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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Crítica de Cinema

Allen faz uma viagem irônica por uma Roma idealizada

* Miguel Pereira - Do Portal

10/07/2012

 Divulgação

O que move Woody Allen na direção de Roma não é a cidade que hoje conhecemos. É aquela idealizada, surpreendente, glamourizada, romântica, moderna e tradicional que o imaginário mundial construiu através do cinema e de outros meios de comunicação. Portanto, um lugar de memória perfeitamente conjugável com histórias triviais e cotidianas. Não é por outro motivo que um dos personagens do filme é um arquiteto que se tornou famoso por construir shoppings centers. Outro é um diretor de ópera aposentado com ideias avançadas demais para o seu tempo. Há ainda um homem comum que se torna celebridade fabricada pela mídia e um jovem da província, recém-casado, que chega a Roma para conseguir um lugar seguro de trabalho com seus parentes ricos. Os quatro são uma espécie de alter-ego do próprio Woody Allen.

Já nas cenas iniciais, interpretadas pelo próprio Allen, ainda no avião, a fragilidade e os medos corriqueiros apontam para o seu permanente bom humor. São gestos revestidos pelos tons ácidos da crítica ao comportamento social das pessoas comuns, não importa a classe ou a sofisticação. Também as dúvidas do arquiteto para se situar no Trastevere, onde viveu décadas antes, fazem parte do mesmo contexto, agora revivido na figura um jovem em situação semelhante.

O mesmo desenho está nos dois personagens italianos do homem comum, o que se torna célebre e o recatado jovem de província. Assim, Woody Allen elabora facetas de um mesmo sentimento ligado à imaginação que uma cidade pode oferecer a diferentes personas. Além dessa memória sentimental dos personagens masculinos, também investe nas figuras decisivas das mulheres. São elas que tomam as atitudes mais transformadoras das ações dramáticas. Da garota de programa, brilhantemente interpretada por Penelope Cruz, à jovem ingênua do interior, todas as figuras femininas do filme exercem o papel da razão e da lucidez, fustigando o machismo simplório dos homens. Para Roma com amor é um filme que distribui entre todos os seus personagens e figurantes parcelas de um bom humor irônico e em alguns momentos fortemente satíricos. Basta lembrar as cenas operísticas do chuveiro ou as filmagens nas ruas de Roma.

A moldura que encaixa as situações dramáticas está ancorada numa Roma em que o espaço arquitetônico tem primazia sobre o sentido cultural e histórico das obras. Vale mais como paisagem turística do que como vida cultural, embora, aqui e ali, Allen faça menção a esses monumentos como pertencentes a uma cultura milenar. Roma e os romanos são olhados pela câmera do cineasta americano com alguma nostalgia que aparece no score musical e nos tipos construídos à moda de Fellini e outros cineastas italianos que Woody Allen sempre admirou.

Sem abdicar de sua maneira crítica de fazer cinema, Para Roma com amor se insere num conjunto de filmes em que as cidades deixam de ser meros espaços dramáticos para se tornarem verdadeiros personagens dos enredos de seus filmes. O guarda de trânsito que abre e fecha o filme é o símbolo de uma cidade imantada por essa aura do lugar do romance, do encontro e da vida alegre. Todo o resto não aparece.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.