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Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 2023


Economia

"Brasil tem condições de superar efeito dominó da crise"

Tiago Coelho - Do Portal

28/05/2012

Tiago Coelho

O turbilhão financeiro provocado pela crise europeia não deixará um país a salvo, acredita boa parte dos analistas. A cada vez mais provável saída grega da zona do euro e a confirmação, quinta-feira passada, do pior nível de atividade econômica do continente nos últimos três anos apontam para um contágio mundial extenso. Ou "dramático", como avalia o economista e professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha. "Se a Grécia deixar o bloco, o mundo todo será abalado, numa versão piorada da crise de 2008", projeta. A saída, segundo ele, é o equilíbrio entre os modelos de austeridade monetária proposta pela Alemanha e o mais voltado ao crescimento e ao bem-estar social. Embora descarte a imunidade brasileira, o decano do Centro de Ciências Sociais (CCS) acredita que o país tem condições de superar os ventos externos desfavoráveis, inclusive o freio dos investimentos estrangeiros. Em entrevista ao Portal, Cunha afirma que o pacote de estimulo ao consumo interno e a luta pela queda nos juros deixarão o Brasil "um pouco mais confortável". O analista ressalva, no entanto, que a retração econômica da China e as barreiras alfandegárias na Argentina são pedras no caminho ao "pleno desenvolvimento", para o qual "precisamos criar uma poupança interna".

Portal PUC-Rio Digital: Em busca de soluções para a crise, a Europa beira o impasse entre a austeridade econômica proposta pela premier alemã, da Angela Merkel, e a corrente que defende medidas voltadas ao crescimento e ao bem-estar social, da qual faz parte o presidente recém-eleito da França, François Hollande. Na opinião do senhor, que modelo se mostra mais adequado?

Luiz Roberto Cunha: A questão dos dois modelos é irrelevante neste momento. Se a crise na Europa criar uma ruptura interna, como a saída da Grécia do bloco, vai abalar o mundo todo de uma forma dramática. Será uma repetição piorada da crise de 2008, que fez com que todas as economias do mundo sofressem fortemente a queda da produção e o aumento do desemprego. Mas em 2008 foi uma crise do mercado financeiro, agora é uma crise dos países. O modelo dos benefícios sociais da Europa infelizmente acabou, ficou infinanciável. Não há mais condições de os países da Europa terem um volume de recursos que eles aportavam para manter os benefícios sociais. Um país como a Grécia tem uma estrutura de Estado muito ineficiente. Gastou muito, não só no quadro social. Para se ter uma noção, na igreja ortodoxa grega o clero recebe dinheiro do Estado. O Banco Central Europeu deixou isso acontecer culminando na crise.

Portal: O modelo de austeridade fiscal revela-se, então, o remédio mais necessário?

Cunha: Por outro lado, há uma série de desconfianças quanto ao modelo proposto pela Alemanha. É necessário um equilíbrio das propostas que estão sendo colocadas pelos dois países (Alemanha e França). Quando você tem uma dívida muito alta, existe uma relação da dívida com o PIB. Se o custo desta dívida não é administrado, o país vai quebrar de qualquer maneira. Não se pode deixar chegar neste circulo vicioso no qual o custo da dívida cresce mas o PIB não cresce, reduzindo o crescimento da economia e inviabilizando o modelo. É preciso dosar. Um período mais longo de ajustamento fiscal é uma ideia que vigora hoje. O problema é que os prazos estão acabando. A Europa vive um imobilismo político grave. O problema na Europa é uma crise de estagnação econômica e política, e a dificuldade de tomar decisões nos prazos necessários só agrava a situação.

Portal: Com uma moeda unificada e sem a possibilidade de tomar decisões especificas para cada país, pode-se dizer que a Europa luta contra um efeito dominó: se um país cair levará os outros?

