Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 11 de maio de 2024


País

Feminista pioneira reconhece a força das redes sociais

Monique Rangel - Do Portal

08/03/2012

 Divulgação

Por trás da aparência de uma frágil senhora de 81 anos, praticamente cega, pernas e pés inchados, moradora de Copacabana há 40 anos, as jovens Rachel Tenório, 27 anos, e Úrsula Dalcomo, 26, foram surpreendidas com a vitalidade, o humor e as sempre fortes opiniões da escritora Rose Marie Muraro. Para as integrantes do Coletivo de Mulheres da PUC, grupo feminista que se reúne desde 2009 na universidade, o encontro com a patrona do movimento no Brasil representava mais do que uma oportunidade de discutir pontos pendentes na busca de uma sociedade justa, como a diferença de remuneração ainda observada entre homens e mulheres. Ali, no aconchego do apartamento que lembra casa de vó, livros ao redor, o silêncio interrompido só pelos passos das duas acompanhantes da anfitriã, Rachel, Úrsula e Rose Marie dissiparam o tempo. Conversaram sobre os desafios do feminismo ontem e hoje, sobre as razões muito próximas que as levaram ao caminho comum e, é claro, sobre amenidades – como viagens e namoro. “Ela (Rose Marie) parece uma de nossas companheiras”, emocionou-se Rachel ao deixar o prédio onde passara duas horas de uma manhã inesquecível.

Divulgação Instituto Cultural Rose Marie Muraro Beirava às 10h de sábado quando a octogenária recebeu com espirituosidade as jovens feministas e a equipe do Portal PUC-Rio Digital. “Puxa, acabei de acordar, esqueci o nosso encontro. Querem um suco? Vamos lá, sentem-se, vamos conversar.”, convidou. Era a deixa para um papo que navegaria, com agradável naturalidade, entre as formas de opressão contra a mulher e o papel “delas” na transformação da sociedade, mas também encontraria espaço para confidências como a nova paixão de Rose Marie.  

A escritora, que também é física de formação, destacou a importância crescente da tecnologia para revoluções sociais. Referia-se, em especial, ao computador e às redes sociais. Para ela, a velocidade e a amplitude dessas ferramentas tiveram papel fundamental nas recentes mudanças no mundo árabe e em movimentos como o “Ocupe Wall Street”:

– Hoje, é graças ao Facebook e as redes sociais que a juventude, os filhos dos hippies e das feministas se mobilizam. Eles não querem pagar as contas dos ricos e pedem que o dinheiro flua pelo mundo inteiro. Engraçado que nos anos 70 eu disse que nós estávamos preparando a cabeça da geração do século XXI. E não deu outra. O futuro está com eles, dou a maior força – entusiasmou-se.

Reprodução documentário Trocas de experiências e indicações de materiais com a temática feminista e política não faltaram ao papo. Rose recomendou que as meninas passassem a ler o Le Monde Diplomatique, mas alertou: para terem acesso aos artigos, elas teriam que “soltar uma grana”. Ao ser indagada pelas jovens se tinha visto o filme "A dama de Ferro" (Phyllida Lloyd, 2011), que rendeu à Meryl Streep o Oscar, pela interpretação de Margaret Tatcher, a anfitriã sacou novamente sua inabalada espirituosidade: “Ainda não vi e nem vou ver, porque eu não enxergo”.

O clima descontraído só era interrompido quando a conversa girava em torno de questões pendentes sobre os direitos femininos, como a diferença de salários entre os sexos. Se por um lado, segundo pesquisa do IBGE, em 2010, cerca de 28% dos lares brasileiros eram chefiados por “elas”, por outro,  a quarta edição do levantamento (“Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, lançada em novembro do ano passado) aponta que as mulheres continuam ganhando menos do que os homens. O rendimento médio mensal do homem, em 2009, era R$ 1.149; o da mulher, R$ 756. Sendo que a mulher branca recebe, em média, R$ 957 e a negra, R$ 544.

Na avaliação de Rose Marie, a educação se mostra insuficiente para diminuir tal diferença. Ela responsabiliza o capitalismo pela manutenção de "uma sociedade sexista com preconceito racial":

Divulgação Instituto Cultural Rose Marie Muraro – A mais-valia vem justamente do trabalho da mulher e dos negros. Eles (os capitalistas) precisam da submissão da mulher e do racismo. Primeiro vem o trabalhador branco, depois a trabalhadora branca, o trabalhador negro, e quem leva o peso da sociedade é a mulher negra.

O feminismo no Brasil traz em seu DNA a luta de classes e as marcas deixadas pela ditadura. A ousadia das mulheres que lutavam pela democracia contra um regime conservador e machista como o dos militares, atiçou a curiosidade de Úrsula, recém-formada pela PUC-Rio em Psicologia, e fez com que se tornasse feminista após ter sido apresentada, em 2009, ao Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). No mesmo ano, ajudou a organizar o Coletivo de Mulheres da PUC, a fim de aprofundar seus conhecimentos sobre o feminismo.

