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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Educação

Impasse na educação deixa 1 milhão de alunos sem aulas

Amanda Reis - Do Portal

24/08/2012

 Arte: Carlos Serra

Completando 100 dias da greve nacional de professores e servidores da rede pública de educação, governo e grevistas vivem um impasse que afeta 1 milhão de estudantes em todo o país. O Portal ouviu educadores a respeito do atual quadro educacional brasileiro, pondo em perspectiva as reivindicações de hoje e sempre, e os caminhos que podem ser trilhados.

Nesta quinta-feira, dia 23, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) , que representa a maioria dos profissionais da educação no país, entregou contraposta ao governo pedindo a reabertura das negociações, interrompidas no dia 3 de agosto – quando o Sindicato de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), representante de menor parte da categoria, assinou acordo com o governo.

No documento, o Andes aceita o piso salarial de R$ 2 mil para professores em início de carreira e regime de 20 horas semanais – contra os R$ 2,5 mil pleiteados – e propõe reduzir de 5% para 4% o reajuste proposto a cada grau de qualificação, em troca da reestruturação da carreira. Além de reajustes e da reestruturação do plano de carreira, os grevistas reivindicam novos concursos públicos para a reposição de vagas em aberto e a criação de data-base, como têm os demais trabalhadores.

Em nota publicada no portal do MEC, nesta sexta, o governo afirmou que não reabrirá as negociações ou analisará a contraproposta, aumentando o impasse.

Doutor em educação e ex-secretário de Educação e Cultura (1979-1983), o acadêmico Arnaldo Niskier lembra que a valorização dos docentes é uma velha reivindicação dos que militam em defesa da educação. O ex-aluno do Instituto de Educação e do Grupo Escolar Rodrigues Alves (em São Paulo), que desde 1984 ocupa a cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras (ABL), cita o Manifesto da Educação Nova, elaborado ainda na década de 1930 por um grupo de intelectuais, entre eles Cecília Meireles, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo. O documento pregava um ensino público gratuito, autônomo, democrático, pluralista, intercultural e de excelência, além de ressaltar a importância dos investimentos na formação e remuneração dos professores no Brasil.

– Depois de 80 anos, os problemas continuam os mesmos. Os discursos são muito bonitos, mas na prática é bem diferente – lamenta Niskier.

Sobre o déficit de profissionais, Niskier avalia que seriam necessários 300 mil professores a mais em todo país.

– Isso não é tão fácil de fazer. Quanto mais cedo tomarmos uma atitude, mais cedo teremos êxito – defende. Mas ressalta: – Dinheiro só não basta. É preciso ajustar os mecanismos. Falta uma vontade política para atender a essas necessidades.

A contratação de novos profissionais foi assinada em julho pela presidente Dilma Rouseff por meio da Lei 12.677, que cria 24.306 cargos de professor para a educação básica e 27.714 vagas técnicas para toda a área da educação federal, mas sem determinar o cronograma para a realização desses concursos, o que preocupa os grevistas.

Professora da rede estadual de ensino e ex-diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe), Vera Nepomuceno avalia que falta investimento na formação dos profissionais e na continuidade do trabalho:

– Todos os funcionários da educação devem ser públicos, não terceirizados. E cada um precisa ter uma formação adequada e um plano de carreira, garantindo que o profissional possa investir na sua carreira e que terá o seu reconhecimento no mercado de trabalho.

Doutor em Educação pela USP, pesquisador de políticas e instituições educacionais, o professor da faculdade de Educação da UFRJ Roberto Leher concorda que o aumento dos investimentos na educação é indispensável:

– Há 15 anos a carreira dos profissionais da educação pública está estilhaçada, e o salário está defasado – afirma.

No dia 27 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o Plano de Educação Nacional (PNE), que aumenta para 10% do PIB o investimento federal na educação, que depende agora da aprovação pelo Senado e de sanção da presidente Dilma Rouseff. Hoje, o percentual destinado à educação é de 5% do PIB. Aprovado pelo Congresso e pelo governo, o investimento aumentaria progressivamente até 10%, em 2023.

Leher acredita que o PNE ainda precisa de ajustes: “É necessário saber a origem da verba, e como isso vai ser feito”. Outro fator que atrapalha a consolidação do Plano é a definição de diretrizes claras, mesmo porque haverá três mudanças de governo até 2023.

 Carlos Serra

As formas de reivindicação

Doutor em Filosofia, formado em Direito e Ciências Sociais na PUC-Rio, o professor emérito da UFRJ Marcio Tavares D’Amaral publicou artigo no jornal O Globo, mês passado, criticando a paralisação de docentes. Para o professor, que dirige o Laboratório de História de Sistemas de Pensamento (transIdea), falta uma forma de articulação mais eficaz:

– É incrível que, nos dias de hoje, ainda se utilize um mecanismo criado pelos operários ingleses no século XIX para fazer valer seus direitos. Não conseguem discutir no meio intelectual, onde devem atuar – afirma Marcio, que também critica a cobertura ineficiente da mídia, destacando apenas as propostas do governo.