Cunha: Exatamente. Com uma moeda comum, você não consegue desvalorizar, criando uma armadilha. A moeda comum foi uma decisão política, pois ajudou a integração da Europa, depois de duas grandes guerras no continente no século passado. No contexto político e econômico, fez um certo sentido durante um tempo a criação da uma moeda comum. Mas na questão fiscal, uma moeda unificada não facilita. Introduziu-se esta moeda para países que não tinham condições econômicas, como a Grécia. O problema é que a agora a saída pode gerar um efeito dominó. A regra é a seguinte: o euro emitido por qualquer país europeu tem o mesmo valor em qualquer outro país. Se um determinado país diz que o euro não vale mais, isto tira a segurança da moeda e afeta todos os países da Europa. Por isso, há um esforço enorme para segurar a Grécia. Mas o custo de segurar a Grécia está ficando inadministrável. Se houver uma opção política democraticamente do povo grego de eleger um governo que se nega a pagar sua divida, então necessariamente a Grécia terá que sair do Euro. Pois isso gera uma desconfiança que pode quebrar o sistema financeiro. Ninguém imaginou que a situação pudesse chegar a tal ponto.

Portal: O senhor diria que o mês de junho, para o qual estão marcadas as eleições gregas, será decisivo para o futuro europeu e até mundial?

Cunha: Sim, junho tende a ser muito difícil para a Grécia. Já está havendo uma corrida bancária na Grécia. As pessoas estão indo ao banco para tirar dinheiro, pois, se a Grécia sair da zona do euro, a moeda seguinte vai sofrer uma grande desvalorização. Não existe uma saída clara. No passado, quando economias como as do Brasil e da Argentina davam um calote da dívida, desvalorizava a moeda, ficavam alguns anos mal, mas depois encontrava-se uma solução. Quando se unificou a moeda na Europa, congelaram-se as diferenças relativas entre as economias. Não há mais escolha, o caminho agora é evitar uma ruptura e uma crise que terá consequências para o mundo inteiro, inclusive para o Brasil.

Portal: Como esta crise afeta diretamente o Brasil?

Cunha: Afeta nossa exportação, principalmente. A China está importando menos minério de ferro, menos soja; os Estados Unidos, também. Mas temos um mercado interno grande, e por isso o governo nessas últimas semanas voltou a tomar medidas de defesa do mercado interno. O Brasil não está 300% preparado como a presidente Dilma declarou há alguns dias. Não se deve usar números aleatoriamente, porque números podem ser checados. Mas hoje temos uma situação mais confortável. Há mais reserva de moedas estrangeiras do que tínhamos em 2008, apesar da desvalorização acentuada do câmbio nesses últimos dias. Mas, de qualquer forma, temos quase 300 bilhões de dólares em reserva. Nunca tivemos tanta reserva de moeda estrangeira, e isto dificulta uma especulação em cima do real. O grande problema é que, desta vez, em termos de economia mundial, um país como a China, importante para as exportações brasileiras, está passando por certo ajuste. A China está desacelerando, em parte, porque ela também é afetada pela crise na Europa. O risco de uma ruptura na zona do euro ou a continuidade da crise por um período muito longo pode nos afetar um pouco, apesar de a economia brasileira ter a expectativa de crescer um pouco mais do que cresceu no ano passado.

Portal: Até que ponto a recente redução na entrada de investimentos externos representa uma perda do prestígio internacional amealhado pelo Brasil na última década?

Cunha: O Brasil tem uma boa credibilidade, atraindo investimentos externos e uma estabilidade política muito forte e sólida, o que contribui para sermos menos afetados pelas crises. O que se observa hoje no cenário mundial é uma instabilidade política que impede os governos de tomarem decisões rápidas. Acontece isso na Europa e também nos Estados Unidos, onde republicanos e democratas não se entendem com relação a aumento de impostos e cortes de gastos. O Brasil tem a vantagem da estabilidade política. Mas nenhum país passará ileso neste momento, principalmente se houver o agravamento da crise na Europa. O Banco Central do Brasil, indo contra uma visão média dos economistas, que apostaram que a crise iria se agravar, investiu no controle da taxa de juros. Acrescenta-se o fato de temos uma taxa de desemprego baixíssima. Pelo contrário, há escassez de mão de obra e em muitos setores os salários cresceram. Estimular o consumo interno ajuda.

Portal: O senhor considera proveitosas a queda de braço entre a presidente Dilma os bancos privados, em torno de juros e tarifas menores?

