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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Crítica de Cinema

Ridley Scott faz uma alegoria do mal no mundo

Miguel Pereira * - Do Portal

06/07/2012

 Divulgação

Mais que o mito da criação, Prometheus, de Ridley Scott, é uma versão da presença do mal no mundo em que vivemos. Como em toda ficção-científica, a narrativa antecipa o tempo para nos falar dos dias que correm. Não por outro motivo, a busca do conhecimento se circunscreve ao momento que ela é realizada. É fruto do contemporâneo que não se desprega do passado e ao mesmo tempo ousa olhar para o futuro. No início de Prometheus, o uso que se faz da descoberta de matrizes de DNA, redunda na morte e na violência. Trata-se de uma guerra suja entre ciência, patentes, poder econômico e interesses políticos. Na rápida caracterização desse contexto, Ridley Scott situa a sua história e tudo que veremos a seguir será sempre referenciado a esse princípio, incluindo a imagem da protagonista, ainda criança e em situação de desamparo. Aliás, essa parece ser uma marca dos filmes de ficção-científica de Scott, desde Blade Ranner.

Há sempre um espaço para mostrar o mundo natural como uma imagem que se contrapõe aos artifícios da paisagem fria dos metais, dos gases e da aridez dos lugares siderais e sem vida humana. Por mais simpáticos que sejam os interiores das naves e estações espaciais, arte potencializada por Stanley Kubrick em seu genial 2001, uma odisseia no espaço, que Ridley Scott parece homenagear neste seu Prometheus, são caracterizados como reprodutores da vida cotidiana e suas defesas onde a gravidade se relativiza. Sua função é de proteção contra um mundo externo ameaçador. Dir-se-ia hoje, contra os ¨estrangeiros¨ imigrantes.

A narrativa de Ridley Scott conjuga ainda outras temáticas que podem ser percebidas tanto nas simbologias referenciadas ao longo do relato, como no próprio enredo da história contada. Se Prometheus é um pré-ser que representa aquele que experimenta o fruto proibido e mergulha nas águas profundas do inconsciente, configurando-se como um monstro que personifica o poder do mal no mundo, o sentido de uma redenção religiosa tem também seu lugar nesse universo configurado como um futuro incerto para a humanidade. Alguns pequenos sinais aparecem nos diálogos e mesmo em frases musicais, como o Natal. Assim, Scott deixa no espectador uma certa dose de esperança da redenção. Não há dúvida que a micro-história de amor, representada pela médica e seu namorado intergaláctico, é uma forma de humanismo explícito. Mas, também não há dúvida que o mal nos acompanha e está em luta permanente para vencer a batalha.

As ameaças que vêm de fora pertencem à tradição do cinema de ficção-científica e é nela que Ridley Scott ancora a sua narrativa. Muito bem realizado, Prometheus utiliza todos os recursos dos efeitos especiais, mas não faz deles o seu centro. Estão a serviço de uma narrativa sempre envolvente e que leva também o espectador a se indagar sobre questões que hoje nos afligem enquanto habitantes de um planeta em rápidas transformações. A nossa sobrevivência futura depende das atitudes que adotarmos agora. A ganância e o desejo da imortalidade podem nos levar a destruir a vida humana.

*Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.