Além da greve como forma de pressão na negociação, os grevistas da educação têm realizado atos públicos em pontos de grande concentração como a Cinelândia, palco de atos históricos como a passeata dos Cem Mil, em 1968, as campanhas das Diretas Já, em 1984, e Fora Collor, em 1992. Sem, no entanto, mobilizar número expressivo de militantes nem conquistar adesão da população – pelo contrário: a cada ato sucedem protestos nas redes sociais e nos meios de comunicação contra os grevistas, pelos transtornos causados à cidade. Houve ainda protestos organizados contra a presidente Dilma Rousseff em São Paulo e no Rio, no último mês, e em Alagoas, há uma semana. Nesta quinta-feira, o protesto de estudantes na Uerj foi contido pela tropa de choque da PM, que usou bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes.

A onda de protestos no Brasil é pequena comparada a que ocorre no Chile, onde milhares de estudantes foram às ruas na capital, Santiago, ocupam colégios e enfrentam a polícia cobrando melhorias e o fim da municipalização no ensino. Na Espanha, 80 mil saíram às ruas em Madri e houve protestos em 80 cidades contra a perda de benefícios para os funcionários públicos (o plano do governo envolve economia de € 65 bilhões), no mês passado, com a adesão de desempregados. Na África do Sul, onde 44 trabalhadores de minas de platina – 75% do que é consumido no mundo – foram mortos pela polícia. Os mineiros estão em greve há 12 dias reivindicando melhores salários. No mundo árabe, a onda de protestos iniciada no fim de 2010 utilizou o Youtube e redes sociais como Facebook e Twitter para organizar protestos que levaram à deposição de ditadores como Hosni Mubarak, no Egito, e Muamar Kadafi, na Líbia.

O jornalista Arthur Ituassu, professor e pesquisador de comunicação e política da PUC-Rio, ressalta que o uso da internet e das redes sociais permite a descentralização de movimentos sociais.

– As manifestações virtuais têm o potencial de democratizar a participação, fora dos núcleos centralizadores, já que o acesso é cada vez mais fácil. Há uma ausência de mecanismos de interação além dos centros – afirma Arthur, acrescentando ainda que o alcance e o baixo custo de mobilização virtual, que dispensa material impresso.

Jornalista e blogueiro, Jorge Henrique Cordeiro acredita que a greve deveria ser representada no mundo virtual também, por meio de vídeos no Youtube e ações nas redes sociais.

– Manifestações nas ruas não conquistam mentes nem corações. Irritam mais do que explicam. Os movimentos sociais precisam explorar mais a internet. Podem fazer um material pontual e espalhar na rede. Se a mensagem for boa, vai ter apoio.

Jorge Henrique lembra o caso da banda punk Pussy Riot, que divulgou no You Tube um vídeo de protesto contra o presidente russo Vladimir Putin, alcançando repercussão mundial, em fevereiro último. As três jovens foram condenadas a dois anos de prisão.

 Para ambos, porém, as manifestações virtuais não substituem as práticas nas ruas.

– A greve é uma atuação no mundo real e se faz necessária para o discurso não se tornar teórico demais. É preciso haver as duas intervenções; uma não invalida a outra – afirma Cordeiro.

– São mecanismos consolidados há décadas, que propiciam visibilidade e a discussão na sociedade – completa Ituassu.

Para Marcio d’Amaral, a informação é um bem cada vez mais valioso no mundo, e depende diretamente da valorização da educação:

– No mundo da globalização, o mais importante é a informação. O setor econômico é importante, mas o investimento na educação e em tecnologias é essencial para o Brasil não ficar dependente de outros países. O sistema econômico não se mantém por si só.

CRONOLOGIA DA GREVE DA EDUCAÇÃO

17 de maio: professores e servidores da educação decidem entrar em greve.

27 de junho: a Câmara dos Deputados aprova o Plano de Educação Nacional (PNE), aumentando de 5% para 10% do PIB o investimento federal na educação até 2023, que depende agora da aprovação pelo Senado e de sanção da presidente Dilma Rouseff.

6 de julho: a presidente Dilma vem ao Rio para entrega de chaves do programa Minha Casa, Minha Vida e para a inauguração de anexo do Hospital Miguel Couto, e é alvo de protestos de servidores. No mesmo dia, governo anuncia que cortaria ponto dos grevistas. 

15 de julho: Reunidos, reitores de 40 das 59 universidades federais ligadas à Associação Nacional de Reitores (Andifes) se manifestam contrários ao corte de ponto, uma vez que professores se comprometem a fazer a reposição das aulas.

24 de julho: o governo federal faz nova proposta, aumentando o reajuste mínimo de 12% para 25%; e oferecendo até 40%, além dos 4% já concedidos pelo governo numa medida provisória, para professores com maior titulação e em dedicação exclusiva. O aumento seria aplicado em março de 2013. Apenas a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes) assina o acordo.

9 de agosto: o Ministério da Educação encerra as negociações.

17 de agosto:Oito universidades federais aceitam proposta do governo e deixam a greve: Rio Grande do Sul (UFRGS); Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA); São Carlos (Ufscar), no campus de Sorocaba; São Paulo (Unifesp), no campus de Guarulhos; Santa Catarina (UFSC); Instituto Federal do Paraná (IFPR) e Instituto Federal do Acre (Ifac). 

23 de agosto: Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (Andes) fez uma contraproposta ao governo, pedindo reabertura das negociações. Os professores aceitam a redução do reajuste de 5% para 4% de acordo com cada grau de qualificação e o piso de início de carreirade R$ 2 mil.

24 de agosto: MEC reafirma que as negociações não serão reabertas.