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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Crítica de Cinema

"O grande silêncio" abre janela no mundo poluído de imagens

Miguel Pereira* - Do Portal

21/05/2012

 Divulgação

O Papa Bento XVI escreveu uma bela mensagem para o 46ᵒ Dia Mundial das Comunicações, domingo, 20 de maio de 2012. Seu texto busca identificar o papel do silêncio e da palavra no mundo da comunicação atual. Entender o silêncio como uma forma de expressão do sentimento humano e de respeito ao outro não é negar a comunicação. Ao contrario, o silêncio é um ato comunicativo importantíssimo das relações entre os homens e com o próprio Criador. A vida em silêncio é uma descoberta e um apelo. Do ponto de vista da autorreflexão, é um espaço para si que vai além de uma meditação ocasional. É um mergulho em si.

Por outro lado, esse silêncio, exercido pela vontade, transforma-se em dialogo mais intenso e consistente com o outro. A palavra confunde quando não se origina nessa forma inicial de comunicação. De certo modo, é o silêncio que dá sentido à vida. Exemplo expressivo dessa conjugação entre silêncio, som e palavra é o inspirado filme O grande silêncio, de Philip Gröning, de 2007. Embora nunca tenha sido exibido comercialmente no Brasil, só em sessões especiais, é um documentário sobre a vida monástica dos cartuxos da abadia Chartreuse, nos Alpes franceses, perto de Grenoble.

O cineasta passou seis meses imerso na vida da comunidade, como se fosse um deles. Trabalhou com limitações, usando apenas a luz natural, e mostrando, com sutileza e talento, o dia a dia dos monges. Foram cerca de 300 horas de material filmado que, na edição, caiu para duas horas e 40 minutos. Tempo alongado pela beleza que o silêncio nos traz e o carisma de vidas entregues nas mãos de Deus. As marcas do tempo externo só existem no filme como passagens e paisagens da natureza que mudam ao longo das estações.

O entorno é representado, simbolicamente, pelas montanhas, árvores, plantações e alguns animais. No mais, são os monges e sua rotina de orações e trabalho. O ritmo do filme é a pulsação interior desses sujeitos e a sua relação com o transcendente. Pequenos gestos, posturas de corpo, isolamento voluntário e entrega à vontade de Deus constroem um clima de sedução na busca do sentido da vida e de uma felicidade mais plena. Não há conflitos. Tudo se integra.

Esse silêncio é cortado apenas pela palavra divina, pelo som da natureza ou do ambiente e pela música como forma de oração. O filme de Philip Gröning nos leva para a contemplação e para o interior de nós mesmos. É uma raridade neste mundo poluído de imagens e sons que parecem não ter sentido.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.