da acirrada concorrência entre eles e, consequentemente, do imperativo em publicar notícias mais rápido do que os concorrentes – cometem graves erros éticos que são também erros primários de produção da notícia. Ou seja, abandonam o princípio da verificação da informação com fontes diversificadas e com credibilidade para produzir um jornalismo fast-food que garanta maior audiência na internet às notícias mais lidas, produzidas com rapidez para chegar primeiro ao público.

Ironicamente, a última vítima desse modo de fazer jornalismo de consumo rápido para alimentar internautas famintos por novidades nas 24 horas do dia foram dois impérios bem representativos da vida fast-food: o refrigerante Coca-Cola e a rede de lanchonetes McDonald's. Explico: no último dia 1º de agosto, os sites da revista Veja e do jornal O Globo deram uma tremenda “barriga”, jargão utilizado pelos jornalistas para apontar erros no processo de apuração e edição da notícia. Pior ainda: no afã de acharem que estavam dando um “furo” jornalístico e denunciando as últimas investidas “autoritárias” do governo da Bolívia, publicaram notícia falsa (o governo boliviano iria expulsar a empresa fabricante de Coca-Cola do país) e republicaram uma informação de 10 anos atrás como se fosse novidade (a rede de fast-food decidiu, em 2002, fechar suas lanchonetes no país, diante dos lucros insignificantes).

Uma característica do jornalismo fast-food, nesse caso, é misturar um critério de noticiabilidade vinculado à cultura profissional dos jornalistas – a capacidade de um fato despertar o interesse do público, garantindo a audiência e superando a concorrência – com a vontade de publicizar as visões políticas que permeiam a linha editorial dessas duas empresas jornalísticas. Assim, um discurso do ministro de Relações Exteriores da Bolívia, David Choquehuanca, feito na cidade de Copacabana, na região turística do Lago Titicaca, no dia 13 de junho, sobre a cosmologia dos povos andinos e divulgado em reportagens feitas pelo site do canal de televisão Telesur e pela Agência Venezuelana de Notícias (AVN) – ambos estatais, pertencentes ao governo da Venezuela – serviu de “gancho” para os dois sites brasileiros desencadearem suas críticas ao governo boliviano. Por um lado, as empresas jornalísticas estatais da Venezuela publicaram a notícia fora de seu contexto – o ministro estava anunciando que a Bolívia será sede de um encontro, em dezembro, entre indígenas e movimentos sociais para celebrar o fim do ciclo que marca o calendário maia – e também esconderam a data desse pronunciamento. Por outro lado, os dois sites brasileiros não perderam a oportunidade de criticar o discurso “amalucado” de um representante do governo “esquerdista” de Evo Morales. Arte: Carlos Serra

Entretanto, percebido o erro, os sites brasileiros tiveram posturas éticas diferentes em relação à “barriga”. Enquanto o site da revista Veja assumiu o erro e publicou uma nova matéria (Erramos: a Bolívia não vai expulsar a Coca-Cola), substituindo a anterior (“Bolívia expulsa a Coca-Cola, e McDonald’s quebra no país”), o site do jornal O Globo não faz menção ao erro. Com um título que pretende soar irônico (A bebida do capitalismo), prefere culpar o ministro boliviano pela “barriga”, já que suas declarações teriam levado os sites a especularem sobre a expulsão da Coca-Cola. Nesse ponto, o problema se agrava: além de não assumir o erro de apuração e esconder a “barriga”, o site de O Globo parece não estar atento à própria definição de jornalismo estabelecida no documento “Princípios Editoriais das Organizações Globo”. Diz esse documento, logo em seu preâmbulo, que o jornalismo é “um primeiro conhecimento” sobre a realidade social. Logo, o jornalismo informativo não é lugar de especulação. 

Se concordamos que o jornalismo pode ser entendido como um lugar de produção de conhecimentos singulares sobre a dinâmica imediata da realidade, também é preciso ressaltar que o conhecimento produzido pelo jornalismo deve emergir como um campo de mediação dos interesses, conflitos e opiniões que disputam o acesso à esfera pública nas sociedades democráticas. Nesse sentido, portanto, o que acaba impedindo a liberdade de expressão dos diversos segmentos sociais são os interesses econômicos e/ou políticos das empresas jornalísticas e dos governos que também aspiram ao monopólio do conhecimento produzido pelo jornalismo.

O que as sociedades democráticas esperam do jornalismo, como princípio geral, é a garantia de informações de qualidade, produzidas com responsabilidade social e parâmetros éticos, na qual o interesse público – isto é, as notícias socialmente importantes – supere o fast-food jornalístico.

* Leonel Aguiar é coordenador do curso de Comunicação Social da PUC-Rio.