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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

Analistas projetam peso de Lula no xadrez eleitoral

Pedro Rabello * - Da sala de aula

09/01/2012

 Arquivo Pessoal

Às 21h50m do dia 27 de outubro de 2002, a felicidade expressa no rosto de Lula não escondia o cansaço dos três meses de uma campanha que custou R$ 35 milhões e mobilizou 200 pessoas. Foram 147 horas em viagens de avião para percorrer 61.127 quilômetros por 93 cidades, nas quais fez 103 comícios e 63 carreatas. Quando a porta do elevador se abriu no saguão do hotel Meliá, em São Paulo, o ex-torneiro mecânico e ex-sindicalista foi ao encontro dos jornalistas não para reconhecer a derrota, como havia feito nas três eleições anteriores, mas para dar a primeira declaração após a vitória conquistada com o apoio de quase 53 milhões de eleitores, um total de 61% dos votos válidos. Nunca antes na história do país, até aquele domingo, o Brasil havia escolhido um candidato sem diploma universitário. Oito anos depois, Lula elegeu Dilma Rousseff sua sucessora e deixou o cargo com 83% de aprovação, gerando expectativa para uma possível volta à Presidência em 2014.

As especulações começaram antes mesmo do fim da gestão, motivadas por declarações do próprio Lula. Em agosto de 2010, durante cerimônia de sanção da lei que criou o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, ele brincou com o então ministro da Defesa, Nelson Jobim: “Você poderia, junto dessa emenda complementar, ter mandado uma ‘emendinha’ para mais uns anos de mandato”. Em 27 de outubro, na festa de seus 65 anos, disse que preferia que o dia em que deixaria o governo não chegasse.

Em novembro, com a nova presidente já eleita, Lula declarou que “até queria continuar”, mas que a troca de poder era boa para a democracia. A menos de quinze dias da posse de Dilma, contou a Kennedy Alencar, apresentador do É Notícia, programa da Rede TV!, que não saberia dizer se seria novamente candidato e que a decisão dependeria, entre outros fatores, do desempenho da nova ocupante do cargo.

Autor do livro "O Lulismo no Poder", o jornalista Merval Pereira acredita que alimentar a ideia de um retorno ao Palácio do Planalto é uma estratégia do ex-presidente para conservar a posição de destaque no Partido dos Trabalhadores. “Nenhuma liderança petista se compara a Lula. Ele continua sendo o centro do PT, mas só vai manter essa ascendência se confirmar a candidatura em 2014”, afirma Merval. A opinião do jornalista é compartilhada pelo cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael:

– A movimentação que Lula tem feito no Brasil e no exterior, indo falar com chefes de Estado, demonstra que ele não só está vivo como atuando para voltar à cena política. Lula só não será candidato à Presidência nas próximas eleições se não quiser, porque ele tem um controle muito maior sobre o PT do que Dilma. Ele não é apenas o principal líder do partido, mas é o ponto de convergência – diz Ismael.

Os maiores cabos eleitorais de Lula, apontam os especialistas, são os programas sociais que reduziram a desigualdade econômica. O analista de Opinião Pública e gerente de Política da LabPop Content, Henrique Serra, destaca a política do trabalho, com a geração de 14 milhões de novos empregos formais, e o Bolsa Família, lançado em outubro de 2003. Em sete anos, o programa destinou R$ 60,2 bilhões para atender 12,7 milhões de famílias brasileiras. Segundo estimativa da Fundação Getúlio Vargas, a miséria diminuiu 45% no período, com 25 milhões de pessoas deixando a linha da extrema pobreza. “Muita gente acha que os programas sociais fazem parte de uma política assistencialista, mas não é possível discordar do aumento do poder aquisitivo”, observa Serra.

A estabilidade econômica, que começou a se desenhar ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, é outro ponto a favor de Lula. “Com a estabilização monetária e a rearrumação das finanças promovidas pela gestão anterior, Lula adotou uma visão desenvolvimentista e voltou a investir em infraestrutura para garantir o crescimento”, afirma Ricardo Ismael. Segundo o IBGE, a inflação caiu de 916,4% em 1994 para 12,5% em 2002. Com Lula, chegou a 4,3% em 2009. Entre 2003 e 2010, o crescimento médio anual do PIB foi de 4,1%, quase o dobro da média de 2,3% ao ano do governo FHC.

Destaca-se ainda a habilidade política do ex-presidente, que conquistou a confiança do empresariado ao formar chapa com José Alencar, em 2002, e dissociou sua imagem dos escândalos de corrupção que atingiram o governo em 2005, derrubando José Dirceu, que ocupava a Casa Civil. Para Merval Pereira, a oposição falhou ao não pedir o impeachment. “O PSDB achou que ele estava morto do ponto de vista político e errou redondamente”, avalia o jornalista. Reeleito no segundo turno das eleições de 2006 com 60,8% dos votos válidos, Lula viu seu prestígio crescer dentro e fora do país, a ponto de ser chamado de “meu chapa” pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em 2009.

Se a cena do documentário "Entreatos", de João Moreira Salles, na qual Lula encontra a imprensa para se pronunciar pela primeira vez após a vitória nas eleições vai se repetir em 2014, somente o tempo e as urnas dirão. Porém, Henrique Serra, Merval Pereira e Ricardo Ismael concordam que Lula terá um papel fundamental no pleito, seja como candidato à Presidência ou como cabo eleitoral da reeleição de Dilma Rousseff.

* Texto produzido para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, lecionada pelo professor Arthur Dapieve.