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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Cidade

Páscoa menos doce para órfãos da Chaika de Ipanema

Amanda Reis* - Do Portal

04/04/2012

 Jorge Neto

Nesta Páscoa não há encomendas nem movimento na Chaika, tradicional confeitaria e lanchonete de Ipanema, que completa seis meses de portas fechadas. Cenário de encontros, almoços e aniversários de gerações de cariocas ao longo de cinco décadas, a casa de gestão familiar fechou depois de um incêndio, e sua reabertura depende de acordo entre os sócios.

– Aqui era um lugar tão alegre. Agora, parece um túmulo – suspira o empresário Eduardo Santos, emocionado, ao receber o Portal dentro do estabelecimento, para falar pela primeira vez à imprensa sobre o fechamento.

Eram 2h da manhã de 21 de setembro de 2011, uma quarta-feira, e o gerente ainda estava na loja, consertando um computador. Ao ouvir estalos na parte elétrica, ligou para o patrão, Eduardo Santos, e para o Corpo de Bombeiros. Não deu tempo. O que não foi destruído pelo fogo ficou alagado. De intacto, sobrou o letreiro. Jorge Neto

Hoje pouco ali lembra a colorida loja fundada pelos pais de Eduardo, César e Izolda em 1962, no número 321 da Rua Visconde de Pirajá, quase esquina da Joana Angélica e vizinho da Praça Nossa Senhora da Paz. Sobre uma das mesas, iluminada com um improvisado ponto de luz, resistia uma toalha de papel com o logotipo da loja.

A clientela fiel lamenta. Para o comerciante Reynaldo Campos, 72 anos, o Pitanga, morador e “profundo conhecedor” de Ipanema, a Chaika faz parte da história do bairro, de um tempo em que todos se conheciam. Tornou-se frequentador assíduo ainda na época dos fundadores e tem muitas recordações do lugar: ali tomou café da manhã com várias namoradas, levou as filhas para lanchar quando eram pequenas e saboreava as tortas e a canjica.

 Alexandra Aranovich (blog Destemperadinhos) – A Chaika é uma mulher que me abandonou. Agora, procuro os mesmos mimos em outras – lamenta Pitanga, para quem “o clima agradável e refrescante”, o bom atendimento, os produtos de qualidade faziam a diferença.

A jornalista Andréa Vianna, 50 anos, também conhecia a Chaika “desde que era uma portinha”. Na adolescência, costumava encontrar as amigas para trocar confidências sobre os namorados.

– Para curar as fossas, a gente se suicidava nas tortas de chocolate da Chaika.

O restaurante também faz parte da memória afetiva da advogada Ana Theresa Lemos, 49 anos, amiga de Andréa, que adorava tomar sundae “e esquecer o mundo do lado de fora”. Quando começou a frequentar a Chaika, na década de 1980, estava no primeiro trabalho com carteira assinada. Ao receber o salário, sempre ia jantar com o namorado, hoje marido.

– Adorávamos comer o medalhão com arroz à piamontese e o rosbife.

A tradição se estendeu aos aniversários dos três filhos, quando encomendava a torta de brigadeiro ou a Fofinha.

 Jorge Neto – O lugar me remete à juventude e aos bons momentos – diz ela, que chegou a ser vizinha da confeitaria e todos os dias tinha o apartamento invadido pelo cheirinho de pão de ló.

Nos últimos anos, passou a dar mais atenção ao aroma do hambúrguer, prato favorito da mãe, que perdeu em 2009. Para a advogada, nada substitui o restaurante de Ipanema. Nem mesmo a filial, no shopping Rio Sul. “Os pratos não têm o mesmo sabor, o ambiente e o atendimento são totalmente diferentes”. Agora, diz se contentar com os quitutes da Padaria Ipanema.

– Pelo menos ficaram mais gostosos, depois que um dos confeiteiros da Chaika foi trabalhar lá.

 Jorge Neto O escritor Ricardo Froes, 60 anos, morador de Ipanema que costumava ir à Chaika toda semana, também entra na padaria vizinha de vez em quando, mas prefere visitar suas lembranças. Seus pratos favoritos eram o rosbife com salada e o bolo de brigadeiro, atração de alguns dos aniversários comemorados lá. Hoje, sente falta da opção de lanchar, almoçar, fazer um programa família. A loja do shopping ele não conhece. “Não gosto de ambiente fechado”, decreta o também arquiteto, que destaca ainda o ambiente da loja original.

– O prédio era velho, mas aproveitaram bem o espaço. Antes de impermeabilizarem, chovia mais debaixo da marquise do que na rua – diverte-se.

