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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


Cidade

Niterói procura soluções para escalada da violência

Caio Fiusa - Do Portal

24/04/2012

 Jorge Neto

Cidade com a maior renda per capita do país (R$ 2.031), entre as primeiras no IDH nacional, Niterói vem sofrendo com uma onda de violência que levou o secretário de Segurança Pública do estado, José Mariano Beltrame, a anunciar no último dia 11 um pacote de medidas de reforço no policiamento ostensivo. A migração de marginais para a região metropolitana e o interior, relacionada à instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas cariocas, seria responsável pelos casos recentes de assaltos e mortes que têm assustado os moradores e gerado críticas à política de segurança do estado.

No dia 31 de março, o médico Carlos Vieira de Carvalho Sobrinho, de 65 anos, foi morto a tiros em frente de casa, em Icaraí, numa tentativa de assalto. Na madrugada de 1° de abril, o universitário Jorge Luiz Carvalho, de 24 anos, teve morte cerebral após ser atingido no pescoço em um assalto no Ingá. No dia 7, o policial militar Celso de Jesus, de 47 anos, foi morto após tentar impedir um assalto a um posto de gasolina no Fonseca, Zona Norte da cidade. No último sábado, dia 14, a diarista Maria Aparecida dos Santos, 48 anos, foi vítima de uma bala perdida na frente de casa, em Pendotiba. Na Zona Sul de Niterói, foram registrados de janeiro a abril seis assaltos a residências. No mesmo período, no ano passado, não houve qualquer ocorrência.

A população reclama da falta de patrulhamento em áreas como a Zona Sul, onde têm ocorrido a maior parte das ocorrências, e nas favelas, onde se inflitraram traficantes e líderes de quadrilhas cariocas. Alguns moradores têm evitado sair à noite e frequentar locais vulneráveis. Nos dois úlimos sábados, os movimentos Rio de Paz e Niterói quer Paz promoveram manifestações na Praia de Icaraí em protesto contra a criminalidade na cidade.

A empregada doméstica Letícia Valadares, 50 anos, prima do estudante Jorge Luiz, participou da manifestação na Praia de Icaraí no último sábado.

 Jorge Neto – A gente acha que essas coisas não acontecem com a gente, ainda mais perto de casa. Ele sempre foi muito amigo. Ele estava levando uma amiga em casa, preocupado com a segurança dela. Estou sem chão – desabafou Letícia, contando ainda que a rotina de toda a sua família foi afetada pelo medo: – Minha vida mudou. Minha filha estuda na UFF à noite e não volta mais sozinha, o marido dela vai buscá-la. Também evitamos sair na rua com minha neta.

Também morador de Niterói e presidente da Organização Rio de Paz, criada em 2007, Antônio Carlos Costa, de 49 anos, comemorou a participação da população:

– Niterói hoje é uma cidade refém do medo. O estado psicológico da população é deplorável. O movimento é para expressar nossa indignação. Não podemos ser prisioneiros, temos que enfrentar. Cada morte será chorada, nós vamos gritar.

A estudante de direito Luisa Assunção, de 19 anos, uma das organizadoras do Movimento Niterói quer Paz, destacou o caráter pacífico da manifestação e a grande adesão de jovens, boa parte recrutada pelas redes sociais. A página do protesto na rede teve 5 mil participantes.Jorge Neto

– É importante mobilizar os jovens, queremos nos manifestar. Moro em São Domingos, que sempre foi um bairro muito tranquilo, mas amigos e familiares já sofreram com a violência. O policiamento é uma medida paliativa. Para longo prazo, é preciso inserção social, escolas, locais para recuperação de dependentes químicos, uma política pública.