Cunha: A taxa de juros no Brasil é muito alta, em parte por conta da carga tributária, e também porque a nossa economia tem resquícios e vícios de longo período com inflação alta. Não conheço um país no mundo que tenha vivido um período tão longo de inflação alta como o Brasil. Isso criou uma série de distorções. Por isso, este é um bom momento para se enfrentar o problema. Mas tem de haver cuidados quando se utiliza os bancos estatais para reduzir a taxa de juros, pois, em geral, eles são menos eficientes do que os bancos privados. E você tem um problema: se o banco estatal tiver prejuízo, quem paga a conta somos todos nós. O Banco do Brasil já quebrou algumas vezes, e a conta sempre foi socializada. Então, essa medida me preocupa um pouco. O próprio Banco do Brasil e a Caixa Econômica resistiram um pouco, pois sabem do risco que envolve para a saúde financeira do banco reduzir juros. Mas, por outro lado, é um problema que precisava ser enfrentado.

Portal: Ainda em relação ao sistema bancário, qual a sua avaliação sobre as novas regras da caderneta de poupança?

Cunha: As mudanças na caderneta de poupança foram bem feitas e ousadas. Precisavam ser feitas. A competição da poupança e dos fundos de investimento de renda fixa privado fizeram os bancos públicos e privados reduzirem as taxas de administração, que eram extorsivamente altas. Então, nós temos de fato um momento muito positivo para a economia brasileira, e a presidente (Dilma) está enfrentando questões que foram postergadas por anos. Certa vez, li uma coisa muito interessante no jornal: o (ex-presidente) Fernando Henrique criou o Plano Real para combater a inflação, o (ex-presidente) Lula promoveu o desenvolvimento social e a Dilma é a presidente dos juros reais baixos. É positivo isso. É claro que o Banco Central tem que ter flexibilidade se houver o aumento da inflação, para poder subir de novo os juros. A medida da poupança foi muito inteligente e bem feita. Se há um imposto que é totalmente injusto e contra a população de renda baixa, este imposto chama-se inflação. Na época da inflação alta, as pessoas de melhor renda viviam bem; e as de renda baixa sofriam muito. 

Portal: Mas o estímulo ao consumo interno não pode, de certa forma, prejudicar o controle da inflação, que triplicou no mês passado?

Cunha: A inflação triplicou em abril por uma questão meramente pontual. O cigarro aumentou para fazer as pessoas diminuírem o consumo e o contrabando. A inflação brasileira está, numa avaliação acumulada em 12 meses pelo IPCA, em torno de 5%. O ano passado foi de 6,5%. Este ano ficará um pouco mais baixa. A inflação, neste momento do Brasil, não é uma preocupação. Por isso, dá para o governo até se preocupar em estimular o consumo interno. Claro que, para olhar o equilíbrio do país num prazo mais longo, você tem que estimular também a produção, mas o governo está olhando também para isso. Uma das medidas importantes tomadas recentemente foi a redução do IPI. O problema é que o setor privado, para investir, precisa ter não apenas retorno financeiro, mas também uma perspectiva de um prazo mais longo. O Brasil tem certas distorções que atrapalham o investimento, como a carga tributária alta e a burocracia. Leva-se tempo para abrir firma. Essas questões estruturais deveriam ser olhadas mesmo num momento de crise. As medidas que visam reduzir a carga tributária são importantes. Nunca o Brasil cresceu de uma forma mais sustentada quando o mundo não ia bem.

Portal: Embora os exportadores estejam comemorando a volta do dólar para a casa dos 2 reais, o setor amargou uma queda de 23% em abril, derivada, em grande partem a barreiras alfandegárias impostas por países como a Argentina. Na sua opinião, como o Brasil deve enfrentar este problema?

Cunha: A Argentina é uma tristeza em matéria de economia. Um país que já quebrou recentemente e se recuperou de uma forma muito frágil e um pouco fictícia, pois os dados econômicos são totalmente falseados. A economia argentina é um péssimo exemplo para qualquer país. Agora, ela resolve seus problemas econômicos internos, que vão de mal a pior, fazendo a coisa que parece ser mais fácil: bloqueando importações. O Mercosul nunca conseguiu prosperar, pois a diferença entre as economias brasileira e a Argentina é muito grande. A nossa economia sempre foi mais forte, mais preparada, organizada, transparente e eficiente. Na Argentina, há um excesso de intervencionismo, e o Brasil precisa ter mais dureza quanto a isso.