Cliente assíduo, Ricardo acabou tendo um contato maior com César Santos, sócio da lanchonete que era hipnólogo. Com ele fez um tratamento contra síndrome do pânico, interrompido pela morte do terapeuta, há cinco anos. – Como pagamento, César pedia donativos para um orfanato que ajudava – conta.

César cortava o cabelo no Salão Souza, no Centro Comercial de Ipanema, na calçada oposta à da Chaika. É lá que há 22 anos trabalha a depiladora Deli Pereira, 42, que frequentava a lanchonete havia 20 anos. Era fã dos sorvetes, das tortas de abacaxi e brigadeiro, do bolo de laranja. E ainda encomendava a ceia de Natal e bolos de aniversário do filho.

– A Chaika é insubstituível. Meu sonho era ir lá até ficar velhinha. Era como uma família – lamenta ela, que fez amigos entre os funcionários.

 Arquivo pessoal Ligia Lopes 

A jornalista Daniella Cavalcanti está especialmente triste este ano. Neste sábado 7 de abril, dois dias depois do aniversário da mãe e da tia, gêmeas, ela completa 40 anos. Por vários anos, as mulheres da família comemoravam juntas num lanche na Chaika.

– Amava os sundaes, os milkshakes, os waffles e a banana split, o melhor do mundo – lamenta a jornalista, que tinha em suas festas sempre a mesma torta, de profiteroles: – Todos esperavam por isso, era outra tradição.

Nascida em Ipanema, Daniella frequentou a casa durante toda a infância. O programa era ir à Praça Nossa Senhora da Paz e depois lanchar na Chaika. Hoje, mora na Gávea, mas seus pais continuam no bairro. Depois que teve filhos, também os levava ao restaurante, passeio casado com a ida à casa dos avós. “Eles faziam coleção dos enfeites de papel que vinham nos canudos”.

A estudante de Comunicação da PUC-Rio Jéssica Vidal, 20 anos, também coleciona lembranças da infância, quando toda semana ia comer waffles e milk-shakes com os pais e os avós.  Jorge Neto

– Era um programa repetido mas nunca chato. Já conhecia os garçons. Parecia uma lanchonete de fora do país. Agora, quando quero ir à Chaika, apenas sento e choro. É insubstituível.

Do lado de dentro da confeitaria, Eduardo, que comandava o lugar com o irmão César Santos, morto em 2006, também se diz perdido, sem saber direito o que fazer quando chega o fim de semana. Depois de anos de trabalho à frente do restaurante aberto pela família, fala da satisfação que tinha em atender os clientes e da tristeza de ver o salão fechado e escuro. Muitos o abordam para perguntar se a Chaika vai voltar. Se depender dele, sim.

Para isso acontecer, porém, problemas precisam ser contornados. O empresário tem como sócia a irmã, Izolda Toledo, que herdou a parte de César e não tem interesse na reabertura. Eduardo conta ainda ter dificuldades para receber o dinheiro do seguro, que ainda não foi integralmente pago por burocracia das seguradoras.

Os funcionários foram dispensados. A maior parte das demissões foi feita amigavelmente, mas o dono desconfia que possa enfrentar alguns processos na Justiça, embora ainda não tenha sido notificado.

– Grande parte dos meus funcionários era fiel.

A filial do Rio Sul é dirigida em sociedade pelos herdeiros – Eduardo, a irmã Izolda Toledo e as filhas dos dois, Paola e Cláudia. Izolda e as outras sócias foram procuradas, mas não responderam aos pedidos de entrevista.

Sobre a diferença da filial, ele confirma que há mesmo:

 Alexandra Aranovich (blog Destemperadinhos) – O cardápio é praticamente igual, mas, quando a filial foi criada, não se tinha a intenção de fazer uma cadeia de lojas. É questão de gosto.

Quanto à origem do nome, Eduardo conta que foi uma receita improvisada. Um primo que fazia aula de japonês pediu ao professor uma lista com sugestões. A família queria um nome bonito, pequeno e inédito. O empresário lembra que gostou de um, mas era muito grande. Fez algumas modificações, tirou e trocou letras até chegar à grafia Chaika. Não há nenhum significado específico. A não ser na memória de gerações de cariocas.

Incêndios
Outros dois tradicionais restaurantes do Rio sofreram incêndios recentemente. A pizzaria Guanabara, no Leblon, pegou fogo na madrugada da última segunda-feira. Segundo funcionários, o incêndio começou no sistema de gás, e foi controlado pelos bombeiros por volta das 4h. O restaurante voltou a funcionar normalmente à noite. Na madrugada de 10 de janeiro, o prédio histórico da churrascaria Majórica, no Flamengo, foi parcialmente destruído por um incêndio, provocado por uma churrasqueira elétrica que foi deixada ligada. O casarão, de 18, já reabriu após uma reforma.

* Colaborou Caio Fiusa.