Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cultura

Cineasta conta como nasceu o filme sobre Celso Furtado

Maria Eduarda Parahyba - Do Portal

05/05/2008

O cineasta e professor da PUC-Rio José Mariani lançou dia 4 de abril, no circuito comercial, seu documentário mais recente, “O longo amanhecer”. Sem cair na armadilha da neutralidade ("não acredito em documentário neutro", diz Mariani), o filme expõe a evolução do pensamento do economista Celso Furtado, costurado com depoimentos de Antonio Barros de Castro, João Manuel Cardoso de Melo e Ricardo Bielschowsky, entre outros. Ao mérito estético e jornalístico, soma-se o peso histórico. O longa registra uma das últimas entrevistas concedidas pelo ex-integrante da Academia Brasileira de Letras antes de morrer, aos 84 anos. Em entrevista ao Portal, Mariani revela como nasceu a idéia de conjugar a história e as histórias do mais importante economista brasileiro do século XX com a história política do país.

- Como e quando surgiu o interesse de fazer uma cinebiografia sobre Celso Furtado?

- Mariani - A escolha do tema é um processo orgânico: um filme vai gerando outro. Você vai desenvolvendo, abrindo horizontes, criando áreas de interesse. Você aprende alguma coisa com cada filme que realiza. Em “Cientistas Brasileiros”, sobre dois físicos nucleares pioneiros no Brasil, César Lattes e José Leite Lopes, tive contato com a chamada "geração do pós-guerra", pessoas que tinham um projeto, o ‘Projeto de Nação’. Eles pensavam no Brasil em termos nacionalistas e desenvolvimentistas. Por que eles pensavam assim? Pelo contexto histórico da época do pós-guerra. Abriu-se um horizonte em que tudo estava para ser feito. Esta geração criou várias instituições de ensino e pesquisa para a ciência no Brasil. Então eu pensei em continuar trabalhando com essas pessoas e busquei uma outra área de conhecimento, a das ciências sociais. O nome do Celso surgiu naturalmente.

- Eu li que ele não se entusiasmou em princípio. Como isso se refletiu em você?

- Ele vivia entre Paris e o Rio, tinha uma agenda muito apertada. E não era uma pessoa entusiasmada no sentido de querer ser filmado. Tinha um temperamento um pouco recolhido. Mas isso não me desanimou não. Muito pelo contrário, eu persisti com o projeto. Comecei a fazer uma pesquisa e nela eu agreguei uma consultoria de conteúdo, uma de economia do Ricardo Bielschowsky. Foi até bom esse tempo antes de iniciar as filmagens, deu para maturar o projeto. Fui filmar praticamente um ano depois.

- Celso Furtado morreu quatro meses depois de o senhor tê-lo filmado. A morte afetou o resultado do filme?

- A filmagem com o professor Furtado foi bastante proveitosa. Eu achei que pudesse filmá-lo depois, para eventuais lacunas temáticas que surgissem no processo de edição. A morte dele afetou a percepção do material. As coisas se movem. Eu comecei a perceber no material um discurso de reflexão, um balanço de vida, como se falasse para as próximas gerações. O material começou a adquirir um significado mais definitivo.

- As histórias dele e do país se misturam, interagem. Esta interação é explorada no filme?

- São três linhas narrativas na estrutura do filme. Quanto ao pensamento do professor Furtado, é um pensamento sobre a economia brasileira. Celso Furtado foi um economista que agregou a história na economia, um estruturalista. Ele estudou o processo econômico sob a perspectiva histórica. O filme tem como tema central a evolução do pensamento de Celso Furtado. Outro fio condutor é a história política brasileira. A terceira linha narrativa remete à trajetória biográfica do economista. Estas linhas vão se afastando e se aproximando. Isso facilita o entendimento.

- Celso Furtado disse que queria “captar o essencial da realidade pela análise”. O documentário segue esta prerrogativa?

- O documentário não trata da realidade. É difícil definir o que é a realidade. O documentário é fruto do encontro de duas pessoas, do autor do filme com sua personagem. Há este conflito de perspectivas: eu planejo um filme e a personagem tem uma autonomia em relação a ele, a personagem existe a priori do filme. A minha intenção foi traduzir para o cinema o tema complexo que é o pensamento de Celso Furtado sobre economia.

- Como é a escolha das personagens para os seus documentários?

- Em todo filme, ficção ou documentário, cabe à direção escolher boas personagens. O Celso é uma figura carismática, singular no seu pensamento e na sua trajetória de vida.

- O senhor se distancia das personagens ou transmite-lhes sua paixão?

- Esta questão surgiu nos debates nas instituições de ensino e culturais nas quais o documentário foi exibido. O filme não tem um pensamento que polemize com o pensamento do Celso Furtado. Eu não quis, dentro do filme, discutir outra linha de pensamento, eu assumi o do Celso Furtado, eu fiz um filme a favor de Celso Furtado. Eu não acredito em um jornalismo neutro, não acredito em um filme documentário neutro, eu não acredito em uma obra de arte neutra. Eu acho que a manifestação ideológica do autor se manifesta em algum grau. Acho que o contraditório, no caso específico do Celso Furtado, deve se dar entre os filmes ou entre a mídia. Por exemplo, você não encontra na mídia brasileira nos cadernos de economia articulistas que tenham a mesma linha de pensamento nacionalista, desenvolvimentista de Celso Furtado. Há muitos discípulos de Celso Furtado na academia, mas na mídia você não encontra. O filme não subestima a inteligência do espectador para ler os dois lados da questão na mídia.