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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Cidade

Treze dias depois, poeira ainda não baixou na Treze de Maio

Tiago Coelho - Do Portal

07/02/2012

Tiago Coelho

A única calçada livre da interditada Avenida Treze de Maio, no Centro do Rio, agrupava um grande número de pedestres na ensolarada manhã de sexta-feira, 5 de fevereiro. A poeira insistia em formar nuvens cinzentas enquanto retroescavadeiras reviravam o entulho dos três prédios que ruíram na noite de 25 de janeiro.

Alguns dos passantes seguiam o caminho em passos apressados, como é comum nos grandes centros urbanos, alheios ao alvoroço que ainda cerca o local. A maioria, no entanto, parava para ver de perto as ruínas das edificações, como quem observa um surpreendente cenário de um filme-catástrofe. Com celulares em punho, aglomerados na frente de onde antes se erguia o Edifício Liberdade e outros dois, mais baixos, curiosos se tornam cineastas e fotógrafos de uma cena que impressiona. 

Tiago Coelho 

Foliã assídua do Cordão da Bola Preta, cuja sede era na Treze de Maio, a aposentada Lúcia, de 65 anos, modificou o trajeto habitual para ver pessoalmente a imagem que a comoveu pela televisão. Com a mão amparando o queixo, Dona Lúcia olha para o opulente Teatro Municipal, com seus detalhes folheados a ouro embaçados pela poeira que cobre janelas e fachada. Depois, olha para o que sobrou dos três prédios que viraram pó.

– Veja só isso. De um lado esta maravilha e do outro, esta tragédia.

Quinze mil toneladas de entulho já haviam sido removidas, mas as marcas remanescentes do que antes eram salas comerciais a impressionaram. Diante dos alpinistas que se equilibravam para derrubar o resto do esqueleto do Liberdade que não sucumbiu, Dona Lucia relembra histórias que viu a televisão narrar: o homem que se salvou ao se proteger dentro do elevador; um sobrevivente que, resgatado pelos bombeiros entre os escombros, imaginou estar ainda no sexto andar; e um terceiro que havia pedido demissão, mas aceitou trabalhar mais alguns dias e estava no prédio no momento da tragédia. Até o momento 17 corpos foram encontrados, e cinco pessoas permanecem desaparecidas. Engenheiros apontam obras irregulares, feitas sem autorização do Conselho Regional de Engenharia do Rio (Crea-RJ), teriam comprometido a estrutura do prédio, causando a tragédia. Dona Lúcia, porém, credita o ocorrido ao destino e, serena, diz não ter medo de entrar em prédios do Centro.

– Não tem como escapar quando chega nossa hora. Se tiver de acontecer, o que se há de fazer? – indaga, antes de partir para a Rua México, onde tinha um compromisso.

Outros curiosos, tal como repórteres, questionavam guardas municipais, bombeiros e agentes da Defesa Civil sobre a localização de mais corpos entre os destroços, e se os prédios vizinhos corriam risco de desabar. Os agentes públicos se esquivavam, afirmando “não terem autorização para falar”. Especulava-se ainda sobre o destino dos valores da agência do banco Itaú que funcionava no edifício Colombo: “E o dinheiro? Onde foi parar?”. Cofres foram retirados dos escombros, mas o banco Itaú não confirma oficialmente se recuperou todo o conteúdo da agência.

Tiago Coelho 

No prédio anexo do Teatro Municipal, que era colado ao Liberdade, o porteiro-chefe Alexandre Oliveira espalhava a notícia de que o prédio está seguro e que será liberado pela Defesa Civil no início de março.

No tapume que delimita a parte interditada, vigiada 24 horas por dia, um cartaz clamava às autoridades assistência às famílias das vítimas. Mais à frente, próximo de onde bombeiros e operários trabalhavam na remoção do entulho, flores, velas e mensagens são depositadas por familiares e anônimos. Para quem não pode chegar tão perto, a homenagem foi feita na grade de isolamento, onde foi depositada uma rosa vermelha.

Tiago Coelho 

Na banca de jornal que fica bem em frente ao local, os jornais empilhados já não têm mais a tragédia como manchete. No jornal O Globo, apenas uma nota na metade inferior da capa tratando do problema da cobertura das seguradoras dos prédios, cujos contratos não cobriam sinistros como desabamentos. Sheila, a proprietária da banca, contabiliza o prejuízo de quatro dias sem abrir a banca, devido à interdição total da rua, e de mais um dia inteiro dedicado à limpeza dos produtos, completamente cobertos de poeira.

A Defesa Civil pediu que todos os prédios vizinhos fizessem a limpeza dos aparelhos de ar-condicionado, infestados pela fuligem, que pode causar problemas respiratórios graves. Desde 25 de janeiro o órgão registrou um aumento de 295% no número de chamadas para vistorias nos prédios da cidade. A tragédia deixou uma lição: melhor prevenir o que não pode ser remediado.

Tiago Coelho 

O sol do meio-dia se anunciava, mas não parava o trabalho da equipe que agia no local, tampouco o sol escaldante minimizava o interesse dos que ali circulavam. Uma lanchonete, também localizada em frente, ficava cada vez mais cheia com a proximidade da hora de almoço. Cada novo pedido era acompanhado de uma conversa sobre o ocorrido com os funcionários. Com um pano úmido, a garçonete Rita Maria dos Santos se dedicava à limpeza do balcão, trabalho bem mais árduo desde a tragédia. A poeira ainda insiste em encobrir a rotina da Avenida Treze de Maio.