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Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


Crítica de Cinema

A trajetória pessoal e política da Dama de Ferro

Tiago Coelho - Do Portal

14/02/2012

Divulgação

Complexidade e ousadia são duas características que ajudam a definir Margaret Thatcher, a primeira e única mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do Reino Unido, figura política fundamental para se entender a segunda metade do século XX e analisar a primeira década do XXI. Vinte anos depois de sua saída do cenário político, a cinebiografia A dama de ferro (The iron lady), dirigida pela britânica Phyllida Lloyd (Mamma Mia!, 2008), que estreia no Rio nesta sexta, 17 de fevereiro, traz à tona a trajetória da mulher que bancou medidas públicas impopulares em um momento de grande efervescência política na Grã-Bretanha e no mundo.

Nascida em berço simples, filha do dono de uma mercearia, a jovem Margaret Roberts ingressou na Universidade de Oxford, onde ganhou uma bolsa de estudos e se formou em Química. Margaret, que rejeitava o papel de dona de casa tradicional como era sua mãe, se casou com Denis Thatcher, integrante do Partido Conservador, e logo em seguida entrou para o partido, onde ganhou em 1959 um lugar na Câmara dos Comuns.

Em sua iniciação política, Thatcher teve que enfrentar além do preconceito social por suas origens, o machismo do universo político do tradicional Parlamento Britânico, dominado por homens que a chamavam ironicamente de “Senhora Grita Demais”, hábito adquirido por ela para ser ouvida entre os “lordes” que desdenhavam suas opiniões.

Ao assumir, em 1979, o governo cuja economia estava combalida desde o pós-guerra (1945), Thatcher, que em discurso cita a Oração de São Francisco (Onde houver erro, que eu leve a verdade/Onde houver desespero, que eu leve a esperança), pagou um alto preço para colocar as finanças em ordem, e assumiu medidas polêmicas que seus pares haviam se recusado a fazer, com medo de abalar suas imagens políticas. Sem receio de fazer aquilo que julgava necessário para sanar a crise, ela comprou briga com os sindicatos, enfraquecendo-os, cortou gastos públicos (inclusive a verba para o leite nas escolas públicas, o que causou muita indignação), eliminou o salário mínimo e promoveu privatizações. Por essas medidas austeras, ganhou dos soviéticos a alcunha de “Dama de Ferro”, e por elas ateou fogo, literalmente, nas ruas de Londres, onde manifestantes faziam barricadas e enfrentavam forças de segurança e bandas de rock pediam sua cabeça em uma bandeja de prata.

Margaret Thatcher representou uma reposta ao bem-estar social keynesianista que inchava as contas do governo e foi uma das pedras fundamentais do controverso neoliberalismo. Diante da crise econômica que hoje assola boa parte dos países da Europa e os Estados Unidos, o filme se mostra pertinente ao revisitar e reanalisar suas ideias sobre política e economia.

Entre a megera durona e a mulher com seus problemas pessoais, Meryl Streep dá uma dimensão ampla a Margaret Thatcher, minuciosamente absorvida por sua intérprete. Revestida de uma excelente caracterização, a atriz imprime a intensidade sóbria da líder política, humanizando-a e a tornando-a uma mulher possível, não uma caricatura, como pode acontecer em filmes que retratam pessoas reais. Meryl Streep teve sua atuação premiada com o Bafta, o Oscar britânico, e concorre ao Oscar de melhor atriz. O filme tem ainda uma indicação pela maquiagem.

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Se a magnética interpretação da atriz garante o vigor necessário ao filme, direção e roteiro imprecisos em tentar pintar um painel amplo da vida de Margaret Thatcher, abordando a figura pública e a mulher em sua intimidade, não conseguem oferecer a amplitude da personagem que, para muitos, mudou a face da História. O filme trata superficialmente momentos intensos dos 11 anos em que esteve no poder, usando imagens de arquivo para ilustrar barricadas nas ruas e ataques do grupo terrorista Ira, sem provocar grande impacto.

A direção de arte e o figurino são assertivos e situam bem o espectador no tempo e no espaço. O formalismo na concepção do filme, porém, enquadra a história num conservadorismo excessivo, que não condiz com a postura aberta e determinada de Thatcher, que não admitia diálogo com terroristas e conduziu com sucesso o exército de seu país numa guerra arriscada pela retomada das Ilhas Malvinas.

O filme, no entanto, é uma justa lembrança à mulher chamada pelo presidente americano Ronald Reagan de “o grande homem do Reino Unido”, hoje esquecida e afastada das decisões mundiais, enfrentando a senilidade, aos 86 anos de idade. A distinta Dama de Ferro, vítima de um atentado em 1984, tinha também nervos de aço na condução do país, garantindo que futuramente o Reino Unido se mantivesse entre as grandes economias mundiais, como sugere um diálogo do filme: “Se tomar uma decisão difícil fizer o povo te odiar hoje, pode também fazê-lo grato por outras gerações”. Sendo o Reino Unido um dos países que menos sofreram com a crise da divida europeia, o filme parece ser uma espécie de agradecimento da geração posterior à era Thatcher.