De acordo com a secretaria, 366 policiais vão reforçar o 12° BPM (Niterói). Entre as medidas estão previstas a criação de duas companhias destacadas do batalhão, cada uma com cerca de 100 homens, nos morros do Cavalão e do Estado, além de 33 motos e 44 soldados para realizar rondas na cidade e a instalação de bases de Polícia Montada. Operações policiais em Niterói nos últimos dias prenderam suspeitos e apreenderam armas e drogas. Agentes fotografaram e mapearam morros de helicóptero a fim de planejar as próximas ações, e o secretário Beltrame fez visitas-surpresa ao batalhão esta semana, para verificar a atuação do reforço. Oscar Motta, líder do movimento SOS São Francisco, outro bairro da Zona Sul, aponta o número reduzido de policiais como principal problema de Niterói, e sugere investimento na formação e preparo dos soldados. A perda de 2.400 homens desde 1974, ano da junção dos estados da Guanabara e do Rio, é sentida nos municípios de Niterói e Maricá. Nos anos 80, Niterói contava com 1.200 PMs, numa população de aproximadamente 380 mil habitantes. Hoje, tem cerca de 700, para cerca de 480mil. Jorge Neto

– Destes 700 policiais, 500 fazem o policiamento em três turnos em Niterói e Maricá. É um número ridículo. Reivindicamos prioritariamente o aumento do batalhão para 1.200 homens. Esse é o primeiro passo. E não adianta reforçar apenas o batalhão de Niterói, mas também os dos arredores. Se não, os bandidos saem daqui e vão para os municípios vizinhos – defende Motta, que diz já ter percebido uma melhora no policiamento nas ruas, mas ressalta: –Tem que ser contínuo e atender a outras áreas, como Pendotiba e Piratininga.

De acordo com o cientista político Ricardo Ismael, professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, o problema não se resolve com a chegada de mais policiais à região metropolitana nem com a implantação de UPPs.

 Mauro Pimentel– O governo não tem efetivo treinado, e os traficantes sabem disso. O modelo das UPPs tem dado certo, traz uma repercussão positiva, mas é caro, e exige grande contingente. A Polícia Militar não tem pessoal treinado para atender a toda a demanda. Não pode concentrar as forças. A dificuldade são as ações preventivas em Niterói, na Baixada, etc. 

Ainda assim, Ismael acredita que a solução seja aumentar o número de soldados na rua.

– A ideia de aumentar o efetivo está sendo levada adiante pelo Beltrame, mas o cobertor é curto, o que pode comprometer a capital. É preciso que a ação do governo do estado não fique apenas na capital mas que possa atender à toda região metropolitana.

O sociólogo Paulo Jorge Ribeiro, também professor do Departamento de Sociologia e Política, lamenta que as ações públicas só comecem quando a violência passa a atingir a classe média alta, ganhando visibilidade na mídia:

– Os crimes nas áreas nobres são divulgados. Já os das áreas periféricas não são percebidos. Itaboraí é como a Baixada Fluminense, por exemplo. No caso de Niterói, por exemplo é observar os números efetivos de policiais e as áreas de vulnerabilidade. A questão é ver onde as áreas são bem policiadas, no caso da Zona Sul do Rio, e repetir isso em outros lugares para equilibrar as coisas e elevar os indicadores.

 Monalisa MarquesConhecedor da realidade de favelas cariocas, o cientista social Adair Rocha, professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e autor do livro Cidade Cerzida: A costura da cidadania do Morro Santa Marta, acredita que o problema não pode ser tratado exclusivamente como algo restrito à cidade fluminense: "Estamos falando de política pública; tem que ser vista no Rio, no estado, no Brasil", pondera.

Além das medidas adotadas, ele sugere uma integração para o combate à criminalidade de maneira unificada:

– A prefeitura de Niterói tem que estar em sintonia com a do Rio de Janeiro e esta, com o Ministério da Justiça para as coisas terem uma prática comum e todos terem clareza de que política não se resume a polícia.

A assessoria da Secretaria de Segurança Pública disse ao Portal que não se manifestaria sobre as ações em Niterói, que agora são atribuição da Polícia Militar. A assessoria da PM não respondeu ao pedido de entrevista.