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Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


País

Brasil perde outro gênio: Millôr Fernandes, aos 88 anos

Tiago Coelho* - Do Portal

28/03/2012

 Divulgação

Quatro dias depois de o Brasil ter perdido o humorista Chico Anysio, a cultura nacional se despede de outro gênio. Vítima de falência múltipla dos órgãos e para cardíaca na noite de terça-feira, o escritor Millôr Fernandes morreu, aos 88 anos, na sua casa em Ipanema, Zona Sul do Rio. O velório do ex-fundador O Pasquim será nesta quinta-feira, das 10h às 15h, no Memorial do Carmo, no Caju, Zona Portuária.

Carioca da zona norte, Millôr nasceu em 16 de agosto de 1923. Em referência ao bairro em que passou a infância, ele se deu a alcunha de Guru do Méier, apesar de ter feito de Ipanema seu refúgio desde 1954. 

O sentimento de perda incalculável corresponde à personalidade e à produtividade tão singulares. A figura humana que preferiu o erro na certidão de nascimento ao nome escolhido (Milton), que enalteceu o frescobol como um “esporte sem vencedores e vencidos” e que se denominava um “escritor sem estilo” mistura-se ao virtuosismo multiforme. Jornalista, tradutor, dramaturgo, roteirista, desenhista, impossível enquadrá-lo numa etiqueta profissional.

Jornalista autodidata, deu seu primeiro passo na profissão aos 10 anos, quando teve uma ilustração publicada no impresso O Jornal, do Rio de Janeiro. Aos 15 anos, em 1938, começou a trabalhar na revista O Cruzeiro. A experiência bem-sucedida o estimulou a criar o que se tornaria outra referência no mercado editorial: Pif-paf.

Com mais de 50 títulos publicados, dentre livros de prosa, poesia e peças de teatro, Millôr lega uma obra primorosa para contemporâneos e gerações seguintes. Colecionou prêmios no teatro, como relativo a Um elefante no caos, em 1960, e tornou-se igualmente proeminente na TV e na mídia impressa. Millôr imprimiu suas ilustrações e textos geniais em publicações como A Tribuna da ImprensaJornal do Brasil e fundou, nos anos de chumbo, O Pasquim, que evocava o humor contra o regime militar.

O cartunista Ziraldo lamentou a morte do companheiro de Pasquim:

– É complicado falar sobre o Millôr, até porque tínhamos o pacto de não fazer elogios fúnebres quando um de nós morresse. Millôr nunca fez uma piada vazia. Toda piada que contava era sempre profunda. Então, prefiro falar do Millôr com uma piada que ele sempre fez: Millôr vai chegar ao céu, vai apontar o dedo para Deus e dizer: "Essa pressa leviana demonstra um incompetente. Por que fazer o mundo em sete dias, se tinha a eternidade pela frente?".

Outro antigo colega de Pasquim lembrou características e habilidades pouco conhecidas do jornalista.

– Ele era cordato e humilde. Mas também era um cara charmoso e conquistador – diz o jornalista Haroldo Zaguer. No âmbito profissional, o que poucos sabem é da habilidade para a administração: Millôr tinha uma visão liberal e dividia parte dos lucros [do Pasquim] com os funcionários no fim do ano, uma espécie de 14º salário – revelou.

Dessa época, Haroldo ressalta a censura recorrente na redação, que os obrigava a saídas às vezes mirabolantes, e lembra as dificuldades por quais Millôr passou com o fechamento do jornal:

– O fim daquela publicação tão significativa, e que gostávamos tanto de fazer, representou não só uma perda profissional e social. Representou uma crise financeira na vida de Millôr, superada, é claro, com o seu talento.

 

* Colaboraram Caroline Hülle, Isabela Castro e Monique Rangel.

Pérolas de Millôr

“Todo o casamento sem amor resulta em amor sem casamento.”

“Viver é escrever sem borracha.”

“A ocasião em que a inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e seu caráter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois da sua morte.”

“O homem é um animal que adora tanto as novidades que se o rádio fosse inventado depois da televisão haveria uma correria a esse maravilhoso aparelho completamente sem imagem.”

“Brasil, condenado à esperança.”

“Arte é intriga.”

“Quem confunde liberdade de pensamento com liberdade é porque nunca pensou em nada.”

“Há os que sobem por estupidez. E os que caem tropeçando na própria sabedoria.”

“Morte súbita é aquela em que a pessoa morre sem o auxilio dos médicos.”

“Além de ir pro inferno só tenho medo de uma coisa: juros.”

“Internet. Aberta pro mundo, alheia ao que a faz."

“Ambíguo, eu? Pode ser, pode não ser.”

“Jesus está chamando? Vai logo, pô!”

“Chama-se herói o cara que não teve tempo de fugir.”

“Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira para matar.”

“O aumento da canalhice é o resultado da má distribuição de renda.”

“Morrer é uma coisa que se deve deixar sempre pra depois.”

“Então fica assim, os Três Poderes são: o Legislativo, o Executivo e a Corrupção.”

“Cidadão, num país que não há nem sombra de cidadania, significa apenas cidade grande.”