Portal: A recente reestatização da petrolífera YPF também causa desconfiança do mercado externo com relação à Argentina?

Cunha: Sim, claro. O problema de uma empresa estrangeira, principalmente neste setor estratégico, é sempre delicado, pois todo mundo hoje precisa de petróleo. Quando se assina um contrato, ele precisa ser respeitado. Um país que rompe contratos e não paga um valor (indenizatório) adequado, está sujeito a ficar isolado dos mecanismos internacionais de financiamento. A Argentina está tentando mascarar seus problemas tomando atitudes que o Brasil jamais tomou quando se integrou ao mundo globalizado. O Brasil se singulariza na América Latina por essas diferenças.

Portal: Voltando ao câmbio, o senhor acredita que se tenha chegado a um equilíbrio com o dólar em torno dos dois reais? A política cambial está no caminho certo?

Cunha: O câmbio estava distorcidamente desvalorizado, e isto prejudicava as exportações brasileiras e as indústrias. Mas, (o dólar) sair da casa de R$ 1,70 para 2,10 em algumas semanas assusta um pouco. Se o governo está acertando na questão dos juros e do mercado interno, acho que o governo erra na política cambial. De fato, a taxa do real estava muito valorizada, distorcida. Os alunos estrangeiros aqui na PUC ficavam horrorizados com o valor da Coca-Cola, por exemplo, em dólar. O governo interveio muito no mercado de câmbio, que tem suas particularidades. Tem, como qualquer mercado, um elemento chamado especulador. O especulador no mercado não é uma figura negativa e nefasta. Eles ajudam o mercado a ter mais liquidez para operar. O governo travou, segundo especialistas, o lado da venda do dólar no mercado. Então, o único vendedor de dólar no mercado era o Banco Central. Na hora em que o mundo piorou um pouco mais, e ficou claro que o governo gostaria que o real se desvalorizasse, o mercado aproveitou isso e puxou o dólar para cima. Foram tantas restrições para a entrada de recursos com prazos muito longos, que o feitiço virou conta o feiticeiro. Agora há uma preocupação, e isso pode afetar um pouco mais a inflação. A intervenção é necessária, mas tem que ser feita de forma inteligente. Se o governo de um lado percebeu que a crise seria longa e começou a reduzir os juros, a outra área do governo que interferiu no câmbio não percebeu que poderia criar um mecanismo que faria o dólar subir muito rápido. Em economia, as pessoas que acham que podem dar soluções mágicas e rápidas, em geral, quebram a cara.

Portal: Na sua avaliação, qual é o principal entrave para o "pleno desenvolvimento" da economia brasileira?

Cunha: O principal entrave para o pleno desenvolvimento do Brasil é a falta de poupança interna. Discordo desta coisa, dita por muitos economistas e jornalistas, que a China cresce 10% ao ano e o Brasil, apenas 5%. São coisas diferentes. Na Índia e na China a poupança é enorme, mas é uma poupança forçada e baseada no sacrifício da população. São modelos culturais e sociológicos totalmente diferentes. Eu não gostaria de estar na pele de um indiano ou um chinês, a não ser que eu fosse um dos dirigentes máximos desses países. A miséria nesses países é muito grande. Na China, apropria-se da mão de obra de uma maneira muito dura. Por isso, o Estado chinês tem uma poupança grande, às custas de uma dureza social. No Brasil a sociedade vive, como um todo, melhor, principalmente nos últimos anos, quando se reduziu a inflação drasticamente e observou-se uma inclusão social forte. Os três grandes gastos que a sociedade democrática tem, com a previdência, a saúde e a educação, na China isto é uma coisa resolvida, de maneira imposta pelo regime do país. A educação de primeira qualidade só é oferecida ao primeiro filho por causa da política demográfica. Na área da saúde, a medicina tradicional em larga escala é acessível. Há também o fato de Índia e China serem países com uma população muito grande, possibilitando a formação de uma poupança vultosa, mas custo desta poupança pesa na sociedade. Nosso modelo ocidental é um pouco mais difícil de se resolver e deve ser pensado com uma política de longo prazo.