– Não há revolução feminista sem a luta de classes. Ssão indissociáveis. Não podemos analisar nada em essa ótica. A conversa com Rose Marie vem para ratificar isso. Nós todas sofremos com o preconceito, o Brasil é um país machista. Com a Revolução Industrial, só recebemos a liberdade que foi conveniente ao capitalismo – critica a militante.

Outro assunto da manhã regada a papos feministas e femininos foi a violência contra as mulheres, um problema cuja solução ainda se insinua distante, a despeito de avanços como a Lei Maria da Penha. Para Úrsula, a legislação mais rigorosa não é o bastante: 

– Em menos de três anos, várias amigas apanharam dos namorados. Eles pegam pelo cabelo. Já vi marca e olho roxo. A lei está no papel, mas a mudança deve ser feita na consciência. Se fosse eficaz, eles não teriam batido.

Arquivo pessoalRose, Rachel e Úrsula têm em comum a necessidade de se libertarem da mentalidade de uma educação familiar repressora. Para Rachel, o machismo se reproduz de geração em geração "porque ainda é ensinado". Ela voltou recentemente de uma viagem para Noruega e ficou admirada com a liberdade, inclusive sexual, das norueguesas:

– Eu percebi que os meninos da Noruega aprendem a respeitar a mulher. Aqui, o machismo está na cultura.

O tratamento desigual, em que pesem as conquistas políticas, econômicas e sociais, remonta, por exemplo, à Grécia Antiga, onde as mulheres ficavam isoladas em um local conhecido como gineceu. Ela convivia com escravos e não tinha o direito de participar das reuniões sociais da casa pois eram considerados seres inferiores.  A jornalista e doutora em Filosofia Rosangela Nunes Araújo, professora do Departamento de Comunicação Social, lembra que para Platão, e os gregos, a mulher era incapacitada para o pensamento e a reflexão filosófica:

– Os escravos e a mulheres gregas não tinham cidadania. A gente sabe que no caminho trilhado pela cultura ocidental a mulher, até muito pouco tempo atrás, estava excluída. Só no inicio do século XX ela teve o direito de votar. A Primeira Guerra Mundial preparou a grande virada para a cidadania da mulher, porque a maioria da população masculina morreu. As mulheres começaram a conjugar os afazeres femininos com a entrada no universo de trabalho do homem.

Rose Marie conta que o movimento feminista foi criado para defender, entre outras bandeiras, oportunidade iguais para homens e mulheres. Agora que a participação feminina no mercado já se mostra representativa tanto em volume quanto em qualificação, ainda falta a equiparação salarial. Como conquistá-la.

– Basta as mulheres se organizarem – orienta Rose Marie – Dizem que o feminismo é lugar de feia, lésbica e mal-amada. Eu já tive todos esses lindos apelidos...

– E doía? – perguntou Úrsula.

– Imagina se  iria ficar doída por causa de gente idiota. Eu tinha toda a juventude do meu lado. Eu me divertia à beça naquela época.

Risos ecoaram pela sala, nesta e em várias outras vezes, como quando Rose falou das paixões que despertava e ainda desperta. Confidenciou que tem um novo namorado e contou que, na juventude, os homens chegavam até ela "enlouquecidos, mas se assustavam porque ela buscava um amor profundo". 

O papo só foi interrompido pela proximidade da hora do almoço e pelo cansaço da escritora. Na despedida, as jovens feministas pediram para beijá-la a mão. “Pode beijar sim, e falem com as suas amigas para não serem idiotas", arrematou Rose.

 

Jovens trazem debate feminista à universidade

Os avanços na cidadania da mulher devido a ação do movimento feminista do século XX são inegáveis: direito ao voto, difusão do uso de métodos contraceptivos, aceitação no mercado de trabalho, entre tantos outros. Entretanto, as conquistas não se mostraram suficientes. As mulheres ainda reclamam mais liberdade de expressão em espaços de poder, igualdade salarial e o fim da opressão. Para trazer esses assuntos ao âmbito da universidade, em 2009, foi criado o Coletivo de Mulheres da PUC.

O grupo é aberto para alunas, funcionárias, e qualquer mulher, que se interesse nas bandeiras feministas, apontar problemas e propor soluções para a luta por uma sociedade mais igualitária. Nas reuniões são debatidos temas como liberdade sexual, melhores condições de trabalho, violência, feminicídio, exploração do corpo da mulher pela propaganda e trotes machistas. Como a frequência das reuniões depende de tempo para o encontro, elas mantém a discussão através do grupo fechado para mulheres no Facebook.

Uma das fundadoras do Coletivo, a estudante do 8° período de Relações Internacionais da PUC-Rio, Carolina Peterli chama atenção para a pequena participação das universitárias nos Centros Acadêmicos e para a dificuldade de expressão de um pensamento em aula sem que sejam consideradas histéricas.

– As mulheres foram que mais sofreram com a ditadura. Não só pelo que estava lutando mas por ter a ousadia de afrontar os militares. Até na História a nossa luta sofre com certa invisibilidade. Agora nos precisamos queimar os nossos sutiãs, calcinhas e vassouras. Precisamos ir às ruas porque ainda temos muitos desafios.