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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Crítica de Cinema

Beto Brant revela o submundo violento que afeta a Amazônia

Tiago Coelho - Do Portal

27/04/2012

Divulgação

Os lábios de Camila Pitanga, emoldurados pelos closes íntimos de Beto Brant, traduzem com perfeição o extenso título do sétimo longa metragem do diretor paulista: “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”, baseado no romance homônimo de Marçal Aquino, que estreou em circuito nacional na sexta-feira passada. O cenário da trama é uma pequena e remota cidade perdida na Amazônia, um paraíso corrompido com a chegada de madeireiros, grileiros e toda sorte de bandidos que exploram a derrubada predatória da mata. É para este local que os três protagonistas partem em busca da redenção dos seus pecados.  

Pois é justamente este Jardim do Éden enganoso, consumido pela violência da disputa de territórios, que eles escolhem para fugir dos demônios que aterrorizam o passado. E é lá que eles se afloram.

Camila Pitanga compõe com perfeição a Eva que sucumbe aos desejos proibidos. Desnuda, em todos os sentidos, a vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival do Rio 2011 por esta interpretação é Lavínia, uma prostituta de sarjeta convertida ao evangelho pelo missionário Ernani (ZéCarlos Machado), que se apaixona por ela e a acolhe. Juntos, seguem para o vilarejo ribeirinho onde, além de pregar as palavras da Bíblia, o pastor compra briga com os madeireiros e alerta a população para o desmatamento indiscriminado no local.

Lá chega também o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado), que fica obcecado por Lavínia e a toma como musa inspiradora para suas fotos. Os dois mordem a maçã do pecado que desencadeia uma ciranda de traição e crimes. Assim o vilarejo revela que nada tem de pacato, como observara a Cauby um palhaço do circo vagabundo: “Esta cidade é mais perigosa do que você pensa”.

Brant desloca as armadilhas do submundo urbano, que retratou em filmes como “Ação entre amigos” (1998) e “O invasor” (2001), e o encaixa no submundo rural, cuja inocência perdida (filmada por Cacá Diegues em “Bye, Bye Brasil”, de 1979) é cada vez mais frequentes no noticiário do país desde a morte de Chico Mendes, em 1988. O crime ambiental decorrente da derrubada de árvores traz a reboque uma violência ambiciosa das máfias que se estruturam nos clarões das matas devastadas, da conivência e dos interesses políticos e do silêncio criminoso das autoridades.  

Os medos, desejos e misérias são aproximadas do espectador pelos planos fechados e pela estética crua que caracterizam a obra de Beto Brant, potencializados na fotografia naturalista de Lula Araujo. O elenco impecável contribui para o enriquecimento da história, que não poupa o espectador do turbilhão de sentimentos vividos pelos personagens. Veterano da sétima arte, Gero Camilo é uma atração à parte interpretando um melancólico e sensacionalista colunista social, que se diverte revelando os segredos de alcova dos moradores da cidade, e assim tenta aplacar o vazio de sua vida.  

Os filmes de Brant, tradicionalmente, expõem em carne viva personagens em busca de alguma salvação. Desta vez, o cineasta, que divide a direção com Renato Ciasca, como já fizera em "Cão sem dono" (2007), aproveita para mostrar também nossas mazelas permissivas com o futuro ambiental do país, num momento em que a presidente Dilma Rousseff pretende renegociar a flexibilização da lei permitindo a recomposição de áreas desmatadas ilegalmente, anistiando pequenos e médios produtores rurais.